quarta-feira, 6 de julho de 2011

Pesquisa da SDH revela que n° de adolescentes em conflito com a lei tende a estabilizar. Preconceito fortalece estigma

Por Raika Julie Moisés - Pro Notícias & Análises

Levantamento feito pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) em 2010, revela que o número de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas – com restrição de liberdade (internação, internação provisória e semiliberdade) – cresceu 4,5% em comparação com 2009.

Segundo o órgão, o percentual interrompe uma redução que vinha ocorrendo desde 2007. No ano passado, de um total de 58.764 de adolescentes, 18.107 cumpriam medida com restrição de liberdade e 40.657 em meio aberto. Um dos motivos que justifica esta mudança nos índices é o incremento da internação provisória, em especial no estado de São Paulo, que concentra aproximadamente 1/3 do total de internos no país.

De acordo com a SDH, comparando os dados atuais com os anos anteriores, pode-se dizer que há uma tendência a estabilização no crescimento destes números. Se de 1996 a 2004 o crescimento na taxa de internação foi de 218%, de 2004 a 2010, este aumento foi de 31%. “Os dados mostram que as diretrizes apontadas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) tem apresentado resultados positivos. O governo federal investiu na criação de mais de duas mil vagas em unidades de internação, com adequados parâmetros arquitetônicos, e na ampliação dos programas de meio aberto, bem como vários governos tiveram iniciativas importantes de regionalização, com a desconcentração do atendimento nas capitais”, afirma Carmen Oliveira, secretária nacional de promoção dos direitos da criança e do adolescente da Secretaria dos Direitos Humanos.

Perfil dos adolescentes em conflito com a lei

Em média, para cada dez mil adolescentes, entre 12 e 17 anos, há 8,8 cumprindo medida de privação e restrição de liberdade, o que representa 0,09% deste universo. “Em geral a maioria dos adolescentes internos é composta por negros, grande parte tem descendência nordestina e são de origem pobre. O número de adolescentes brancos tem aumentado, mas ainda é muito inferior aos demais. Além disso, a baixa escolaridade é quase unânime. São poucos os que freqüentam a escola e há aqueles que sequer têm o registro de haver estudado em algum momento da vida”, afirma o ex-diretor do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Rio de Janeiro e assessor na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa-RJ, Sidney Teles.

Ele explica que grande parte dos adolescentes apreendidos são encaminhados para internação sob acusação de envolvimento com o tráfico de drogas, o que nem sempre se confirma. “O estigma do envolvimento com o tráfico fica ainda mais forte se este adolescente for morador de favela. Porém, ao realizar o acompanhamento do mesmo, é possível perceber que ele não tem condições reais de exercer a função que o criminalizou. Não ignoramos os que têm um envolvimento real com o mundo do crime, porém, em alguns casos o que deveria ser tratado como um problema de saúde pública, que é a dependência química, se torna um problema judicial, tendo como pano de fundo o preconceito e a constante criminalização da pobreza”.

Uma psicóloga, que pediu para não ser identificada, e que trabalha no atendimento direto a adolescentes internos afirma que muitos acusados de envolvimento com o tráfico chegam em processo auto-destrutivo. “O avanço no consumo de drogas, principalmente o crack, deixa muito claro a não-capacidade que este adolescente tem de exercer demandas e funções sociais, ao menos naquele momento. É visível que o que deveria ser oferecido é uma medida protetiva e não punitiva, priorizando o acompanhamento médico, social e familiar dos mesmos”, completa.

Teles destaca ainda que o fortalecimento do estigma do adolescente em conflito com a lei é usado para estimular outras ações não menos preconceituosas. “Quando é noticiado que um adolescente de classe média foi apreendido com drogas, ele nunca é chamado de menor e raramente é acusado de traficante. Porém, quando o mesmo fato acontece com um adolescente morador de favelas e/ou periferias o tratamento é diferenciado e ele, desde sempre, é tratado como culpado. Automaticamente, se reabre a discussão em torno da redução da maioridade penal e destaca-se a quantidade de crimes cometidos por crianças e adolescentes. É lamentável a perpetuação de ações como esta”.

Médias nacionais e a importância dos grupos de discussão sobre o tema

A maior proporção de internos em relação à população adolescente é no Distrito Federal, com 29,6 adolescentes para cada 10 mil, seguido pelo estado do Acre (19,7), São Paulo (17,8) Pernambuco (14,8) e Espírito Santo (13,4). A menor proporção foi encontrada no estado do Maranhão (1,2), Amapá (1,5) e Piauí (1,6).

A proporção entre adolescentes em cumprimento de medidas em meio aberto e fechado (internação, internação provisória e semiliberdade) se apresenta na média brasileira de um interno para cada dois em meio aberto. As maiores proporções foram encontradas nos estados de Roraima (1/15), Goiás (1/12), Santa Catarina (1/6), Paraná e Mato Grosso do Sul (1/5). A menor proporção (1/1) foi encontrada nos estados do Acre, Amapá, Rondônia, Tocantins, Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Rio de Janeiro e São Paulo.

O fortalecimento de grupos de trabalho, fóruns e redes, tais como o Fórum Nacional de Justiça Juvenil (Fonajuv), o Fórum Nacional dos Gestores Estaduais do Sistema de Atendimento Socioeducativo (Fonacriad) e a Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei (Renade) têm se mostrado eficientes para o alinhamento de práticas garantidoras de direitos, com maior efetividade no atendimento socioeducativo. “Este levantamento será apresentado a todos estes fóruns seguido de discussões sobre o papel de cada instituição frente a estes resultados e pactuação sobre mudanças a serem empreendidas na direção da qualificação do atendimento junto aos adolescentes”, finaliza a coordenadora do Sinase, Thelma Oliveira.

Acesse aqui o estudo completo do levantamento da Secretaria de Direitos Humanos.

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