terça-feira, 8 de setembro de 2009

Crise causa estagnação no combate à pobreza no Brasil


Alessandra Corrêa - Da BBC Brasil em São Paulo

Passado um ano do início do período mais agudo da crise econômica mundial, as taxas de pobreza e desigualdade no Brasil permanecem praticamente no mesmo nível em que estavam antes de setembro de 2008.

“A sociedade brasileira, tanto em termos de pobreza como de desigualdade, está no mesmo ponto do pré-crise”, diz o economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Neri.

Segundo Neri, “o grande resultado desta crise” foi a parada súbita na redução da pobreza e da desigualdade, que vinha ocorrendo a um ritmo forte nos últimos anos, com uma média de 5 milhões de pessoas deixando a pobreza a cada ano.

No entanto, o economista diz que, diante da gravidade da crise, este é um bom resultado.

“Acho que é um empate. E acho que o empate é um bom resultado num cenário de crise”, afirma.

'Época de ouro'

O economista afirma que a desigualdade registrou “piora clara” em janeiro, mas depois os indicadores retomaram o movimento de queda mês a mês.

De acordo com Neri, na chamada “época de ouro”, que vai de junho de 2003 a junho de 2008, a classe E (os pobres) teve redução de 39,5%. De junho de 2008 a junho deste ano, encolheu apenas 0,4%.

A classe C cresceu 25,6% nos cinco anos até junho de 2008. Nos 12 meses seguintes, o crescimento foi de 1,8%, diz Neri.

Em relação às classes A e B, que representam o topo da pirâmide social, houve crescimento de 34,1% de junho de 2003 a junho de 2008. De junho de 2008 a junho deste ano, foi registrada redução de 2%.

“De maneira geral, o Brasil vinha numa fase de ouro. O grande custo da crise foi interromper esse processo”, afirma Neri.

Medidas

O desempenho do Brasil no combate à pobreza e à desigualdade no último ano contrasta com o de crises anteriores.

“Em outros momentos, em períodos de recessão e crise econômica, nós tivemos sempre uma piora na distribuição de renda e um aumento da pobreza”, diz o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.

Pochmann afirma que as políticas anticíclicas adotadas, ao contrário do que ocorreu em crises passadas, ajudaram a proteger a base da pirâmide social.

“A própria ampliação do programa Bolsa Família impediu que as pessoas que ficassem desempregadas se convertessem em novos pobres”, diz o presidente do Ipea.

No início da crise, o critério de acesso ao Bolsa Família aumentou de renda per capita de R$ 120 para R$ 137.

Redução

Os dados do Ipea indicam até uma pequena redução nas taxas de pobreza e desigualdade, mesmo durante a crise, apesar de em ritmo mais lento que nos anos anteriores.

Segundo o Instituto, na média de outubro de 2008 a junho de 2009 em comparação à média de outubro de 2007 a junho de 2008, a taxa de pobreza caiu 2,8%. Nesse período, 503 mil pessoas saíram da condição de pobreza.

No mesmo período de comparação, a desigualdade caiu 0,4%, conforme o Ipea.

Tanto os dados do Ipea quanto os da FGV têm como fonte a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

Para avaliar a desigualdade, é utilizado o Índice de Gini (que mede a concentração de renda e varia de 0 a 1, sendo maior a desigualdade quanto mais próximo de 1).

A diferença, segundo Neri, é que a FGV leva em conta no cálculo da desigualdade tanto pessoas com renda positiva (assim como o Ipea) quanto aqueles sem renda.

“Um grande efeito da crise foi gerar desemprego”, diz Neri.

“Então, quando se calcula desigualdade só de quem tem renda, caiu. Agora, quando você calcula a desigualdade de todo mundo, incluindo sem renda, aumenta. Depois cai, mas ainda estaria em um ponto ligeiramente mais alto do que estava no pré-crise”, afirma.

Perspectivas

Apesar das diferenças na metodologia, tanto Neri quanto Pochmann afirmam que, de maneira geral, a reação do Brasil à crise foi positiva e permitiu um desempenho melhor não somente em relação a crises anteriores, mas também a outros países.

Em julho, a vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e Caribe, Pamela Cox, disse que até 13 milhões de pessoas poderiam voltar a um patamar abaixo da linha de pobreza na região por causa da crise econômica mundial.

O Banco Mundial não tem dados específicos sobre o Brasil. No entanto, segundo Neri e Pochmann, os indicadores atuais confirmam que o país ficou de fora desse movimento.

Ambos afirmam que a perspectiva é de que os indicadores sociais voltem a apresentar avanços em breve.

“A desigualdade brasileira vai chegar ao menor nível das séries históricas em breve”, diz Neri.

Segundo Pochmann, são necessárias medidas adicionais às ações já adotadas, como uma mudança no sistema tributário, para que o Brasil possa retomar o ritmo e superar o problema da miséria dentro de alguns anos.

“Se o pior da crise já passou, e se durante a crise a pobreza diminuiu, é bastante provável que a economia crescendo, gerando mais empregos, melhorando salários, os resultados possam ser superiores”, diz Pochmann.

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