De Aline Peres e Adriano Ribeiro na Gazeta do Povo
Janeiro foi o mês com o maior número de casos de assassinatos na grande Curitiba, pelo menos nos últimos dois anos, período em que a Gazeta do Povo realiza o acompanhamento dos homicídios ocorridos na capital e região (RMC). Até a noite de ontem, 197 crimes cometidos por arma de fogo, arma branca e por agressão haviam sido registrados pelo Instituto Médico-Legal de Curitiba. A média diária foi de 6,3 casos – bem acima da média dos anos de 2009, que foi 4,6, e 2008, 4 óbitos.
A chacina do bairro Barreirinha na última sexta-feira, a rebelião na Penitenciária Central do Estado (PCE) e a série de assassinatos em Campo Magro contribuíram para o quadro de violência. Em cada situação seis mortes foram registradas, totalizando 18 homicídios. Mas, mesmo que essas três situações não tivessem sido registradas, esse mês de janeiro continuaria sendo o mais violento do período analisado.
Desde 2008, quando a Gazeta do Povo, baseada em relatórios do Instituto Médico-Legal, passou a contabilizar os crimes fatais cometidos na capital e na RMC, os dois picos de homicídios haviam sido registrados nos meses de janeiro e novembro de 2009, com 170 óbitos. O aumento, portanto, foi de 15%.
Perfil
O número de crimes que tiveram mulheres e jovens com vítimas chamou atenção em janeiro. Os adolescentes e jovens com idade entre 12 e 25 anos foram vítimas em 70 situações, ou seja, 35% do total. A média do ano passado foi de 11 mortes mensais nesta faixa etária. Neste mês, duas crianças, de cinco e 11 anos, também foram mortas.
Além disso, 18 mulheres foram mortas no período, em Curitiba e região metropolitana, quantidade acima da média do ano passado, que foi de 11 mortes por mês. Esse total iguala-se somente ao mês de no-vembro do ano passado. Na grande maioria das vezes, os crimes foram cometidos com arma de fogo e a causa mais comum foi envolvimento com drogas.
O bairro com maior concentração de mortes continua sendo a Cidade Industrial de Curitiba (CIC). O maior bairro da capital registrou 13 mortes no período. No último ano, ocorreram em média oito crimes fatais por mês na região.
Ainda chamou atenção neste janeiro o aumento dos crimes cometidos com arma de fogo (revólveres e outros) e agressão. Os assassinatos praticados com arma de fogo totalizaram 152 casos (em novembro de 2009, mês com maior incidência de uso deste tipo de instrumento, haviam sido 145 situações) e por agressão física, 26 (superior as 20 mortes de janeiro do ano passado).
Falhas
Na opinião do advogado criminalista Dálio Zippin, membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, o quadro de violência é reflexo da falta de atuação da polícia nos locais em que realmente ela se faz necessária. Ele sabe que existe um sistema de geoprocessamento para orientar o policiamento na região, mas defende que a ferramenta não serve para ajudar na diminuição dos crimes, porque o policiamento não funciona nos locais mais vulneráveis. “Precisamos de um geoprocessamento honesto e transparente, de um policiamento inteligente e do incentivo a uma política de tolerância.” A tolerância a que se refere o jurista aplica-se a casos como a violência no futebol, que deixou vítimas no ano passado.
De acordo com o sociólogo Lindomar Bonetti, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a violência em Curitiba está relacionada a fatores econômicos. “O desenvolvimento da economia faz com que mais pessoas busquem as grandes cidades. No entanto, não se consegue absorver todo mundo. Novas populações surgem e outras acabam excluídas”, analisa. “São pessoas em condição de vulnerabilidade social, mais próximas de conflitos familiares e do envolvimento com as drogas, fatores ligados à violência urbana”, completa o especialista.
Exposição
A incidência de um número tão elevado de casos de assassinato em janeiro, pelo segundo ano consecutivo, também seria causada pela maior exposição da população nesse período. Segundo Zippin, por ser verão, as pessoas permanecem mais tempo nas ruas e têm uma vida noturna mais intensa.
Na opinião de Bonetti, janeiro ainda preserva um ambiente de festa e de excessos, em que grande parte da população está de férias e se movimenta mais. Com isso, as pessoas ficam mais vulneráveis a situações que propiciam violência.
Casos mais rumorosos
Dezoito mortos. Esse foi o saldo de uma chacina, uma rebelião e de uma sequência de assassinatos ocorridos no mês de janeiro na Grande Curitiba
Chacina
- Crime: Na noite da sexta-feira passada, uma chacina no bairro Barreirinha resultou na morte de seis pessoas. Segundo a polícia, o crime foi motivado por um desentendimento entre traficantes da região.
- Depoimento: A reportagem da Gazeta do Povo conversou com um dos dois sobreviventes. Carlos *, 30 anos, alega que as mortes ocorreram por vingança. Dias antes ele diz ter socorrido um adolescente que tinha tentado roubar um celular do suspeito de ter ordenado a chacina. Irritado, ele ameaçou Carlos e prometeu matá-lo. Segundo o sobrevivente, o suspeito é um traficante poderoso da região. O adolescente, de 17 anos, foi executado no mesmo dia da briga.
- Frieza: Na madrugada de sexta-feira, quanto oito pessoas estavam na casa de Carlos, localizada em um beco no Jardim Arroio, dois homens chegaram e executaram as vítimas. “Estávamos escutando rádio e fumando crack.” Valéria Neves da Luz, 20 anos e grávida de sete meses, foi uma das primeiras vítimas. Segundo Carlos, um dos homens perguntou se estava grávida de gêmeos. Com a resposta de que era um, friamente ele disse que então mataria dois e não três. Carlos e o amigo ficaram vivos porque fugiram. Cristiane Antunes Silva, 16 anos, era a única do grupo que não era usuária de drogas, conforme Carlos.
Rebelião
18 horas de medo. A rebelião dos detentos na Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara, também ganhou destaque no mês. O motim começou na noite do dia 14 e durou cerca de 18 horas. Durante a revolta três agentes penitenciários foram feitos reféns e cerca de 90% das celas do local foram destruídas. Seis presos foram mortos (três deles carbonizados) e sete ficaram feridos.
RMC
Os cinco crimes fatais cometidos dentro da PCE (a outra vítima morreu no hospital de Curitiba) colaboraram para que Piraquara fosse a cidade com o maior número de mortes violentas na RMC neste mês: 20. No entanto, mesmo sem contabilizar estes óbitos, o município registrou três vezes mais crimes fatais do que a média de cinco mortes mensais, apurada em 2009.
Crime em Série
Cidade assustada
A cidade de Campo Magro, uma das menores da RMC, ainda está assustada com a série de assassinatos ocorridos desde o início do ano. Moradores do município acreditam que os seis crimes têm ligação.
Extermínio
Um grupo de extermínio estaria com uma lista de pessoas marcadas para morrer. Algumas residências da cidade, onde moraria parte das pessoas marcadas para morrer, foram pichadas com a marca do grupo. A Polícia Civil está investigando os casos.
Dados oficiais são divulgados com atraso
Na ausência de regularidade na publicação dos dados oficiais sobre violência, que deveria ser feita pela Secretaria de Estado da Segurança Pública, a Gazeta do Povo utiliza desde 2008 os relatórios emitidos diariamente pelo Instituto Médico-Legal. Através dos documentos públicos é possível fazer o levantamento de como evoluem os crimes cometidos em Curitiba e região metropolitana.
Somente os crimes praticados com arma de fogo, arma branca (faca e outros) e por agressão são considerados. Nas listagens do IML não é especificado se os casos estão relacionados a homicídios dolosos (com intenção de matar), culposos (sem intenção) ou a latrocínios (roubos seguido de morte).
O compromisso da Sesp era divulgar as estatísticas relacionadas aos crimes em todo o estado a cada três meses. No entanto, são comuns os atrasos, que geralmente ficam em 40 dias. Os dados de 2009 ainda não foram encerrados oficialmente por falta dos resultados do último semestre do ano passado.
Por e-mail, a assessoria de imprensa da Sesp informa que os números oficiais da criminalidade não foram informados porque estão sendo auditados pelo sistema de geoprocessamento. “A ferramenta é usada prioritariamente para traçar estratégias pontuais e eficientes de combate ao crime e, por isso, a compilação e análise corretas de todos os dados se tornam mais importantes do que a determinação de um período para sua divulgação”, diz o texto.
As comparações entre os dois métodos (da Sesp e o baseado nos boletins do IML) não se mostram tão distantes. Em março do ano passado, quando as estatísticas do Mapa do Crime foram divulgadas, em relação ao ano de 2008 a Grande Curitiba registrava média de 3,4 homicídios dolosos por dia. Já os relatórios do IML apontavam para uma média de quatro mortes violentas por dia com uso de arma de fogo, arma branca e por agressão.
No entanto, a Secretaria de Estado da Segurança Pública não reconhece as informações dos boletins do IML como dados estatísticos. Na resposta, enviada por e-mail, a assessoria considera que usar os dados do instituto é um erro.
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