Ana Sachs* - Do UOL Notícias
Ainda que seja uma exigência da lei de Execuções Penais, o trabalho de condenados nas prisões brasileiras está longe de ser uma realidade no país. Segundo aponta tese de doutorado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que compila diversos dados sobre o sistema carcerário brasileiro, cerca de 76% dos presos estão ociosos nas cadeias do país.
O Ceará é o Estado onde os presos têm o maior percentual de ociosidade, com apenas 2,74% desses exercendo alguma atividade. Na outra ponta está Santa Catarina, onde 58,14% dos presos trabalha (veja os demais Estados abaixo)
O trabalho foi feito pelo cientista social, professor e ex-funcionário da secretaria de administração penitenciária (Saep) do Rio Elionaldo Fernandes Julião. O objetivo do estudo era demonstrar de que forma o trabalho e a educação influem na reinserção social do preso - e, consequentemente, nas chances que terá de reincidência no crime.
Leia também: Estudo poderá diminuir tempo de prisão
De acordo com a tese, trabalhar na prisão diminui as chances de reincidência em 48%. Quando o preso estuda na cadeia, as chances de voltar ao crime diminuem em 39%.
"Em linhas gerais, através dos resultados deste estudo podemos afirmar que trabalho e estudo apresentam um papel significativo na reinserção social dos apenados, diminuindo consideravelmente a sua reincidência", aponta o cientista político.
Em estudo feito entre os presos do Rio de Janeiro com base na avaliação de 52 mil fichas de prisão realizada nos últimos cinco anos, o pesquisador chegou ao percentual de reincidência de 26% entre presos que não trabalharam, contra somente 11,2% dos que trabalharam e voltaram a cometer um crime.
Na área de educação, ainda no Rio de Janeiro, o pesquisador encontrou uma situação bastante parecida. O percentual de reincidência chega a 24,2% entre aqueles que não estudaram na prisão, ao passo que somente 6,3% dos que estudaram cometeram novos delitos.
A tese aponta que, em todo o país, apenas 17,3% de presos estudam na prisão - participam de atividades educacionais de alfabetização, ensino fundamental, ensino médio e supletivo. "Não há dados mais precisos de quantos presos estão estudando em cada Estado", diz Julião.
A lei de Execuções Penais também exige que todos os condenados tenham acesso ao ensino fundamental nas cadeias, mas os presos não são obrigados a estudar.
O autor da pesquisa critica a falta de políticas do Estado para ressocializar o preso. "A grande questão que os dados demonstram é que efetivamente no Brasil não temos uma política pública de reinserção. Todas as ações são muito improvisadas", disse. "O que se vê no país são iniciativas isoladas em alguns Estados. Há apenas ações desorganizadas, sem articulação", afirma.
Na avaliação do especialista, caberia ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça, dar as diretrizes para os Estados nessas áreas e fiscalizar a sua execução. "Cada Estado tem autonomia para aplicar as políticas, e hoje isso não é cobrado de nenhuma forma do governo federal", frisa.
Outro grande problema apontado por Julião é a forma como os recursos são empregados. "O governo federal investe em projetos de educação e trabalho em prisões nos Estados, mas isso não tem acompanhamento, não se sabe se foi efetivamente implementado, nem o impacto daquilo. Temos que saber para onde foi esse recurso. Os Estados entregam somente um relatório, que não tem a descrição de como os recursos foram investidos", relata.
O pesquisador levantou dados sobre investimentos e encontrou números discrepantes na distribuição de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) aos Estados. Sergipe, por exemplo, recebeu R$ 33,4 milhões, entre 1995 e 2007, para uma população carcerária de 2.228 presos, enquanto, no mesmo período, o Rio Grande do Sul recebeu R$ 50,2 milhões, para 23.814 condenados.
"Quais são os critérios para o recebimento de recursos? Isso não é claro. Será que não foi um critério político?", questiona Julião. "Sem um projeto político para o setor, é possível que se assuma a idéia de estarmos, literalmente, jogando dinheiro fora", afirma.
Presos na "faxina"
O pesquisador defende ainda, em sua tese, que não é qualquer vaga de trabalho que pode atuar, de fato, para uma queda no percentual de reincidência no crime. "O trabalho de carpintaria ou de limpeza não gera nada para o preso quando ele sair da prisão. É preciso abrir vagas qualificadas, de trabalho formativo, assim como o ensino também precisa ser de qualidade."
Dos 23,95% dos internos ocupados profissionalmente em 2008, segundo a tese, 21,54% participavam de trabalho externo e 13,77% atuavam em atividades implementadas por empresas privadas. A maioria, 78,44%, atuava dentro das próprias unidades, principalmente apoiando os estabelecimentos penais (36,62%) - chamados trabalhos de "faxina" - e/ou envolvidos na produção de artesanato (15,96%).
Preso substitui vigias
O grande número de condenados que atuam como complemento da mão-de-obra das unidades penais, chegando, em alguns casos, a substituir profissionais do próprio sistema penitenciário, contraria a lógica de trabalho na prisão, que "deixa de ter um caráter puramente pedagógico, como determina a lei, para atender as necessidades da manutenção do próprio sistema", segundo avaliação do pesquisador.
Julião aponta que apenas 6,6% dos recursos do Funpen entre 1995 e 2007 - o equivalente a R$ 92,8 milhões - foram destinados a 453 projetos para a ampliação da aplicação das penas alternativas no país, para a capacitação dos agentes operadores da execução penal, para a elevação de escolaridade e a capacitação profissional dos condenados, e para a implementação de projetos laborativos e de assistência ao interno, ao egresso e seus familiares.
Por outro lado, 59,73% dos projetos aprovados e convênios firmados com os Estados com a utilização de recursos do Funpen no mesmo período foram destinados à melhora da infra-estrutura do sistema penitenciário - reforma, construção de novas unidades e aquisição de equipamentos -, contabilizando R$ 1,3 bilhão ou 93,4% dos recursos investidos.
"Há um grande investimento na questão da segurança, e a reinserção acaba sendo a última coisa pensada na política de execução penal. Os novos presídios não têm espaço para trabalho e escola. A legislação cobra, mas a própria arquitetura do local não prevê isso."
Para ele, somente a construção de novos presídios, sozinha, é uma solução pouco eficiente. É preciso que se crie uma política socioeducativa nas prisões do país. "O simples encarceramento tem mostrado ser insuficiente sem um adequado programa socioeducativo, para recuperar efetivamente um número significativo de apenados, acarretando, com isso, um progressivo aumento de ônus para a sociedade", afirma.
"Necessitamos imediatamente de uma reavaliação da legislação penal vigente que atenda à realidade do sistema penitenciário contemporâneo", conclui Julião.
Outro lado
Procurado pelo UOL Notícias, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) disse que não comentaria os dados e conclusões da tese. "O departamento entende que não é seu papel comentar teses de doutorado ou de mestrado, sem nenhum menosprezo a elas."
Mas em entrevista à Agência Brasil em 9 de junho deste ano, o diretor-geral do Depen, Airton Michels, classificou o sistema carcerário brasileiro de "vergonha para o país". Ele disse ainda que a condição de detenção oferecida pelos Estados é uma "tortura". "Antes de pensar em ressocializar presos, como prevê a Lei de Execuções Penais, os governos estaduais e federal têm pela frente o desafio de garantir condições mínimas de dignidade em todas as unidades prisionais existentes no país", afirmou.
Michels citou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), como uma ação que pode trazer resultados importantes para o sistema penitenciário. "A intenção é que já no início se consiga prender esse cidadão, colocá-lo em penitenciárias onde ele tenha espaço para estudo, para trabalho e onde possa cumprir a pena com dignidade", explicou o diretor.
O programa prevê a construção de novos presídios para jovens entre 18 e 24 anos - faixa etária que concentra o maior contingente de presos no país -, com 421 vagas disponíveis, a um custo de R$ 12 milhões, que serão equipados com módulos de saúde e educação (sala de aula, laboratório de informática e biblioteca).
"O Pronasci institui estabelecimentos penais especiais para jovens com salas de aula, anfiteatros, espaço para arte e lazer. Portanto, é um processo rico de ressocialização e de reintegração à cidadania", disse Ronaldo Teixeira, secretário-executivo do Pronasci, ao UOL Notícias.
Para Teixeira, "isso desafogará o sistema carcerário tradicional e potencializará o processo de ressocialização".
O preso que volta ao crime
Segundo a tese da Uerj, os reincidentes são, em sua maioria, do sexo masculino, solteiros, jovens, pretos e com uma escolaridade deficiente. A chance de reincidência para os homens é, ainda, 62% maior do para as mulheres e, a cada ano a mais de idade, diminui a chance de reincidência em 5%. Furto, roubo e estelionato/fraudes apresentam, respectivamente, os maiores índices de reincidência (44,18%, 24,44% e 22,98%), ao contrário de lesão corporal, tráfico e homicídios, que apresentam os menores índices (17,25%, 14,87% e 14,7%).
Ainda que seja uma exigência da lei de Execuções Penais, o trabalho de condenados nas prisões brasileiras está longe de ser uma realidade no país. Segundo aponta tese de doutorado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que compila diversos dados sobre o sistema carcerário brasileiro, cerca de 76% dos presos estão ociosos nas cadeias do país.
O Ceará é o Estado onde os presos têm o maior percentual de ociosidade, com apenas 2,74% desses exercendo alguma atividade. Na outra ponta está Santa Catarina, onde 58,14% dos presos trabalha (veja os demais Estados abaixo)
O trabalho foi feito pelo cientista social, professor e ex-funcionário da secretaria de administração penitenciária (Saep) do Rio Elionaldo Fernandes Julião. O objetivo do estudo era demonstrar de que forma o trabalho e a educação influem na reinserção social do preso - e, consequentemente, nas chances que terá de reincidência no crime.
Leia também: Estudo poderá diminuir tempo de prisão
De acordo com a tese, trabalhar na prisão diminui as chances de reincidência em 48%. Quando o preso estuda na cadeia, as chances de voltar ao crime diminuem em 39%.
"Em linhas gerais, através dos resultados deste estudo podemos afirmar que trabalho e estudo apresentam um papel significativo na reinserção social dos apenados, diminuindo consideravelmente a sua reincidência", aponta o cientista político.
Em estudo feito entre os presos do Rio de Janeiro com base na avaliação de 52 mil fichas de prisão realizada nos últimos cinco anos, o pesquisador chegou ao percentual de reincidência de 26% entre presos que não trabalharam, contra somente 11,2% dos que trabalharam e voltaram a cometer um crime.
Na área de educação, ainda no Rio de Janeiro, o pesquisador encontrou uma situação bastante parecida. O percentual de reincidência chega a 24,2% entre aqueles que não estudaram na prisão, ao passo que somente 6,3% dos que estudaram cometeram novos delitos.
A tese aponta que, em todo o país, apenas 17,3% de presos estudam na prisão - participam de atividades educacionais de alfabetização, ensino fundamental, ensino médio e supletivo. "Não há dados mais precisos de quantos presos estão estudando em cada Estado", diz Julião.
A lei de Execuções Penais também exige que todos os condenados tenham acesso ao ensino fundamental nas cadeias, mas os presos não são obrigados a estudar.
O autor da pesquisa critica a falta de políticas do Estado para ressocializar o preso. "A grande questão que os dados demonstram é que efetivamente no Brasil não temos uma política pública de reinserção. Todas as ações são muito improvisadas", disse. "O que se vê no país são iniciativas isoladas em alguns Estados. Há apenas ações desorganizadas, sem articulação", afirma.
Na avaliação do especialista, caberia ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça, dar as diretrizes para os Estados nessas áreas e fiscalizar a sua execução. "Cada Estado tem autonomia para aplicar as políticas, e hoje isso não é cobrado de nenhuma forma do governo federal", frisa.
Outro grande problema apontado por Julião é a forma como os recursos são empregados. "O governo federal investe em projetos de educação e trabalho em prisões nos Estados, mas isso não tem acompanhamento, não se sabe se foi efetivamente implementado, nem o impacto daquilo. Temos que saber para onde foi esse recurso. Os Estados entregam somente um relatório, que não tem a descrição de como os recursos foram investidos", relata.
O pesquisador levantou dados sobre investimentos e encontrou números discrepantes na distribuição de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) aos Estados. Sergipe, por exemplo, recebeu R$ 33,4 milhões, entre 1995 e 2007, para uma população carcerária de 2.228 presos, enquanto, no mesmo período, o Rio Grande do Sul recebeu R$ 50,2 milhões, para 23.814 condenados.
"Quais são os critérios para o recebimento de recursos? Isso não é claro. Será que não foi um critério político?", questiona Julião. "Sem um projeto político para o setor, é possível que se assuma a idéia de estarmos, literalmente, jogando dinheiro fora", afirma.
Presos na "faxina"
O pesquisador defende ainda, em sua tese, que não é qualquer vaga de trabalho que pode atuar, de fato, para uma queda no percentual de reincidência no crime. "O trabalho de carpintaria ou de limpeza não gera nada para o preso quando ele sair da prisão. É preciso abrir vagas qualificadas, de trabalho formativo, assim como o ensino também precisa ser de qualidade."
Dos 23,95% dos internos ocupados profissionalmente em 2008, segundo a tese, 21,54% participavam de trabalho externo e 13,77% atuavam em atividades implementadas por empresas privadas. A maioria, 78,44%, atuava dentro das próprias unidades, principalmente apoiando os estabelecimentos penais (36,62%) - chamados trabalhos de "faxina" - e/ou envolvidos na produção de artesanato (15,96%).
Preso substitui vigias
O grande número de condenados que atuam como complemento da mão-de-obra das unidades penais, chegando, em alguns casos, a substituir profissionais do próprio sistema penitenciário, contraria a lógica de trabalho na prisão, que "deixa de ter um caráter puramente pedagógico, como determina a lei, para atender as necessidades da manutenção do próprio sistema", segundo avaliação do pesquisador.
Julião aponta que apenas 6,6% dos recursos do Funpen entre 1995 e 2007 - o equivalente a R$ 92,8 milhões - foram destinados a 453 projetos para a ampliação da aplicação das penas alternativas no país, para a capacitação dos agentes operadores da execução penal, para a elevação de escolaridade e a capacitação profissional dos condenados, e para a implementação de projetos laborativos e de assistência ao interno, ao egresso e seus familiares.
Por outro lado, 59,73% dos projetos aprovados e convênios firmados com os Estados com a utilização de recursos do Funpen no mesmo período foram destinados à melhora da infra-estrutura do sistema penitenciário - reforma, construção de novas unidades e aquisição de equipamentos -, contabilizando R$ 1,3 bilhão ou 93,4% dos recursos investidos.
"Há um grande investimento na questão da segurança, e a reinserção acaba sendo a última coisa pensada na política de execução penal. Os novos presídios não têm espaço para trabalho e escola. A legislação cobra, mas a própria arquitetura do local não prevê isso."
Para ele, somente a construção de novos presídios, sozinha, é uma solução pouco eficiente. É preciso que se crie uma política socioeducativa nas prisões do país. "O simples encarceramento tem mostrado ser insuficiente sem um adequado programa socioeducativo, para recuperar efetivamente um número significativo de apenados, acarretando, com isso, um progressivo aumento de ônus para a sociedade", afirma.
"Necessitamos imediatamente de uma reavaliação da legislação penal vigente que atenda à realidade do sistema penitenciário contemporâneo", conclui Julião.
Outro lado
Procurado pelo UOL Notícias, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) disse que não comentaria os dados e conclusões da tese. "O departamento entende que não é seu papel comentar teses de doutorado ou de mestrado, sem nenhum menosprezo a elas."
Mas em entrevista à Agência Brasil em 9 de junho deste ano, o diretor-geral do Depen, Airton Michels, classificou o sistema carcerário brasileiro de "vergonha para o país". Ele disse ainda que a condição de detenção oferecida pelos Estados é uma "tortura". "Antes de pensar em ressocializar presos, como prevê a Lei de Execuções Penais, os governos estaduais e federal têm pela frente o desafio de garantir condições mínimas de dignidade em todas as unidades prisionais existentes no país", afirmou.
Michels citou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), como uma ação que pode trazer resultados importantes para o sistema penitenciário. "A intenção é que já no início se consiga prender esse cidadão, colocá-lo em penitenciárias onde ele tenha espaço para estudo, para trabalho e onde possa cumprir a pena com dignidade", explicou o diretor.
O programa prevê a construção de novos presídios para jovens entre 18 e 24 anos - faixa etária que concentra o maior contingente de presos no país -, com 421 vagas disponíveis, a um custo de R$ 12 milhões, que serão equipados com módulos de saúde e educação (sala de aula, laboratório de informática e biblioteca).
"O Pronasci institui estabelecimentos penais especiais para jovens com salas de aula, anfiteatros, espaço para arte e lazer. Portanto, é um processo rico de ressocialização e de reintegração à cidadania", disse Ronaldo Teixeira, secretário-executivo do Pronasci, ao UOL Notícias.
Para Teixeira, "isso desafogará o sistema carcerário tradicional e potencializará o processo de ressocialização".
O preso que volta ao crime
Segundo a tese da Uerj, os reincidentes são, em sua maioria, do sexo masculino, solteiros, jovens, pretos e com uma escolaridade deficiente. A chance de reincidência para os homens é, ainda, 62% maior do para as mulheres e, a cada ano a mais de idade, diminui a chance de reincidência em 5%. Furto, roubo e estelionato/fraudes apresentam, respectivamente, os maiores índices de reincidência (44,18%, 24,44% e 22,98%), ao contrário de lesão corporal, tráfico e homicídios, que apresentam os menores índices (17,25%, 14,87% e 14,7%).
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