terça-feira, 1 de novembro de 2011

Política de Drogas do Brasil


Moysés Neto, pesquisador transdisciplinar da violência, responde algumas questões sobre a Política de Drogas em vigor no Brasil. Neto é também doutorando em Filosofia (PUCRS), mestre em Ciências Criminais (PUCRS) e Professor de Criminologia e Direito Penal da ULBRA.


1) Segundo o seu ponto de vista, qual é a principal característica da política criminal de drogas no Brasil? É possível ver alguma evolução em relação às anteriores políticas criminais?

Principal característica é seguir a linha adotada pelos EUA desde o final da década de 70 com a War on Drugs, isto é, dar um tratamento bélico a uma questão que envolve apenas diferença cultural e política de saúde pública. Portanto, não vejo qualquer espécie de evolução, mas um massacre pleno e permanente da população pobre dos contextos urbanos que faz as drogas circularem no comércio ilegal. Sob esse ponto de vista, a política de drogas cumpre o papel de “racionalização” (no sentido freudiano) de um extermínio contínuo dos pobres dissidentes e indisciplinados mediante a atuação da polícia e no marco do estado de exceção. O filme Tropa de Elite, em particular e apesar de tudo que afirma seu diretor e outros importantes intelectuais, contribuiu para o que Walter Benjamin chamava de “estetização da guerra”, mecanismo fundamental do fascismo, legitimando as operações do BOPE e possibilitando que o senso comum convivesse pacificamente com esse genocídio em ato (como dizia há muitos anos já Eugenio Raúl Zaffaroni). Além disso, o hiperencarceramento vem diretamente da política de drogas, provocando a espiral viciosa de violência que a Criminologia identificou há mais de 30 anos.

2) Você entende que as drogas deveriam ser descriminalizadas? Seria viável a adoção dessa política-criminal no Brasil?

Sim, creio que esse é dos principais debates político-criminais que precisamos fazer. A mídia posicionou um tabu conservador e puritano que impede a discussão racional do tema, as instituições públicas não raro proíbem autoritariamente o debate (o exemplo da Marcha da Maconha é emblemático nesse sentido) e não raro os profissionais da saúde confundem os casos específicos que caem na clínica com a generalidade dos usuários, sem se dar conta que o tema atravessa uma complexidade em termos de políticas públicas que transcende a questão do vício e envolve um custo muito superior à suposta eficácia preventiva da proibição. A pergunta “o Brasil está preparado…?” é falaciosa porque pressupõe que isso envolveria a ruptura com algo que está funcionando, quando na realidade o resultado da atual política é um fracasso vertiginoso sob todos os aspectos: aumenta o consumo, desritualiza o uso, glamouriza e estigmatiza o drogado, dificulta a informação e o estudo do fenômeno, além obviamente do resultado catastrófico que mencionei como resposta à primeira questão, que é o extermínio contínuo de várias gerações de jovens pobres. Refiro-me a crianças e adolescentes de 11, 12 até 25 anos que são diariamente encarcerados ou assassinados em decorrência direta ou indireta da opção pelo proibicionismo. Sob esse ponto de vista, poderíamos ponderar se a questão principal na saúde pública deve ser a abstinência das drogas ou a adoção de outra política que evite o número insuportável de homicídios que o Brasil carrega.

3) Qual a sua posição em relação a internação compulsória de usuários?

Como não sou estudioso específico do tema, não me sinto apto a opinar. Porém vejo com alguma preocupação o fato de que não está claro para muitos profissionais da saúde que nem todo uso da droga é problemático ou, em outras palavras, que nem todo usuário é viciado. Essa distinção é fundamental, pois envolve a compreensão da diferença cultural e a desnaturalização desse ethos de desempenho típico da nossa sociedade de consumo que o usuário de drogas não necessariamente precisa compartilhar. Sem uma compreensão adequada dessa distinção, o aparelho médico tende a provocar inúmeras internações violentas e “tratamentos” que na realidade são respostas contra outras formas-de-vida.

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