quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Queda nos autos de resistência

Por Rosilene Miliotti e Vitor Castro (via Observatório de Favelas)
















Ent
re janeiro e junho de 2008 foram contabilizados 750 casos de auto de resistência no Estado do Rio de Janeiro. No mesmo período de 2009 foram registrados 559 casos, uma queda de 25,5%. De acordo com o sociólogo Ignacio Cano, professor e membro do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-Uerj), a política de confronto levou o número de autos de resistência a seu ápice em 2007, ano dos jogos Pan-americanos na cidade do Rio de Janeiro, mas em 2008 já apresentava uma tendência à queda. "Ano passado tivemos vários eventos, como a morte do menino João Roberto, de 3 anos, na Tijuca e outros 'erros' que sublinharam os custos sociais e, sobretudo, políticos de uma política de confronto permanente", exemplifica Cano, que diz que a partir desses episódios, o governo tem moderado o seu discurso, apostando no modelo de pacificação nas favelas, falando mais em controle dos abusos policiais e reconhecendo que os autos de resistência estão em um patamar muito alto.

O garoto João Roberto morreu após ser atingido por um tiro na cabeça no dia 6 de julho de 2008, no bairro da Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Ele estava no carro com a mãe e o irmão de 9 meses quando o veículo foi alvo de pelo menos 15 disparos feitos por d
ois policiais militares. A pesquisadora do Centro de Estudos Sobre Segurança e Cidadania (CESeC), Sílvia Ramos, também sustenta essa hipótese. “Naquele mês os autos de resistência caíram, no mês seguinte, agosto de 2008, eles se reduziram a um terço. E depois voltaram a subir aos poucos, mas nunca alcançaram os patamares anteriores ao episódio”, comenta.

A polícia que mais mata e morre


Em junho de 2008 o número de autos de resistência era de 105. Já no mês da morte de João Roberto caiu para 62, e em agosto caiu para 30. De setembro a dezembro de 2008 a média, que nos primeiros seis meses do ano foi de 126, caiu para 72. Ignácio Cano lembra ainda que “a visita do Relator da ONU sobre Execuções Sumárias, Philip Alston, ao Rio de Janeiro em novembro de 2008, foi outro fator para a diminuição desses números, além da recente denúncia de promotores contra 30 policiais militares por autos de resistência que seriam na verdade execuções sumárias”.
















O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o deputado Marcelo Freixo (PSOL), explica o porquê dos números elevados dos autos de
resistência: “a política de segurança pública do estado do Rio é a política da guerra, segue a lógica do enfrentamento. O momento mais visível dessa lógica foi no Complexo do Alemão, onde mataram 19 num único dia e mais de 60 ao longo da operação”. Freixo ainda comenta que essa lógica leva o Rio de Janeiro a ter a polícia que mais mata e a polícia que mais morre no mundo. “A polícia do Rio mata oficialmente mais de três pessoas por dia, não há polícia nenhuma no mundo com esse índice. E também é a que mais morre, logicamente, por conta dessa lógica ensandecida”, frisa o deputado.

“Pacificação”


Ignácio Cano vê na diminuição do número de autos de resistência sinais de que pode haver uma mudança política. Para ele, o Ministério Público pode tomar a iniciativa em uma área em que sempre se mostrou omisso. “Digamos que o cenário político mudou, os custos do confronto a ferro e fogo ficaram mais claros, e daí, acredito, as autoridades de segurança pública se reposicionaram parcialmente. Embora publicamente o governo diga que nada mudou, que o combate ao crime continua (a despeito do modelo de pacificação), privadamente o governo reconhece que eles mudaram o discurso internamente e que eles próprios esperavam uma queda dos autos de resistência, que é o que vem acontecendo", explica.


Esse novo modelo que vem sendo implementado pelo governo do Estado em algumas favelas cariocas, chamado de Política Pacificadora, também é questionado. O presidente da Associação de Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk) MC Leonardo, em visita à favela Cidade de Deus, conta que “os moradores estão sendo proibidos de pintar o cabelo, a polícia está mandando voltar para dentro do salão e raspar a cabeça, e aí? E não adianta reclamar, reclamar com quem? Está todo mundo com medo”. Para Marcelo Freixo, a “política de pacificação nada mais é do que um novo instrumento de controle sobre aqueles moradores. Porque a favela continua sendo um caso de polícia. É claro que é melhor do que entrar matando, isso não se discute, mas ao mesmo tempo não entra garantindo a liberdade. A lógica é vamos pacificar a favela para não incomodar fora da favela. É a lógica do controle. Não é para garantir os direitos e deveres dos moradores, mas para que eles não incomodem”.


Essa pequena queda no número de autos de resistência ainda está muito longe do razoável. A média do primeiro semestre de 2009 é de 93 autos de resistência por mês, muito próxima à média anual de 2008, que foi de 94,5. Se esse quadro permanecer o mesmo, proporcionalmente, não haverá mudança de um ano para o outro. Comparando os números de 1997, quando os autos de resistência passaram a ser contabilizados, com 2008, vemos um aumento de 300 para 1134 casos. Nessa perspectiva, fica difícil enxergar melhora na política de segurança pública. Na tentativa de pautar o tema e pressionar as autoridades, a Comissão de Direitos Humanos na Alerj realizou duas audiências públicas sobre o tema (dias 30 de junho e 18 de julho), na tentativa de dar um fim à existência do procedimento. Das audiências foi tirado um Grupo de Trabalho para estudar medidas que busquem a redução desses números.

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