domingo, 27 de dezembro de 2009

Tráfico de drogas: Um crime que, por sua natureza, pode apenas ser controlado


Por Luiz Cravo Dória - Do Blog da Amazônia

Em 1994 o Brasil recebeu a Certificação de Erradicação da Poliomielite. Foi o coroamento de uma eficaz política de saúde pública de controle e erradicação baseada na vacinação em massa contra uma doença que, desde o início do século XX, causava incapacidade física em milhares de crianças. Mesmo com críticas, até de Albert Sabin, pai da famosa vacina, o programa foi em frente com apoio da mídia e de líderes da sociedade civil, de modo que hoje em dia ele é considerado modelo para outros países.

O tráfico de drogas é outra doença, segundo a concepção popular. Desse modo, muitas pessoas gostariam que desaparecesse do mapa e, por isso, sempre reclamam por resultados mais positivos da polícia, principalmente quando ocorrem fatos como a derrubada do helicóptero da Polícia Militar carioca por traficantes do Morro dos Macacos. Nesse episódio, houve quem criticasse a Polícia Federal pela suposta negligência no seu dever constitucional de controlar as fronteiras nacionais, por onde sabidamente entram as armas e as drogas comercializadas pelos criminosos.

A PF não usa como escudo os altos índices de aprovação de sua atuação para ignorar críticas. Como qualquer instituição em regime democrático, podemos sim corrigir nossas estratégias visando melhorá-las. Mas na questão de combate às drogas a partir do controle de fronteiras, torna-se necessário fazer alguns esclarecimentos que nem sempre acompanham as opiniões veiculadas nos grandes meios de comunicação.

Tomemos como exemplo a cocaína, droga mais consumida no país depois da maconha. Não se concebe que alguém procure infectar-se com o vírus da poliomielite. No caso da cocaína, segundo dados do Escritório das Nações Unidas para a Droga e o Crime (UNODC), o seu comércio é alimentado pela demanda de 870 mil brasileiros entre 12 e 64 anos. Além da decisão individual enfrentamos uma questão geopolítica. Temos 8.062 Km de fronteira com a Colômbia, Peru, e Bolívia, justamente os três países que produzem cocaína no mundo.

Amazônia Legal

Também há que se considerar que extensos trechos da nossa zona de fronteira estão localizados em florestas, áreas indígenas ou locais acessíveis somente por aviões ou barcos, sendo que por este meio somente em determinadas épocas do ano em face do pouco volume de água de muitos rios e igarapés da Amazônia Legal.

Para se ter uma idéia, somente a fronteira com a Bolívia, de onde vem a maior parte da cocaína consumida por aqui, prolonga-se por 3.423 Km, exatos 282 Km mais extensa do que a problemática fronteira dos Estados Unidos com o México.

Os Estados Unidos, apesar de investirem os maiores montantes do mundo em repressão ao narcotráfico e contar com 76 agências federais de alto nível, como FBI, DEA, CIA, US Marshals, ATF, Border Patrol e Secret Service, ainda não encontraram um modelo perfeito de redução da oferta e do consumo interno. Nesse aspecto, assemelham-se a todas as demais nações do planeta, ricas ou não.

Nesse passo, além dos princípios éticos e legais, nossas estratégias antidrogas não devem chocar-se contra princípios da política exterior brasileira de aumentar a integração regional por meio da facilitação e crescimento da circulação de pessoas e mercadorias, da cooperação técnica e científica entre os países, e até da liberdade de trabalho em um futuro próximo. Por isso é que afastamos qualquer idéia de construção de barreiras físicas com os vizinhos associados do Mercosul.

Para potencializar os resultados a PF investe na integração dos sistemas de inteligência das mais de 100 unidades distribuídas pelo país, no treinamento constante de seus policiais, em programas de melhoria da qualidade da prova dos autos, em novas tecnologias, como o primeiro dos 14 Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) recentemente adquiridos e principalmente em parcerias externas e internas.

Recentemente assinamos acordo de cooperação com o Peru, evento ocorrido em Manaus, nos mesmos termos dos que já foram firmados este ano com o Paraguai e com a Bolívia. Dentre outras ações estão previstas operações ostensivas e de inteligência conjuntas, de erradicação de cultivos ilícitos, intercâmbio de informações e capacitação dos policiais estrangeiros pela Academia Nacional de Polícia, em Brasília/DF.

Infra-estrutura

No âmbito interno, unimos forças com a Receita Federal e com os Correios para combater o tráfico marítimo e postal. Para isso, as equipes contam com cães e modernos equipamentos de detecção, tal como o espectrômetro de massa. Também, temos presença ativa em 10 aeroportos internacionais brasileiros. Vale destacar que das 20 interceptações de aeronaves nacionais e estrangeiras realizadas em 2009, juntamente com a Força Aérea Brasileira, resultaram em 1,6 tonelada de cocaína e 7 aeronaves apreendidas que irão a leilão. O sucesso dessa parceria nos anima a propor projetos arrojados com a Marinha e o Exército Brasileiro em 2010.

Podemos fazer muito mais. Não achamos suficiente que a PF, nos últimos três anos, tenha indiciado mais de 14 mil pessoas, nacionais e estrangeiros, por envolvimento com o narcotráfico, muitas do quilate do colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía, vulgo Chupeta, então um dos narcotraficantes mais procurados no mundo. Também não achamos suficiente que em 2009 tenhamos alcançado a marca recorde de mais de 21 toneladas de cocaína e derivados apreendidos.

O Acre, por exemplo, com 1,5 tonelada, não somente mais que dobrou as apreensões registradas em 2008 como percentualmente foi a unidade da Federação que mais se destacou em 2009. Tal volume global da PF representa cerca de 25% das 80 ton que o UNODC estima que circulam pelo país, metade para consumo e a outra com destino aos Estados Unidos, África e países europeus.

A PF enxerga o combate às drogas como uma prioridade, da mesma forma que o combate à pólio, simbolizado pelo simpático Zé Gotinha, representou para as autoridades de saúde. Não encaramos como uma guerra fracassada, como repetem alguns, porque simplesmente não se elimina um crime que, por sua natureza, só pode ser controlado ou administrado, da mesma forma que a corrupção, a sonegação fiscal, a pedofilia, exploração da prostituição e os crimes ambientais.

Em que pese a tragédia do helicóptero e o luto das famílias dos nossos colegas mortos, o Rio de Janeiro, por meio da pacificação de seis comunidades antes dominadas pelo narcotráfico e da expansão para mais 48 locais do projeto denominado Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), confirma que o rumo da redução da oferta nos Estados não depende exclusivamente do trabalho nas fronteiras, tampouco de instituições como a Polícia Federal. Uma polícia profissional e protetora, acompanhada de projetos de saúde, educação, esporte, lazer, cultura, bem-estar social, geração de emprego e renda e infra-estrutura, fazem a diferença e dão resultado.

♦ Luiz Cravo Dórea, 42, é Coordenador-Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal.

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