Um cadete do 2º ano da Academia de Polícia Militar de Gerais (PMMG) foi assassinado durante uma tentativa de assalto, durante a madrugada desta quinta-feira (7), no bairro Vitória, região Nordeste de Belo Horizonte. Jean Anderson de Souza Silva, 29, foi baleado na altura do coração, na cabeça e em um dos braços. Ele chegou a ser socorrido para o Hospital Risoleta Tolentino Neves, mas não resistiu aos ferimentos. De acordo com as informações do Boletim de Ocorrência (B.O.), uma moto, com dois ocupantes parou próximo ao Palio cinza do militar em formação, que reagiu ao roubo. O policial conseguiu acertar dois tiros em um dos suspeitos - no coração e no antebraço direito -, que morreu no local. (Informações do Jornal O Tempo)
Recebi há pouco um áudio de um programa de Rádio de Minas Gerais, chamado "Liberdade Sempre Alerta - Com a Turma do Pascoal". O slogan do programa é: Notícias sem Stress.
E a troca de tiros entre assaltante e o cadete foi dada com as seguintes frases em tom jocoso:
- Aí, seu cana dura! Fica esperto que a máquina de fazer defunto tá prontinha pra te rechear o esqueleto!"
- Mas o Jean conseguiu forças pra reagir e meteu a munheca no berro de com força!
- Um dos vagarebas levou um rebite certeiro na lataria e já caiu mais morto!
- Minhas vistas estão escurecendo... eu estou cantando pra subir... por prego na asa... morri...
- Pois é! Esse vagareba foi pro saco, já pegou o passaporte pro inferno, mas o Cadete foi socorrido ainda com vida
- Ai, não vou aguentar...
- O Xibungo que tomou uma azeitona na empada não foi identificado.
Você pode ouvi-lo aqui:
Esse programa é nauseante. Um híbrido entre humor pobre e programas policialescos "à la Datena". Sem contar que seu slogan "Notícias sem Stress" é uma afronta barata ao fazer jornalístico. É, em suma, um desserviço completo, uma vez que não informa e não faz humor. Faz chacota.
No entanto, este programa ganhou mais repercussão. Imediatamente policiais começaram a pressionar via redes sociais, telefones e whatsapp da Rádio. Na noite do mesmo dia (o programa é as 17h) o humorista foi convidado a se retratar e rendeu inclusive uma nota da PMMG.
Aqui parte da nota:
A pronta resposta da PMMG rendeu um pedido de desculpas quase que imediato do humorista Pascoal, que fez um mea culpa:A Policia Militar de Minas Gerais, conta com mais de duzentos e quarenta anos de existência, sendo uma Instituição séria e garantidora da Ordem Pública no Estado de Minas Gerais, vem nesta oportunidade emitir a presente nota de repudio em face a infeliz manifestação durante o programa do Pascoal, veiculado nesta data, na Rádio Liberdade, onde, de forma irresponsável, o profissional de imprensa retratou de forma jocosa um fato sério e lastimável.
Como garantidora da Ordem Pública do Estado, é inadmissível e vexatório que um locutor/apresentador de um programa de rádio denigra a imagem da nossa Gloriosa Polícia Militar, sem dispensar qualquer respeito à morte de um dos nossos integrantes, diante de uma ação policial, e viole inclusive a dor pela qual passa a família enlutada do Cadete Jeanderson e toda a PMMG.
- "Quero pedir desculpas a todos pelo péssimo momento que estamos passando. Eu estou passando pelo pior momento nestes dois anos e tanto aqui na rádio. Não esperava que isso tivesse sentido pejorativo e tivesse tanta repercussão"
Ouça a íntegra aqui:
Os programas policiais em geral são nocivos. Não informam corretamente, são imparcias, tripudiam em cima da vítima (seja ela qual for, como podemos ver), cometem vilipendio de cadáver de forma cotidiana.
Este caso específico nos mostra o quanto este tipo de humor "disfarçado" de jornalismo pode ser nocivo. Alguém consegue apontar algum tipo de benefício desse tipo de abordagem?
Os ouvintes reclamaram, como pode se ver ao lado. A Rádio divulgou uma nota pedindo desculpas pelo ocorrido:
"A Liberdade FM vem nesta oportunidade lamentar o fato ocorrido durante apresentação do Programa “Sempre Alerta” onde a morte do cadete Jeanderson, da Polícia Militar, foi tratada de forma inadequada. Não é orientação da emissora que assuntos tão sérios e difíceis para a sociedade e para as famílias envolvidas sejam tratados de tal forma e maneira como foi feito. O programa, por ser ao vivo, acaba fugindo do controle da direção. Aproveitamos a oportunidade para nos desculpar oficialmente e, estender os votos de pesar aos familiares e amigos do cadete assassinado. Informamos, ainda, que o programa, e o comunicador responsável, serão suspensos temporariamente, e que o quadro "Patrulhinha" será extinto, e que garantiremos a qualidade das matérias divulgadas, a fim de evitar futuros mal entendidos. Ontem, inclusive, ao tomarmos conhecimento do fato, trouxemos o comunicador na parte noturna para se retratar e, ainda, colhemos a opinião de um militar, a fim de que o mesmo expressasse seus sentimentos. Hoje, desde as primeiras horas, tentamos entrar e contato com representantes da Aspra (Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais) e da PMMG (Polícia Militar de Minas Gerais) para se manifestar. Mais uma vez, pedimos publicamente desculpas pela matéria infeliz divulgada em nosso veículo de comunicação, e, reafirmamos que somos uma empresa séria, que preza pelo respeito à toda sociedade e, principalmente, aos nossos ouvintes. Ass: Rádio Liberdade FM"
Não podemos ainda, esquecer do tipo de responsabilidade que tem o Humor, em seu cerne:
Leia mais sobre isso aqui: O riso dos outros: o humor tem limites?
Programas Jornalísticos e a diferença entre Justiça e VingançaOs preconceitos arraigados na sociedade fornecem material abundante para os piadistas. O humor é cruel, caricatural. Expõe defeitos, limitações e faz rir; mas insulta! O humor insultante, preconceituoso parece o mais fácil, o que menos criatividade exige. Basta reproduzir o conservadorismo da maioria em forma de piada! Por isso, é o humor em seu nível mais baixo. Da mesma forma que encontra platéias numerosas que riem das mesmas piadas de sempre, também encontra defensores. Argumenta-se que este tipo de humor simplesmente colhe o pensamento existente e o reproduz de uma forma “engraçada” (...) É bem mais difícil elaborar o humor que seja instigante. Exige criatividade, trabalho e superação dos lugares e senso comum. Será que não é possível fazer humor sem humilhar o outro? O humor também pode contribuir no sentido de levar à reflexão sobre os preconceitos e mostrar o ridículo da postura preconceituosa.
Leia mais sobre isso aqui: O riso dos outros: o humor tem limites?
Geralmente os jornalistas (ou pseudo), que fazem este tipo de programa ignoram todos os trâmites de justiça, declaram pessoas culpadas antes do julgamento, ignoram o direito dos envolvidos de não ter sua imagem veiculada sem prévia autorização. Quebram qualquer protocolo, às vezes, com a ajuda de policiais, que expõe acusados para as câmeras. Dependendo do Estado, isso é mais que um protocolo. É crime.
Aqui entramos uma contradição, onde grassa a hipocrisia. A PM MG tem total razão em repudiar a forma como foi retratada a morte do Cadete. Isso é indiscutível. Mas conversando com um militar da instituição que preferiu não se identificar, concordamos num ponto. Ele disse "Há um quê de hipocrisia nessa reação. Nada se falava enquanto as piadas atingiram somente os bandidos. Agora que a coisa atingiu a PM a coisa ficou séria".
Ele disse ainda que "a manifestação de repúdio e toda indignação são justíssimos. Porém é importante que se aproveite o momento para nós colocarmos no lugar de mães, parentes e amigos que, em número infinitamente menor, e sem retaguarda de uma instituição, não tem o menor poder de exigir reparações idênticas. Deixar de fazer essa reflexão deixaria toda essa manifestação com um quê de hipocrisia. Quisera que toda vez que a mídia tratasse tragédias com banalidade houvesse manifestações análogas."
É isso. Quando nós, sociedade, apoiamos as chacotas feitas antes com outras pessoas, abrimos esse tipo de precedente. O radialista sempre fez estes tipos de piada. Achou que podia fazer com todo mundo. Mas essa parte do "todo mundo" que ele resolveu tripudiar agora tem voz ativa e organizada. E aí a reposta veio certeira e irredutível. Como realmente tinha que vir.
É isso. Quando nós, sociedade, apoiamos as chacotas feitas antes com outras pessoas, abrimos esse tipo de precedente. O radialista sempre fez estes tipos de piada. Achou que podia fazer com todo mundo. Mas essa parte do "todo mundo" que ele resolveu tripudiar agora tem voz ativa e organizada. E aí a reposta veio certeira e irredutível. Como realmente tinha que vir.
O que nós, sociedade, temos que entender é que se violarmos direitos de uns, haverá quem coloque o direito de todos na berlinda. A garantia de direitos não pode ser negociada ou negligenciada.