quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Fluxo do Sistema de Justiça Juvenil de BH mostra fragilidades no processo de atendimento a jovens e adolescentes

Por Cecília Olliveira

Muita coisa a se fazer. É a sensação que temos quando analisamos a dissertação de mestrado do assistente social judicial Gustavo Melo, intitulada “Ato Infracional: fluxo do Sistema de Justiça Juvenil em Belo Horizonte”. Com o objetivo de pesquisar o processo de construção social dos atos infracionais na Justiça Juvenil, investigar o fluxo de tomada de decisões nesse sistema e alguns aspectos da execução de medidas sócio-educativas, Gustavo analisou os trâmites do processo desde a abordagem policial até a sentença final.

“Belo Horizonte está à frente de outras cidades, outros estados, mas ainda há muitas falhas”, explica Melo. Dentre as deficiências apontadas pela pesquisa, estão a falta de unidades de tratamento específicas para dependentes químicos e portadores de sofrimento mental. “Não há sequer uma destas unidades em BH”, diz. Mas o que chama a atenção é um problema, outrora detectado no Projeto de Pesquisa realizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), a pedido da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL), “Responsabilidade e Garantias ao adolescente autor de ato infracional”, acerca do pré-julgamento baseado na leitura social do infrator, do tipo social construído. “Os dados que colhi indicam que, principalmente em relação à polícia, existe uma interferência de julgamento com base em estereótipos. Adolescentes negros e pobres são tratados diferentemente dos brancos de classe média”, afirma o pesquisador.

A pesquisa demonstra como os agentes – polícia militar, polícia civil, promotores de justiça e juízes – envolvidos no processo de tomada de decisão na Justiça Juvenil, empregam formas de tipificação e classificação que organizam a acusação de desvio. De acordo com o trabalho, isto ficou particularmente evidenciado nas observações feitas pelo pesquisador na delegacia, quando as provas (ou indícios de provas exigidos para a instauração do flagrante) foram elaboradas. O estudo afirma que “foi evidenciada a distinção também na construção dos ‘tipos sociais’ identificados e não identificados como ‘propensos’ ao cometimento de novos atos infracionais que receberam tratamento diferenciado tanto na delegacia quanto nas audiências”.

Frases como “toma cuidado com quem anda” e “se voltar aqui vai ser preso” são apontadas na pesquisa como muito comuns nas falas dos juízes e promotores, demonstrando “o caráter de educação moral presente na justiça juvenil”. Observando os atores jurídicos atuando nas audiências, Gustavo Melo diz ter ouvido mais de uma vez frases do tipo “você não é menino para ficar sob a tutela do Estado, isso aqui não é lugar para você!”, reiterando o pré-conceito.

Ainda de acordo com a pesquisa, faltam técnicos e defensores públicos no sistema de justiça juvenil da capital mineira. “Atualmente Belo Horizonte tem 4 defensores, 7 promotores e 5 juizes. Para fazer a acusação, só os promotores são 7, praticamente o dobro”, analisa Gustavo.

Dentre as conclusões do trabalho, uma notícia boa. “Os dados indicam que a internação não é maioria. Há, por exemplo, o programa Liberdade Assistida, que apesar da insuficiência de técnicos, é considerada uma boa medida, com bons resultados”, finaliza Melo.
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