Os assassinatos por ´encomenda´ afrontam a sociedade e continuam desafiando autoridades da Segurança Pública
Fernando Ribeiro - Do Diário do Nordeste
Um desafio para a Polícia em 2010, reduzir os crimes de morte e, entre eles, os de ´encomenda´. As pistolagens no Ceará vêm crescendo a cada ano no Estado, virando uma tarefa árdua para a Segurança Pública.
Em 2009, foram registrados 1.417 homicídios em Fortaleza e na sua Região Metropolitana, destes, pelo menos um terço, 472 casos, tiveram características de execução sumária, isto é, as vítimas foram eliminadas por matadores profissionais, que agiram sem dar chances de defesa, executando o ´serviço´ por ordem dos mandantes (autores intelectuais).
No último dia de 2009, mais um caso dessa ordem entrou para as estatísticas do ano. Aconteceu no Vale do Jaguaribe, região que se tornou famosa nas décadas de 70 e 80 como sendo uma espécie de território dos matadores de aluguel. A vítima do crime foi o ex-prefeito do Município de Pereiro (distante 330Km de Fortaleza), Antônio Mardônio Diógenes Osório, 66, agropecuarista e que mantinha a liderança política no lugar.
Mardônio Diógenes foi morto por dois pistoleiros quando se encontrava em sua propriedade rural, a Fazenda Campos, a menos de dez quilômetros da sede do Município. Os assassinos fugiram, de moto, em direção ao vizinho Estado do Rio Grande do Norte, depois de descarregarem suas armas no político.
O caso do ex-prefeito não foi uma ação isolada. No mesmo dia (31), outra pistolagem ocorreu no vale jaguaribano.
A vítima, o professor universitário Cristiano Max Chaves de Almeida. Ele foi assassinado da mesma forma que Mardônio Diógenes, isto é, surpreendido e eliminado sumariamente, a tiro, por um homem que fugiu em uma moto junto com seu comparsa. O fato aconteceu dentro de uma lanchonete em pleno Centro da cidade de Tabuleiro do Norte (a 209 quilômetros da Capital). O motivo do crime ainda é um mistério.
Uma semana antes, outra pistolagem havia sido registrada em Fortaleza, quando criminosos executaram, de forma sumária, um homem dono de extensa ficha criminal e tido como um dos ´cabeças´ de uma quadrilha especializada em clonagem de cartões.
Tratava-se do estelionatário Ozenaldo Rodrigues de Sales, o ´Louro´, natural da região de Novo Oriente. O ´cartãõzeiro´ acabou sendo fuzilado dentro de um posto de combustível situado na esquina da Avenida Pontes Vieira com a Rua José Vilar, no bairro Dionísio Torres.
Vingança
A morte de Ozenaldo está sendo apurada pela equipe do 4º DP (Pio XII). A linha de investigação aponta para uma vingança. A guerra silenciosa entre ´cartãozeiros´ já produziu vários assassinatos no Ceará, nos últimos anos.
´Louro´, que era dono de vários clubes de forró na região entre Crateús e Novo Oriente, era apontado como um dos acusados de ter mandado eliminar outro chefe de quadrilha, Luís Mário Alves Bezerra, em novembro de 2007, na localidade de Pasta, Município de Solonópole (a 277Km de Fortaleza).
Ozenaldo, assim como Luís Mário, antes de morrer, escapou de um atentado, mas não se livrou de seus perseguidores. Ao ser assassinado, ´Louro´ estava ao lado de sua caminhonete blindada, comprada recentemente. Junto com ele havia outros três homens. Dois deles fugiram. O terceiro, que era foragido da Justiça, acabou preso.
Outras duas pistolagens ocorridas recentemente, ambas em Fortaleza, permanecem sendo investigadas. A primeira aconteceu no dia 30 de setembro último, quando o empresário do ramo imobiliário, Francisco Cláudio Quezado Tavares, 45, foi morto na porta de uma lanchonete, na Rua Raul Uchoa, no Montese. Pelo menos, um suspeito já foi identificado e está sendo investigado. A motivação do crime também é misteriosa.
Mais recentemente, o dono de um posto de combustível foi eliminado por um matador profissional. O caso aconteceu na manhã do dia 7 de dezembro passado.
O empresário Luzimário Ferreira da Silva, 47, tombou sem vida ao ser atingido à queima-roupa por vários tiros. O criminoso utilizou uma pistola de calibre 0.40 (Ponto 40), de uso exclusivo das forças de segurança. A Polícia segue duas linhas de investigação, que apontam para desavença comercial e intrigas pessoais.
A feição urbana da pistolagem veio se somar a tantas outras atividades criminosas que dominam o Ceará e o País.
CONSTATAÇÃO
Prática criminosa veio do passado
A ação dos matadores de aluguel, como hoje é vista pelas autoridades policiais, na verdade se traduz numa nova roupagem dos pistoleiros de outrora, que agiam a serviço de chefes políticos ou grandes fazendeiros no Interior do Nordeste. Hoje, os criminosos agem de modo mais acintoso e com as técnicas que a modernização da sociedade lhes permite, como fugas rápidas, armas de grosso calibre e planejamento estratégicos para a executar o crime.
Em 2003, a professora universitária Peregrina Cavalcante, doutora em sociologia e pertencente ao Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC) publicou , em sua primeira edição, o livro intitulado "Como se fabrica um pistoleiro".
Na obra, Peregrina aborda o tema depois de viajar durante dois anos pelo Interior da Região Nordeste, realizando entrevistas e fazendo uma abrangente pesquisa em busca de compreender a pistolagem como um fenômeno social.
Motivação
Segundo a pesquisadora, os crimes de pistolagem - aquele em que alguém encomenda a morte de um inimigo e paga o executor - ocorrem motivados por diversas situações, tais como "disputas políticas e econômicas, questões de terra, vingança, traição, dívidas, desonras etc"
"Estão envolvidos na jura de morte vários sentimentos, práticas e atores - o pistoleiro, o mandante, o intermediário e a vítima. Esses atores formam o quarteto pelo qual a prática se exerce. O medo, a valentia, a coragem e a vingança são os sentimentos expressos nas suas ações. Também fazem parte das estratégias de proteção o uso de armas, as fontes de informação, a persuasão e a intimidação. Esses componentes funcionam como uma engrenagem que produz o fluxo das ações relativas à questão em pauta."
Das práticas criminosas antigas, em que os matadores eram pessoas ligadas a personalidades de tradição no Interior (políticos e grandes fazendeiros), a pistolagem se urbanizou.
Hoje, segundo a Polícia, grande parte dos crimes de morte registrados nas cidades é praticada por bandidos que atuam como um ´braço armado´ de outros criminosos maiores, como traficantes de drogas e de armas. Muitas vítimas são aquelas pessoas que compraram drogas e não honraram o compromisso de pagá-las.
TEMOR E IMPUNIDADE
Testemunhas preferem calar
Silêncio e medo. Estas são as reações mais comuns das pessoas que tiveram algum parente assassinado por pistoleiros. A dificuldade maior encontrada pela Polícia reside no fato de que a própria família do morto "prefere" não contribuir nas investigações, temendo uma nova investida dos criminosos. Assim, muitos assassinatos desse tipo cai na vala comum da impunidade e ali permanece por muitos anos até que surjam fatos novos que ensejem a reabertura dos inquéritos ou processos.
"O matador de aluguel é alguém que age com premeditação, frieza e, acima de tudo, busca não deixar rastros para a Polícia. Sabe muito bem do perigo que corre e tenta reduzi-los. A vítima sempre é apanhada indefesa, sem ao menos ter chance de esboçar uma defesa. Investigar uma pistolagem é algo intrigante. Por vezes, você chega ao suposto mandante, mas não alcança o executor", relata um experiente delegado ouvido pela Reportagem. Trabalhando atualmente na investigação de um desses casos, ele pediu que seu nome fosse preservado. "Em breve, poderemos ter novidades sobre este fato", prometeu o policial, se referindo a um dos recentes casos de pistolagem em Fortaleza.
Linhas
A investigação de uma pistolagem demanda tempo e exige paciência da Polícia. Em caso de vítimas com muitas inimizades, seja no campo político, comercial ou familiar, a Polícia precisa traçar uma linha inicial de apuração sem descartar nenhuma das ligações, até que, com o aprofundamento dos depoimentos, coleta de pistas adicionais e prisões, começa a afastar as hipóteses que não se confirmaram como motivadores do assassinato. A demora na solução do fato transmite para os familiares das vítimas a sensação de que o caso ficará impune.
Exemplo disso ocorreu na década de 80 no Ceará, quando uma série de assassinatos abalou a opinião pública.
Os crimes tiveram como palco inicial a região do Vale do Jaguaribe, mas acabaram se estendendo à Capital. Somente em 1988, quando, finalmente, a Polícia capturou o pistoleiro Idelfonso Maia Cunha, o ´Mainha´, os casos começaram a ser devidamente esclarecidos.
Entre os assassinatos, um caso que teve ampla repercussão no sociedade cearense, quando, de uma só vez, quatro pessoas foram executadas na BR-116, no Município de Alto Santo (a 243Km de Fortaleza). Depois de quase 20 anos sendo caçado pela Polícia, nas regiões Norte e Nordeste do país, ´Mainha´, finalmente, foi preso e confessou seus crimes.
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