segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A mente por trás de um crime


Manuela Andreoni, Jornal do Brasil


Desigualdade social, abandono e revolta. Em tempos de tentativa de correção do passado, o Jornal do Brasil procurou a especialista em crimes violentos e assassinos em série Ilana Casoy para refletir sobre o desenvolvimento da mente criminosa, e a relação que o processo pode ter dentro de um contexto de exclusão social.

Há dez anos membro consultivo da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB de São Paulo, Casoy acaba de atualizar seu livro Seria Killers - Made in Brasil, publicado em 2004, com novas entrevistas a Marcelo Costa de Andrade, o vampiro de Niterói. Menino de família pobre, nascido na favela da Rocinha, Andrade foi preso em 1991 após assassinar 14 meninos. Foi chamado de vampiro por beber o sangue de algumas vítimas.

Como foi lidar com o caso específico do vampiro de Niterói?

– O Marcelo deixa marcas nas pessoas que trabalham com ele... Você tem assassinos de vários tipos diferentes. O Marcelo é muito específico. Como ele foi muito entrevistado, ele acha que agrada contando as piores partes. Mas ninguém aguenta ouvir isso. A primeira vez que o entrevistei, vomitei, fiquei de cama. A segunda vez, demorei a chegar ao ponto, fiquei falando de outras coisas. Porque ele tem planos de que vai fazer plástica para ninguém reconhecê-lo, vai para a Disney, a Rússia... Mas acabei conseguindo.

E como foi essa última visita para a atualização do livro?

– Prometi a mim mesma que seria a última. No começo, quando ele foi internado, todo mundo sabia que ele era o vampiro de Niterói. Hoje, ele é mais um interno da instituição. Toda vez que ele é entrevistado, os internos começam a se perguntar o motivos. Não faz bem, porque ele fica se achando importante.

O quanto as dificuldades que ele teve quando criança contribuíram para transformá-lo em um assassino em série?

– O sofrimento dele foi mais de abandono. O casal se separou, foi morar com a avó, depois a mãe voltou, depois foi morar com o pai... Com 11 anos, ele estava na rua. Já vendia sexo, provavelmente foi abusado, pelo que ele conta, e aprendeu a ganhar dinheiro com isso. Isso tem uma relação com a capacidade de resiliência da pessoa, ou seja, de voltar a ser o que era. Várias pessoas sofrem a história do Marcelo. Isso não as transforma em assassinos em série. Não existe tratamento para ele.

Mas uma infância difícil ajuda a desencadear esse tipo de comportamento?

– Ela torna a estrutura da pessoa mais frágil. Se a pessoa tem menos capacidade de superar aquilo que acontece, precisa de ajuda. Isso depende de uma trinca de fatores – biológicos, sociais e psicológicos – que combinada de um jeito extremo pode levar a pessoa a se tornar violenta.

Em entrevista ao JB, o coronel Mário Sérgio Duarte, comandante geral da Polícia Militar do Rio, disse acreditar que o discurso da desigualdade social como justificativa para a criminalidade na cidade é muito naturalizado, mas que o criminoso tem que ter "gozo no crime" para praticá-lo. Você concorda com ele?

– Não sei se eu concordo. Para muito no mundo se procura uma causa só. Acho que não temos respostas ainda, o Estado vai ter que combinar medidas. No campo social, isso está sendo feito, pensado. Não só o Estado, mas grupos da sociedade civil têm o objetivo de integrar as favelas, que eu chamo de sociedade paralela, à sociedade em geral. Psicologicamente, existe muito a ser feito. Uma família bem estruturada tem muito menos chances de acontecer isso (de alguém se tornar criminoso), uma família que tem acesso a saúde etc.

Como podemos identificar o comportamento criminoso?

– Por exemplo, uma trinca muito comum de comportamento de um assassino em série: piromania, xixi na cama em idade avançada e maus tratos a animais. É lógico que quem faz isso não vai se transformar em assassino em série. Agora, se você tem um filho de 12 anos que faz essas coisas, concorda que tem que pedir ajuda?

E quando não se tem a quem pedir?

– Esse é o grande trabalho de prevenção da criminalidade. Cuidar e lutar pelas nossas crianças... É muito difícil ser uma criança pobre e ter sonhos que não são nunca alcançados.

Entender o motivo disso deve ser complicado...

– Ele entenderia melhor se tivesse uma escola em tempo integral, estivesse engajado em uma atividade esportiva, uma família bem estruturada. Mas eles ficam na rua a deus dará, sofrem fome, sonhos não realizados... Pode não dar em crime, mas quando se tornam pais e mães geram outra família que também não é bem estruturada. E a cada geração a criança vai ficando mais frágil.

Que tipo de trabalho poderia ser feito?

– Temos o problema da construção da identidade dessas crianças dentro das sociedades paralelas. No Rio isso fica sempre muito claro. A luta pelas crianças entre Estado e tráfico é longa, não vai acontecer a curto prazo. Mas, se você joga um menino na cadeia, ele já sai marcado para o resto da vida. O Hospital das Clínicas, aqui em São Paulo, têm um trabalho interessante com jovens infratores para reinserção.

E aqui no Rio, você algum exemplo de trabalho que possa gerar frutos?

– O trabalho do MV Bill, por exemplo, é muito bacana. Não só existe a desestigmatização, mas ele trouxe a sociedade paralela a conhecimento da sociedade ampla. Ele conta para a gente como se desenrola uma infância e uma juventude onde o Estado não está. Quando ele diz "meu jovem não é diferente do seu", ele tira o estigma.

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