domingo, 8 de novembro de 2009

Comparado a quê? Eis a questão


Por Jose Roberto de Toledo do Toledol


Em meio a tantas balas perdidas, o secretário de Segurança Pública fluminense, José Mariano Beltrame, fez um achado: “O Rio de Janeiro não é violento. O Rio de Janeiro tem núcleos de violência. Temos índices de criminalidade em determinadas áreas do Rio de Janeiro que são europeus. O Rio de Janeiro não pode receber um programa que seja o mesmo do Oiapoque ao Chuí (vide o blog Caso de Polícia)”.

Procurando bem, sempre é possível achar uma estatística que prove o que você quer. Afinal, como dizia o outro, “bem torturados, os números revelam qualquer coisa”. O secretário deve estar se referindo aos índices de criminalidade de um bairro da Zona Sul (as tais “determinadas áreas”) e comparando-os ao de um continente, o europeu. É covardia.

Não se deve comparar uma média heterogênea e ampla, como a da Europa, com a de um bairro pequeno e homogêneo, como a Urca. No limite, o raciocínio do secretário vai levá-lo a comparar o nível de criminalidade do Barra Shopping com o de Washington DC e concluir que é muito mais arriscado viver na Casa Branca do que na Rocinha.

Em favor do secretário, diga-se que ele não inventou essa chicana estatística. É muito comum os jornalistas usarmos esse recurso para enfatizar uma diferença e ganhar uma manchete. Você já deve ter lido algum título mais ou menos assim: “Bairro paulistano tem qualidade de vida suíça”. Diferenças climáticas e paisagísticas a parte, qualquer comparação de parte com o todo é uma manipulação. Não fosse assim, os rankings de qualidade de vida, criminalidade, IDH, PIB per capita etc seriam todos uma bagunça, misturando países, cidades, continentes, bairros.

É aceitável referir-se, em um contexto bem explicado, que os índices de violência de um bairro são semelhantes aos de um país, mas apenas como um parâmetro, para ilustrar se esse número é alto ou baixo, não como uma comparação direta.

Tome-se o caso dos homicídios. O que interessa é saber qual o risco que um morador de determinada área corre de morrer assassinado e compará-lo com o de outras áreas semelhantes. Podem ser bairros versus bairros, distritos versus distritos, cidades versus cidades, ou países versus países. Em todos esses casos, trata-se de um cálculo estimado, baseado em uma média e sujeito a erros.

Tanto menor a margem de erro quanto maior for a homogeneidade do universo em estudo. Se você quiser saber qual o seu risco pessoal de tomar um tiro fatal, divida quantos moradores do seu bairro, sexo e faixa etária foram mortos a bala ao longo de um ano pelo número de moradores desse mesmo bairro, sexo e faixa etária. Se você morar no centro paulistano, na República, terá um risco cerca de 20 vezes maior de ser assassinado do que ser morar nos Jardins.

O mesmo vale para o Rio. Morar na Barra é mais seguro do que morar no Complexo do Alemão. Mas, na média, o risco de um carioca morrer assassinado é 2,4 vezes maior do que o de um paulistano (2007, Datasus). E nem sempre foi assim: em 2000, na média, um morador do Rio tinha menos chances de ser assassinado do que um morador de São Paulo. Talvez fosse mais seguro se o secretário se ocupasse em explicar essa estatística.

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