segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Zona sul de São Paulo vive um ano sem chacina


Estadão - Marcelo Godoy e Bruno Paes Manso


Marcada pela violência, zona sul de São Paulo vive 1 ano sem chacina. Último caso foi registrado em setembro de 2008; registros de homicídios coletivos se espalham por outras regiões

O ano de 2009 acabou sem que a zona sul de São Paulo registrasse uma única chacina. A região que nas últimas duas décadas liderou as estatísticas de mortes na cidade foi a única onde não houve homicídios múltiplos. Até mesmo o centro contou um caso, ocorrido no Cambuci, em 14 de março, quando três pessoas foram assassinadas. No auge dos homicídios em São Paulo, no primeiro semestre de 2000, a zona sul concentrava 40% dos casos - 12 dos 28 crimes naquele período.

A última chacina na região deixou três vítimas no dia 24 de setembro de 2008, no Capão Redondo. O caso foi esclarecido pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que indiciou três policiais militares pelo crime, que teve como motivo o tráfico de drogas. Dos 12 casos ocorridos nos últimos anos e esclarecidos em 2009, metade foi motivada por tráfico e o resto, vingança.

Desde setembro de 2008, aconteceram 14 chacinas na cidade - 3 nos últimos dois meses de 2008 e 11 no ano passado. Os bandidos mataram três ou mais pessoas de uma vez só em nove bairros, como Perus (zona norte), Itaquera (zona leste) e Brasilândia (zona norte). O recorde foi no Jaçanã (zona norte), com quatro casos - 2 em 2008 e 2 em 2009. Em três, os autores foram PMs - dois foram presos. Enquanto isso, bairros da zona sul famosos pela violência, como o Parque Santo Antônio, Parelheiros, Pedreira ou Campo Limpo, passaram ilesos. Para o DHPP, a falta de chacinas na zona sul se insere no contexto de diminuição de até 70% nos homicídios ocorrida desde 1999 na cidade.

“Hoje, os casos se distribuem mais pela zonas leste, norte e oeste. A zona sul realmente quase não dá mais problema”, afirma o delegado Luiz Fernando Lopes Teixeira, da delegacia que investiga chacinas. Apesar da queda a partir dos anos 2000, os casos de homicídios múltiplos migraram dentro dos limites da cidade e serviram como termômetro da realidade criminal em diferentes bairros. Em 2007, o sinal de alerta acendeu na zona norte. Dos 11 casos registrados naquele ano, 8 ocorreram na região - 26 mortos. Pelo menos três tiveram participação de PMs.

A situação se agravou em janeiro de 2008, com o assassinato do coronel José Hermínio Rodrigues, que comandava o policiamento na região e investigava o envolvimento de policiais do 18º Batalhão da PM com grupos de extermínio e caça-níqueis. A arma que matou o coronel foi a mesma usada em três chacinas - uma causou a morte de seis pessoas no Jardim Eliza Maria, zona norte. Um soldado do 18º BPM foi indiciado, suspeito de matar 17 pessoas. “Conseguimos prender alguns dos envolvidos e hoje a situação voltou a se normalizar”, diz Teixeira.

Plano
Para policiais do DHPP, uma das causas da queda das chacinas foi o plano de combate a homicídios, que estabeleceu como prioridade a prisão de autores reincidentes de assassinatos. Idealizado em 2001, o plano dobrou o índice de esclarecimentos de 23% para 46% dos casos. São Paulo chegou a registrar 53 chacinas em 2000 (recorde).

Desde então, foi criada uma equipe específica para investigar o crime. O índice de esclarecimento desse tipo de crime em 2001 chegou a 93% dos casos e se manteve até 2005, quando o número de chacinas na cidade já havia caído para 15. A queda seguiu até 2008, quando foram registrados dez casos, um a menos do que em 2009.

O DHPP passou a investigar chacinas ocorridas em outras cidades da Grande São Paulo - 11 casos em 2008 e 9 em 2009. Na região metropolitana, três foram em Mauá, onde a participação de PMs foi detectada e dois acabaram indiciados. No total, 68 pessoas morreram nas chacinas do ano passado (70 em 2008) no Estado, 34 na capital.

Organização da polícia e do crime explica redução
Prisão de assassinos reincidentes, organização do comércio de entorpecentes e fortalecimento das comunidades são alguns dos motivos apresentados por moradores e autoridades para a redução das chacinas e dos assassinatos na zona sul.

O promotor Arual Martins, do 3º Tribunal do Júri da zona sul, lembra do trabalho de inteligência do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), iniciado em 2000, que levou à prisão de assassinos como Roberto José do Nascimento, o Chucky, e Luciano Capeta, que agiam no Jardim São Bento e eram suspeitos de ter matado dez pessoas cada. Se aumentou a eficiência da polícia, traficantes de drogas da região não deixaram por menos. Martins afirma que, na década de 1990, boa parte das chacinas acontecia por causa da guerra entre bocas. “Houve um loteamento do território e hoje os traficantes entraram em acordo. Além disso, os homicidas que matavam muito foram sendo presos ou morreram.”

O delegado Luiz Fernando Lopes Teixeira, da delegacia que investiga chacina, afirma que o alto índice de esclarecimento levou os assassinos a evitar a prática do crime. “Algumas pessoas dizem no meio da bandidagem que hoje as chacinas são evitadas porque aumentam o risco de prisão”, diz.

Morador do Jardim São Francisco desde os anos 1980, Manoel Ramos Carvalho, de 53 anos, aponta o fortalecimento das organizações sociais que atuam no bairro e o amadurecimento da relação das comunidades com o Estado como fator de redução. No ano 2000, Carvalho montou uma creche que hoje atende a 90 crianças. Participou das caminhadas pela paz, aproximou-se dos policiais e diz se sentir seguro. “Nos anos 1980, a situação era difícil e imprevisível. Nessa época, cheguei em casa uma vez e me surpreendi com um morto na garagem. A organização da comunidade ajudou a reverter esse quadro e hoje a situação está bem melhor”, diz.

Histórico
1996
Jardim Ângela é considerado o bairro mais violento do mundo pela ONU, com 116 assassinatos por 100 mil habitantes. Nesse ano, o Padre Jaime Crowe, da Igreja Santos Mártires, inicia a Caminhada pela Paz, manifestação que percorria o bairro em direção ao Cemitério São Luís para protestar contra a violência.

2000
Ano recorde de chacinas na capital. Das 53 registradas na cidade, 40% se concentraram na zona sul.

2001
Domingos de Paulo Neto, que antes de assumir a chefia do DHPP atuava na zona sul, inicia a reforma do departamento e cria uma equipe especializada em investigar chacinas

2003
Estatuto do Desarmamento torna o porte ilegal de armas crime inafiançável

2007
Quatro delegacias da zona sul lideram o ranking das que mais registraram chacinas entre o ano 2000 e maio de 2007. Juntas, tiveram 41 casos dos 224 registrados na capital

2008
Assassinato do coronel José Hermínio Rodrigues, comandante da PM na zona norte, chama a atenção para as chacinas nessa região da capital. Em 2007, 8 dos 11 casos registrados aconteceram na região. Zona sul deixa de ser problema

2009
Jardim Ângela tem redução de 73% nos assassinatos. O bairro registra 64 dias sem nenhuma morte. Nenhuma chacina é registrada na zona sul

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