segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Rio não é violento? A realidade e a retratação dizem que sim


Milton Corrêa da Costa*, no Casos de Polícia

O dr. José Beltrame, secretário de Segurança do Rio, é um homem sensato e tem se mostrado, no exercício do difícil e complexo cargo, extremamente equilibrado. É óbvio que suas declarações junto à Câmara Federal, em Brasília ( "O Rio não é violento, tem núcleos de violência..."), foram uma simples análise de contexto, uma comparação do que ocorre numa favela dominada pelo tráfico e arredores e a ambiência de relativa segurança que ocorre, por exemplo, em bairros como a Urca e Paquetá. Sob esta ótica, ele tem toda razão. De fato, há áreas menos violentas no Rio, com índices de criminalidade de países europeus.

Todavia esta não é a regra, e o secretário Beltrame, prontamente, retratou-se a tempo. Não se pode negar que, no contexto geral da maior parte do espaço urbano, o Rio vive sim, de há muito, sob a égide de uma das mais violentas e sangrentas guerras urbanas que já se teve notícia na história policial do mundo, e que o temor ao crime é fenômeno recorrente junto a grande maioria da população. Recentes pesquisas mostram isso. Não é à toa que, nos últimos mil dias, ocorreram mais de 20 mil mortes violentas em todo o estado, a maioria na capital, segundo o Movimento Rio de Paz.

Se compararmos com a Grande Londres, vamos observar que de janeiro a setembro deste ano lá ocorreram 80 homicídios. Aqui, em igual período ocorreram, na Região Metropolitana, 3.566. Ou seja, um total 44 vezes maior. Há que se considerar que 33 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes é um índice elevado, ainda que todo o estado se coloque no quinto lugar no ranking do país. A média mensal de 5 mil casos de roubo a transeuntes — sem falar nos que não são registrados pelas vítimas — o que representa 60 mil/ano, é um montante também elevado.

Ainda comparativamente a Londres, no mesmo período de janeiro a setembro deste ano aqui ocorreram 2.967 casos de roubos a estabelecimentos comerciais; lá, foram registrados 596. O gastroenterologista Paulo Salaverry, morto recentemente em Ipanema, bairro nobre do Rio de Janeiro, com tiro na cabeça, em
consequência de um assalto, é também o exemplo mais característico de que a guerra do Rio não escolhe nenhuma classe social, não poupa gregos nem troianos. Todos somos vítimas em potencial, inclusive nossos policiais, que combatem diuturnamente na linha de frente.

Por poutro lado, ainda que muitos critiquem, a meu ver não se trata de "política de revide" nem de "criminalização da pobreza" imposta pelo governo do estado no combate ao narcotráfico, mas uma dura realidade a encarar. O enfrentamento, no respeito aos limites da lei, se faz necessário sim. Agora ou nunca. Armas de guerra são apreendidas constantemente — uma metralhadora ponto 30, que derruba aeronaves, foi aprendida ontem numa favela do Rio — e perigosos meliantes, a todo instante, são retirados de circulação.

Num cenário de guerra, tiroteios em morros e favelas e em suas proximidades são frequentes, muitas vezes com ônibus incendiados por traficantes ou a mando destes, causando pânico no seio da população ordeira e interrompendo atividades sociais, inclusive com fechamento de comércio, creches e escolas. Ressalte-se que, segundo uma pesquisa de dias atrás, a bala perdida — 36% dos entrevistados apontaram — é o maior medo do carioca.

Recentemente, escolas em torno do Morro dos Macacos, no bairro de Vila Isabel, por determinado período, face a uma necessária intervenção policial, não funcionaram por precaução. Isso é realidade. Acresce-se o fato de que no Estado do Rio de Janeiro vem ocorrendo, de há muito, uma verdadeira chacina em conta-gotas contra policiais, infelizmente alguns deles envolvidos com o crime. No período de dez anos, mais de mil policiais militares foram assassinados, onde cerca de 30% encontravam-se de situação de serviço, outros em momentos de folga transitando por carros particulares ou ônibus e identificados como policiais.

O Rio é tão violento que uma carteira de policial encontrada com um profissional de polícia é um inevitável passaporte para a morte. Não se pode esquecer também que o recente ataque de traficantes ao helicóptero da polícia, mostrado pela televisão quando se deslocava em chamas, onde morreram três policiais e outros três se feriram, foi o exemplo mais significativo da ousadia de narcoterroristas que insistem em desafiar o poder instituído, alimentando a permanente e violenta guerra do Rio. "O nosso 11 de setembro" como disse o próprio secretário José Beltrame, quando da derrubada do helicóptero.

No entanto, a sociedade não pode render-se ao banditismo, cabendo-lhe não se omitir e participar, denunciando práticas criminosas, partam de onde partirem (Disque- Denúncia: 2253-1177), em apoio ao aparelho policial e ao governo do estado. O Rio precisa voltar a ter paz e um maior número possível de morros e favelas pacificados. Isso é fato. Não se pode mais recuar na guerra contra o tráfico. Está em jogo o direito humano de ir e vir e a paz social. Por enquanto, em regra geral, o Rio é, sim, extremamente violento.

*Milton Corrêa da Costa é tenente-coronel da PM do Rio na reserva

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