sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Programas Policiais e a sistemática violação de direitos

Por Cecília Oliveira

Um cadete do 2º ano da Academia de Polícia Militar de Gerais (PMMG) foi assassinado durante uma tentativa de assalto, durante a madrugada desta quinta-feira (7), no bairro Vitória, região Nordeste de Belo Horizonte. Jean Anderson de Souza Silva, 29, foi baleado na altura do coração, na cabeça e em um dos braços. Ele chegou a ser socorrido para o Hospital Risoleta Tolentino Neves, mas não resistiu aos ferimentos. De acordo com as informações do Boletim de Ocorrência (B.O.), uma moto, com dois ocupantes parou próximo ao Palio cinza do militar em formação, que reagiu ao roubo. O policial conseguiu acertar dois tiros em um dos suspeitos - no coração e no antebraço direito -, que morreu no local. (Informações do Jornal O Tempo)

Recebi há pouco um áudio de um programa de Rádio de Minas Gerais, chamado "Liberdade Sempre Alerta - Com a Turma do Pascoal". O slogan do programa é: Notícias sem Stress. 

E a troca de tiros entre assaltante e o cadete foi dada com as seguintes frases em tom jocoso: 

- Aí, seu cana dura! Fica esperto que a máquina de fazer defunto tá prontinha pra te rechear o esqueleto!" 

- Mas o Jean conseguiu forças pra reagir e meteu a munheca no berro de com força!

- Um dos vagarebas levou um rebite certeiro na lataria e já caiu mais morto!

- Minhas vistas estão escurecendo... eu estou cantando pra subir... por prego na asa... morri...

- Pois é! Esse vagareba foi pro saco, já pegou o passaporte pro inferno, mas o Cadete foi socorrido ainda com vida

- Ai, não vou aguentar...

- O Xibungo que tomou uma azeitona na empada não foi identificado.

Você pode ouvi-lo aqui:




Esse programa é nauseante. Um híbrido entre humor pobre e programas policialescos "à la Datena". Sem contar que seu slogan "Notícias sem Stress" é uma afronta barata ao fazer jornalístico. É, em suma, um desserviço completo, uma vez que não informa e não faz humor. Faz chacota.

No entanto, este programa ganhou mais repercussão. Imediatamente policiais começaram a pressionar via redes sociais, telefones e whatsapp da Rádio. Na noite do mesmo dia (o programa é as 17h) o humorista foi convidado a se retratar  e rendeu inclusive uma nota da PMMG. 

Aqui parte da nota:
A pronta resposta da PMMG rendeu um pedido de desculpas quase que imediato do humorista Pascoal, que fez um mea culpa:
A Policia Militar de Minas Gerais, conta com mais de duzentos e quarenta anos de existência, sendo uma Instituição séria e garantidora da Ordem Pública no Estado de Minas Gerais, vem nesta oportunidade emitir a presente nota de repudio em face a infeliz manifestação durante o programa do Pascoal, veiculado nesta data, na Rádio Liberdade, onde, de forma irresponsável, o profissional de imprensa retratou de forma jocosa um fato sério e lastimável.



Como garantidora da Ordem Pública do Estado, é inadmissível e vexatório que um locutor/apresentador de um programa de rádio denigra a imagem da nossa Gloriosa Polícia Militar, sem dispensar qualquer respeito à morte de um dos nossos integrantes, diante de uma ação policial, e viole inclusive a dor pela qual passa a família enlutada do Cadete Jeanderson e toda a PMMG.
- "Quero pedir desculpas a todos pelo péssimo momento que estamos passando. Eu estou passando pelo pior momento nestes dois anos e tanto aqui na rádio. Não esperava que isso tivesse sentido pejorativo e tivesse tanta repercussão"

Ouça a íntegra aqui:



Os programas policiais em geral são nocivos. Não informam corretamente, são imparcias, tripudiam em cima da vítima (seja ela qual for, como podemos ver), cometem vilipendio de cadáver de forma cotidiana.

Este caso específico nos mostra o quanto este tipo de humor "disfarçado" de jornalismo pode ser nocivo. Alguém consegue apontar algum tipo de benefício desse tipo de abordagem?

Os ouvintes reclamaram, como pode se ver ao lado. A Rádio divulgou uma nota pedindo desculpas pelo ocorrido:


"A Liberdade FM vem nesta oportunidade lamentar o fato ocorrido durante apresentação do Programa “Sempre Alerta” onde a morte do cadete Jeanderson, da Polícia Militar, foi tratada de forma inadequada. Não é orientação da emissora que assuntos tão sérios e difíceis para a sociedade e para as famílias envolvidas sejam tratados de tal forma e maneira como foi feito. O programa, por ser ao vivo, acaba fugindo do controle da direção. Aproveitamos a oportunidade para nos desculpar oficialmente e, estender os votos de pesar aos familiares e amigos do cadete assassinado. Informamos, ainda, que o programa, e o comunicador responsável, serão suspensos temporariamente, e que o quadro "Patrulhinha" será extinto, e que garantiremos a qualidade das matérias divulgadas, a fim de evitar futuros mal entendidos. Ontem, inclusive, ao tomarmos conhecimento do fato, trouxemos o comunicador na parte noturna para se retratar e, ainda, colhemos a opinião de um militar, a fim de que o mesmo expressasse seus sentimentos. Hoje, desde as primeiras horas, tentamos entrar e contato com representantes da Aspra (Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais) e da PMMG (Polícia Militar de Minas Gerais) para se manifestar. Mais uma vez, pedimos publicamente desculpas pela matéria infeliz divulgada em nosso veículo de comunicação, e, reafirmamos que somos uma empresa séria, que preza pelo respeito à toda sociedade e, principalmente, aos nossos ouvintes. Ass: Rádio Liberdade FM"
Não podemos ainda, esquecer do tipo de responsabilidade que tem o Humor, em seu cerne:

Os preconceitos arraigados na sociedade fornecem material abundante para os piadistas. O humor é cruel, caricatural. Expõe defeitos, limitações e faz rir; mas insulta! O humor insultante, preconceituoso parece o mais fácil, o que menos criatividade exige. Basta reproduzir o conservadorismo da maioria em forma de piada! Por isso, é o humor em seu nível mais baixo. Da mesma forma que encontra platéias numerosas que riem das mesmas piadas de sempre, também encontra defensores. Argumenta-se que este tipo de humor simplesmente colhe o pensamento existente e o reproduz de uma forma “engraçada” (...) É bem mais difícil elaborar o humor que seja instigante. Exige criatividade, trabalho e superação dos lugares e senso comum. Será que não é possível fazer humor sem humilhar o outro? O humor também pode contribuir no sentido de levar à reflexão sobre os preconceitos e mostrar o ridículo da postura preconceituosa.

Leia mais sobre isso aqui: O riso dos outros: o humor tem limites?
Programas Jornalísticos e a diferença entre Justiça e Vingança


Geralmente os jornalistas (ou pseudo), que fazem este tipo de programa ignoram todos os trâmites de justiça, declaram pessoas culpadas antes do julgamento, ignoram o direito dos envolvidos de não ter sua imagem veiculada sem prévia autorização. Quebram qualquer protocolo, às vezes, com a ajuda de policiais, que expõe acusados para as câmeras. Dependendo do Estado, isso é mais que um protocolo. É crime.

Trâmite da Justiça até transitado em julgado

Aqui entramos uma contradição, onde grassa a hipocrisia. A PM MG tem total razão em repudiar a forma como foi retratada a morte do Cadete. Isso é indiscutível. Mas conversando com um militar da instituição que preferiu não se identificar, concordamos num ponto. Ele disse "Há um quê de hipocrisia nessa reação. Nada se falava enquanto as piadas atingiram somente os bandidos. Agora que a coisa atingiu a PM a coisa ficou séria".

Ele disse ainda que "a manifestação de repúdio e toda indignação são justíssimos. Porém é importante que se aproveite o momento para nós colocarmos no lugar de mães, parentes e amigos que, em número infinitamente menor, e sem retaguarda de uma instituição, não tem o menor poder de exigir reparações idênticas. Deixar de fazer essa reflexão deixaria toda essa manifestação com um quê de hipocrisia. Quisera que toda vez que a mídia tratasse tragédias com banalidade houvesse manifestações análogas."

É isso. Quando nós, sociedade, apoiamos as chacotas feitas antes com outras pessoas, abrimos esse tipo de precedente. O radialista sempre fez estes tipos de piada. Achou que podia fazer com todo mundo. Mas essa parte do "todo mundo" que ele resolveu tripudiar agora tem voz ativa e organizada. E aí a reposta veio certeira e irredutível. Como realmente tinha que vir.

O que nós, sociedade, temos que entender é que se violarmos direitos de uns, haverá quem coloque o direito de todos na berlinda. A garantia de direitos não pode ser negociada ou negligenciada.



sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A chacina na Grande São Paulo e o que não aprendemos com os crimes de Maio de 2006

Por Cecília Olliveira

Uma série de ataques a noite de 13 para 14 de agosto de 2015 deixou um saldo - oficial - de 19 mortos e sete pessoas feridas nas cidades de Osasco, Barueri e Itapevi, em um intervalo de aproximadamente duas horas e meia. Moradores afirmam que há uma "operação abafa" e que na realidade o número de mortos pode passar de 40.

Segundo o secretário de Segurança Pública de SP, Alexandre de Moraes, foram 15 mortos em Osasco, três em Barueri e um em Itapevi. Para a Folha de S. Paulo ele disse: "Não descartamos nenhuma hipótese", ao indicar que uma das linhas de investigação é a participação de policiais, após recentes mortes de um PM e de um guarda civil metropolitano na região dos assassinatos.

Segundo testemunhas, os assassinos saíram dos carros, perguntaram quem tinha passagem pela polícia e começaram a atirar.

Cápsulas de três diferentes calibres de armas foram encontradas próximo aos corpos das vítimas: 9 mm (de uso das Forças Armadas) e 38 e 380, de uso de guardas civis metropolitanos.

Há pouco o Estadão noticiou que em áudio de autoria desconhecida, um homem, que se identifica como integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC), avisa que haverá toque de recolher em Osasco, na Grande São Paulo, na noite desta sexta-feira, 14. A informação circula pelo WhatsApp entre moradores do Jardim Mutinga, região do bar em que dez pessoas foram baleadas em Osasco.

"Levaram uns parceiro nosso da quebrada (...) Os 'cara' quer guerra? Vai ter guerra então. A partir das 11 horas da noite de hoje, não quero ver zé povinho na rua, não, que o bagulho vai ser louco. O bagulho é o Primeiro Comando da Capital", diz o áudio, obtido pelo Estado



Essa história parece uma reedição de maio de 2006. Eu realmente gostaria que esse áudio fosse fake. Mas então você recorda do enredo passado.

O ataque de maio de 2006 teve influência direta de uma ação de corrupção policial ocorrida um ano antes. Em março de 2005, Rodrigo Olivatto de Morais, enteado de Marcola, foi sequestrado por policiais civis de Suzano, na Grande São Paulo, e só foi solto depois de o suposto líder da facção ter pago resgate de R$ 300 mil. Na sede do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), no dia 12 de maio de 2006, Marcos William Camacho comentou o sequestro de Morais: “Não vai ficar barato”, disse. Após a transferência de Marcola, neste mesmo dia, motins foram realizados em 74 penitenciárias do Estado de forma articulada. As informações constam em relatórios da Clínica Internacional de Direitos Humanos de Harvard, dos Estados Unidos e da ONG Justiça Global.

Dos 564 mortos entre 12 e 26 maio de 2006, 505 eram civis. Pesquisa feita pelo Labóratório de Análise da Violência da UERJ revelou que enquanto os agentes públicos foram mortos nos dias 12 e 13, os civis foram assassinados, fundamentalmente, entre os dias 14 e 17. Isso revela um quadro de revanche.

Nos dois primeiros dias dos ataques, a proporção entre o número de agentes públicos mortos e o de civis foi semelhante. A partir do dia 14, para cada agente morto havia 10 civis mortos. No dia 17 , a proporção chegou à casa dos 20 mortos. (Mais infos aqui)

De acordo com a pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP Camila Dias, alguns desses bandos contam com a participação de policiais militares. Para ela, falta vontade política para combater os grupos de extermínio, uma vez que as vítimas são moradores de periferia, negros e pobres. A entrevista pode ser ouvida na íntegra aqui. Camila é autora do livro PCC: A hegemonia da violência nas prisões e o monopólio da violência. (Disponível aqui)

O primeiro policial julgado pelos crimes de maio de 2006 foi condenado em 2014.Cabo Alexandre André Pereira da Silva foi sentenciado a 36 anos de prisão pela execução de Murilo de Moraes Ferreira, Felipe Vasti Santos de Oliveira e Marcelo Heyd Meres, no bairro do Jardim Brasil, entre a Avenida Sanatório e a Rua Ramiz Galvão. Eles estavam em um grupo de seis pessoas que conversava em um lava-rápido quando motoqueiros encapuzados passaram efetuando disparos contra os rapazes, três foram alvejados e mortos no local, os outros conseguiram se esconder dentro de um lava-rápido.

A questão é: aprendemos algo com 2006?

sábado, 8 de agosto de 2015

A morte de Playboy e os números Um construídos pela imprensa em seu discurso simplista

Lendo o texto "Os riscos ocultos na uniformização da agenda da imprensa" logo depois de ler mais uma notícia sobre a morte do Playboy, me atenho já no primeiro parágrafo:

"De todos os pecados atuais cometidos pela indústria da comunicação jornalística, o que tem consequências mais graves é o da uniformização da agenda de informações. O fato de noticiar dados novos, fatos inéditos e eventos a partir de um único viés não falseia apenas a visão que as pessoas têm da realidade, mas as leva a desenvolver opiniões cada vez mais radicais e extremadas" 

No caso do segmento que costumo atuar, da Segurança Pública, antigo "jornalismo policial" isso é materializado de forma ímpar. Esmagadora maioria dos "repórteres" contam corpos e divulgam releases da polícia. SÓ. Não que contar corpos não seja importante. Lembrei do falecido blog PE Body Count, de Pernambuco. Estatísticas sempre são! Mas e o contexto delas? Por que o número cresce ou cai? Como evitar essa oscilação? O PE Body Count era bom nisso. Infelizmente acabou por falta de financiamento.

Lembro quando era estudante de jornalismo e a internet era novidade. Pensava "nossa! vai dar pra fazer muito mais pesquisas e contar mais coisas!". Estava completamente enganada. Outro dia estava pesquisando umas edições antigas de jornais, coisa entre 1995 e 2005. Impressionante como o jornalismo era mais rico! As vítimas tinham história. Você sabia quem eram, de onde vinham, pra onde iam, por que iam, que diferença fazia se elas chegassem ao destino ou não. Existiam história e análise.

Edição de 12 de setembro de 2002 do jornal O Globo

Tomando como exemplo a morte do Playboy hoje. Impressionante como o jornalismo se ateve a dar "detalhes" da morte através de única fonte, a polícia. E nada sobre como a morte desse "número 1" altera/impacta ou não (e voto que não, claro) a configuração do tráfico.

Lembro quando li sobre a história da morte do Uê. Claro com milhões de ressalvas uma vez que Playboy não era nem a unha do Uê no contexto do tráfico.

Na cobertura da época você sabia quem eram os parceiros do Uê, poque ele traiu Orlando Jogador, como, qual o objetivo e o tamanho da merda que ia dar. E deu. Mudou a história das facções do Rio. Ali nasceu a ADA.

Como eu disse, Playboy não era nem a unha de Uê, mas e então: Quem era Playboy? Qual sua facção (apenas alguns veículos citaram)? Que diferença faz a morte de Playboy? Quem vem atrás de Playboy? Qual o peso dele da hierarquia do tráfico? Era só um relações públicas ou realmente tinha algum poder? Mandava aonde? Com quem? O que a lei de drogas altera o cenário? Vai impedir que haja outro número 1?

Afinal, pra quê serve essa imprensa?

Vale lembrar que essa discussão envolve a formação do profissional, a linha editorial do veículo que as vezes suga o profissional a ponto dele não poder escrever livremente ou ter que fazer várias pautas simultaneamente, é mal pago etc...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

PCC movimenta R$ 100 milhões em contas bancárias nos EUA e na China

Corretora em bairro nobre de São Paulo movimentou R$ 50 mi para facção no exterior

Dinheiro das contas vai para o Paraguai para compra de armasMônica Zarattini/19.02.2001/Estadão Conteúdo
O PCC (Primeiro Comando da Capital) movimentou em 2013 e em 2014 cerca de R$ 100 milhões em contas bancárias fantasmas na China e Estados Unidos.
A descoberta da movimentação financeira no exterior foi feita pelo Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), após a prisão de Amarildo Ribeiro da Silva, conhecido como Júlio, em julho do ano passado.
Além de Amarildo foram presas outras 39 pessoas, incluindo Marivaldo Maia Souza, conhecido como "o Tio". Segundo o Deic, Amarildo era o gerente financeiro da facção e liberava para os integrantes do grupo dinheiro para a compra de armas e drogas no exterior.
A organização faturava R$ 7 milhões mensais apenas com o tráfico de drogas.
No dia da prisão de Amarildo, policiais civis encontraram no bolso da calça dele dois depósitos bancários. Os documentos foram rastreados e o Deic chegou ao endereço de uma corretora de câmbio em Pinheiros, bairro nobre na zona oeste de São Paulo.
No final do mês passado, os policiais cumpriram um mandado de busca e apreensão na corretora e recolheram computadores e documentos. O departamento apurou que só essa casa de câmbio movimentou R$ 50 milhões para o PCC em contas no exterior.
Uma outra corretora de câmbio também é investigada por suspeita de lavar dinheiro para o PCC. O dono é um doleiro conhecido no cenário nacional. Envolvido com políticos, ele foi condenado e ficou preso sob a acusação de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Cumpriu pena na penitenciária de segurança máxima de Avaré, no Interior paulista. Lá conheceu a liderança do PCC.

Esquema passa pelo Paraguai
Ao analisar a documentação apreendida durante as operações policiais, o Deic teve outra surpresa. Os IPs (números que identificam computadores dentro da Internet) utilizados pelo PCC na movimentação de dinheiro na China e nos Estados Unidos têm como endereço o Paraguai.
O Deic suspeita que a facção lava o dinheiro fazendo remessas para o exterior, depois o dinheiro volta para o Paraguai, onde a organização criminosa compra drogas e armas para distribuir no Brasil, principalmente em São Paulo.
Na operação de julho do ano passado, o Deic também apurou que um dos envolvidos com os 40 presos sob a acusação de tráfico de drogas era Fabiano Alves de Souza, o Paca, homem apontado como integrante da cúpula da facção criminosa.
Os policiais descobriram que Paca esteve no Paraguai, no ano passado, gerenciando os negócios ilícitos da organização. Ele está com a prisão preventiva decretada e continua foragido.
Os policiais do departamento não quiseram se manifestar sobre o assunto porque o caso está sob segredo judicial. Porém, o Deic já tem em mãos um organograma com os nomes dos acusados.
O departamento pediu à Justiça a quebra do sigilo bancário de todos os envolvidos.

sábado, 26 de julho de 2014

Total de mortos pela PM paulista cresce 111% no Estado


Entre janeiro e junho, 317 pessoas foram mortas por policiais militares em serviço em todo o Estado de São Paulo, o maior número em um primeiro semestre desde 2003 (quando foram 399).

O número supera até o emblemático primeiro semestre de 2006, época dos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) e consequente reação da PM, quando foram mortas 290 pessoas por policiais em atividade.

Os 317 mortos representam um aumento de 111,3% em comparação com o mesmo período do ano passado (150).

Na capital, a alta foi ainda maior: 147% (de 66 para 163). Também foi o maior número de mortos pela PM no primeiro semestre desde 2003 (238) e supera o primeiro semestre de 2006 (151 mortos).

O secretário da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, disse que o aumento do total de mortos pela Polícia Militar tem de ser relativizado com o aumento de conflitos da polícia com criminosos.

"Se você relativizar com o aumento do número de confrontos, que é justificado até pelo aumento dos roubos, o porcentual não está muito distante do passado, o que não nos dispensa de pesquisar as causas e trabalharmos para reduzir a letalidade."

Mas Grella não conseguiu detalhar a proporção do aumento desses confrontos. "Estamos pedindo até levantamentos para fazer estudos de caso, mas não estão concluídos."

Esses confrontos, no entanto, estão sendo mais letais para os criminosos. Na comparação entre os primeiros semestres de 2013 e deste ano, o número de policiais militares mortos em serviço caiu de 7 para 6 em todo o Estado e de 5 para 3 na cidade de São Paulo.

SP: Há 30 anos, crime e letalidade da polícia não param de subir

'Para diminuir os roubos, é fundamental identificar receptadores, lavadores de dinheiro e quem encomenda as mercadorias'


O recorde da letalidade policial no primeiro semestre de 2014 é mais um sintoma da frágil política de segurança pública em São Paulo. Para diminuir os roubos, não basta somente o combate rotineiro feito à mão de obra barata do crime que costuma assaltar pedestres e motoristas que circulam na cidade. É fundamental um trabalho de investigação que identifique receptadores, lavadores de dinheiro e quem encomenda as mercadorias roubadas. Toda a cadeia produtiva que faz a indústria do roubo funcionar na Região Metropolitana precisa ser investigada.

Há décadas o foco do combate aos roubos tem sido flagrantes dados pela PM no patrulhamento ostensivo. A Polícia Civil abre dois inquéritos a cada dez casos de roubos. Investigações bem-sucedidas apresentam números ainda mais vergonhosos. O risco é baixo para quem opta pela carreira criminal em São Paulo, principalmente para quem faz essas ações prosperarem, como as pessoas que dão vazão à venda desses produtos e seus compradores. 

Supermercados continuam comprando cargas roubadas. Desmanches e venda de celulares roubados estão à vista da população há mais de 20 anos. Há 30 anos que a violência da polícia é elevada e há 30 anos que o crime não para de subir. E há 30 anos que os grandes receptadores de roubo não são identificados.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

População feminina na prisão cresce quase duas vezes mais que a masculina


Número de presas avançou 246% entre 2000 e 2012; entre os homens, o crescimento foi de 130% no mesmo período


O número da população carcerária feminina cresceu quase o dobro da masculina entre os anos de 2000 e 2012. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), compilados em relatório do Instituto Avanço Brasil, o número de presas passou de 10.112 no ano 2000 para 35.039 em 2012. Isso significa um avanço de 246% no período. Entre os homens, que são maioria dentro dos presídios brasileiros, o crescimento foi de 130%, passando de 222.643 para 512.964, na mesma base de comparação.


Carceragem da Polícia Federal de Foz do Iguaçu 
em fevereiro de 2011. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Segundo os dados, em 2012 (último ano disponível) o número de mulheres presas equivalia a 6,4% do total de encarcerados no Brasil. Doze anos antes, esse percentual era igual a 4,3%, ou seja, um aumento de 2,05 pontos percentuais no período. Pode parecer pequeno, mas esse número representa 24.997 mulheres presas a mais - inclusão de 2.083 detentas ao sistema por ano.



O motivo para esse aumento, dizem especialistas, está relacionado na maior parte das vezes ao maior envolvimento das mulheres com as drogas e o tráfico. Dados do Ministério da Justiça apontam que 39% (13.964) das detentas respondiam por tráfico de drogas em 2012. Entre os homens, as condenações por tráfico chegam a 22% (117.404) do total de encarcerados, segundo o Ministério da Justiça.

“As mulheres cada vez mais entram no mundo do comércio das drogas. Na maior parte das vezes, elas acabam se envolvendo nesse processo por causa dos filhos e dos parceiros. Há inúmeros casos em que a polícia entra na casa atrás dos parceiros e encontram lá apenas a mulher e a droga. Mães, esposas e familiares são presas, embora a droga não seja delas”, explica a vice-coordenadora da Pastoral Carcerária Nacional, a advogada Petra Silvia Pfaller.

Para o secretário de Defesa Social de Minas Gerais e membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Luis Flávio Sapori, que também é professor de sociologia da PUC-Minas, a falta de especificidade legal em relação à lei de tóxicos faz com que muitos usuários sejam presos como traficantes, superlotando o sistema carcerário. É o juiz quem define qual artigo legal será aplicado para definir ou não a detenção.

“A lei não é específica em relação à quantidade de droga que a pessoa possui na hora da detenção para se considerar tráfico ou uso pessoal. Não há dúvida, também, de que muitas mulheres usuárias, principalmente de crack, se tornam pequenas traficantes para sustentar o vício”.

Além de ser responsável por levar a maior parte das detentas ao encarceramento, a associação ao tráfico e ao mundo das drogas é porta para outros crimes como roubos, furtos e homicídios.

O roubo é o segundo item que mais leva mulheres ao encarceramento, segundo o Ministério da Justiça. Em 2012, o artigo 157 (simples ou qualificado) mantinha 2.746 mulheres no sistema prisional (7,8% do total). No universo penitenciário masculino, esse crime era responsável por 145.321 (28,3%) prisões. A participação em homicídios foi responsável por 1.620 prisões de mulheres (4,6%).

Perfil das detentas

A população carcerária feminina pode ser definida como uma massa quase uniforme, com a maior parte sendo jovem, negra e com baixa escolaridade.

De acordo com o Ministério da Justiça, 49% das detentas têm entre 18 e 29 anos, 39% têm entre 30 e 45 anos e 12% têm mais de 46. Em relação à escolaridade, 44% declararam ter o ensino fundamental incompleto e apenas 3% chegaram a ingressar em uma universidade. As negras e pardas são maioria dentro das unidades prisionais do País e somam 61% das detentas. Mulheres brancas representam 37% do total.

Apesar de ser um direito constitucional de todos os brasileiros, as mulheres presas quase não têm acesso a saúde e tratamento médicos, principalmente acompanhamento ginecológico. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o sistema penitenciário brasileiro conta com apenas 15 especialistas nessa área para atender todas as detentas - o equivalente a um profissional para cada grupo de 2.335 mulheres.

Outra característica a qual os especialistas chamam a atenção é ao número de mães dentro dos muros das penitenciárias. Em 2012, o sistema possuía 408 crianças - 78% (318) delas com até seis meses. Em contrapartida, havia 288 leitos para gestantes e 219 leitos em berçários e creches, segundo dados do Ministério da Justiça. Os números provam, segundo Petra Silvia, da Pastoral, que o sistema prisional não está preparado para atender essas mulheres em dívida com a sociedade.

“Faltam políticas públicas específicas para mulheres. Muitas vezes os prédios são apartados dos masculinos (alas femininas) - não foram construídos para mulheres e acabam sendo transformados em presídios femininos. A maior parte dos estados não oferece ítens de higiene pessoal e nem atendimento à saúde específico, com ginecologistas e pré-natal. A lei prevê que sejam disponibilizados berçários para detentas com filhos com menos de seis meses. Muitos presídios, para atender à legislação, desativam celas e as transformam em berçário improvisado, onde mãe e bebê não têm assistência necessária”.

Petra ressalta que o problema não acaba quando a criança deixa a penitenciária, geralmente após os seis meses. “A guarda fica com os parentes das detentas, que levam os filhos para visitarem a mãe em ambientes degradantes, com uso de drogas. Por causa dessas condições, muitos juízes acabam proibindo que as crianças visitem as mães. Isso leva a uma perda dos laços com os filhos”.

Para a advogada, boa parte dos problemas de superlotação e falta de estrutura nas unidades poderiam ser resolvidos com aplicação das chamadas medidas cautelares, com aplicação de prisões domiciliares para que mães possam cuidar dos filhos em casa. Segundo a lei de 2011, o juiz pode substituir a prisão preventiva para crimes que preveem até quatro anos de detenção por prisão domiciliar quando o acusado for imprescindível para cuidados de crianças até seis anos ou de pessoa com deficiência, se for gestante de alto risco ou se estiver com mais de sete meses de gravidez. A lei também atende maiores de 80 anos. Mas não vale para reincidentes e nem para quem cometer crimes hediondos.

“O problema é que muitos juízes alegam que não podem fiscalizar essa prisão domiciliar. Uma boa solução seria o uso de tornozeleiras para o cumprimento dessas medidas”, argumenta Petra.

Para Sapori, a melhor maneira de resolver o problema dos presídios tantos masculinos, como femininos e, consequentemente, do avanço da criminalidade é um investimento maciço no setor.

“O maior problema é o dinheiro para custeio e manutenção. Os estados e o governo federal investem muito pouco no sistema. O resultado são essas unidades precárias e lotadas e o alto grau de reincidência em um sistema violento e corrupto. É um ciclo, um profecia autocumprida: quanto menos se investe, mais funciona mal, quanto mais funciona mal, mais se justifica o não investimento. A única maneira de resolver isso é investir na qualificação dos trabalhadores, da estrutura dos presídios e melhorar as condições dos presos”, finaliza.

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