Famílias de dependentes respeitam a lei do silêncio imposta pelos criminosos
Por Marcionila Teixeira do Correio Braziliense
A maconha saiu de moda. Território do Sertão pernambucano conhecido nacionalmente pela produção e pelo comércio da erva, o Polígono da Maconha vive agora a era do crack. As pedras entram nas casas, destroçam famílias e encaminham jovens para unidades de tratamento de doentes mentais. Em Salgueiro, terra quente e seca a 518km do Recife, o crack substitui ou complementa o uso de álcool e de maconha, mas ainda é uma palavra proibida. As famílias dos usuários e os dependentes respeitam a lei do silêncio imposta pelos traficantes sertanejos. Temem também uma morte social, causada pelos olhares enviesados dos vizinhos, carregados de julgamento.
Fenômeno semelhante ocorre em outros municípios mais movimentados do polígono, como Serra Talhada e Floresta. Na geometria da região, Salgueiro sempre se destacou pela localização estratégica para o tráfico. Faz divisa com nove municípios, um deles Pena Forte, no Ceará, e ainda é caminho para o Piauí. Por conta disso, é a única cidade do sertão que tem uma unidade da Polícia Federal.
A situação também justificou a instalação no município da sede da Operação Mandacaru, entre 27 de novembro de 1999 e 18 de janeiro de 2000. A ação visava principalmente ao combate ao plantio e ao tráfico de maconha. O tempo tratou das mudanças e hoje já se houve falar que Salgueiro é a capital do crack no Sertão. “O consumo de crack está igual ao de maconha por aqui. E atingiu todas as classes sociais”, alerta a delegada municipal de Salgueiro, Antônia Erandy.
Marcos* tem 28 anos. Toma dois tipos de remédios controlados. Explica que um é para dormir e outro é para ficar calmo. Não sabe ao certo quantos dias passou internado em um dos leitos psiquiátricos do Hospital Regional Inácio de Sá, em Salgueiro. No auge da dependência do crack, transformou-se. De jovem trabalhador, tentou matar a família de oito irmãos. Precisou ser amarrado. “Vi muita violência em casa. Peço a Deus todo dia para nunca mais ver o que vi. Meu filho ficou louco. Nunca tinha visto isso”, lembra a mãe de Marcos. Agora ele tenta reconstruir a vida, mesmo sob a ameaça constante da fissura pela droga. “Passei seis meses usando. Tremia todo, via as pessoas em cima de mim. Tenho muito amigo que quer sair da droga e não consegue. Tem que se internar se quiser ficar curado.”
Saiba mais:
Marcos é parte de um drama que no Sertão pernambucano é ainda mais difícil de ser enfrentado: em Salgueiro, município de quase 56 mil habitantes, por exemplo, falta estrutura de tratamento específico para dependentes. Na região, os usuários só podem contar, em momentos de crise, com o Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) Rasga Tristeza, que é específico para pessoas acima de 18 anos com transtornos mentais. Além disso, há cinco leitos psiquiátricos no hospital regional.
O serviço é considerado mínimo por especialistas. “Há cinco anos, o número de pacientes viciados em crack que nos procurava era praticamente nulo. De dois anos para cá, a frequência aumentou muito”, avisa o médico Fábio Oliveira, que atende nas duas unidades. Apesar da certeza de que os casos se multiplicam, a subnotificação ainda é alta nos Postos de Saúde da Família (PSF). “O preconceito é grande e os usuários não revelam o uso por preconceito ou medo dos traficantes”, comenta Claudilene Novaes, coordenadora do Caps.
Hoje, a população conta com o próprio esforço e sorte na luta contra o crack. A mão no peito resume o tamanho da dor de Neide*, mãe de um adolescente de 14 anos dependente da droga. Ela diz que tem vergonha de falar sobre o problema do filho e chora. “É muito triste ver um filho assim e não poder fazer nada. Ele fica deitado em uma rede, drogado, parece que tá doente. Tem muita mãe nessa situação em Salgueiro”, relata, entre lágrimas.
* Nomes fictícios
Surpresa policial
A força que alimenta o avanço do crack no Sertão tem sido imbatível. Na tentativa de fechar o cerco aos plantadores de maconha e impedir a colheita, a Polícia Federal reduziu para três meses os intervalos entre as operações de combate aos plantios da erva na região. O que a PF não esperava era a possibilidade de migração das organizações criminosas para o comércio do crack. Mais difícil de ser apreendida que a maconha, por não ter cheiro e ser menos volumosa, a droga também é mais rentável para o traficante porque vicia rapidamente e exige um consumo mais acelerado por parte do dependente.
O sentimento é de impotência. A delegacia conta com poucos recursos financeiros e apenas dois carros, já velhos conhecidos da população. O mesmo acontece com a equipe policial, que também é facilmente percebida pelos moradores. Isso torna o serviço de inteligência praticamente impossível de ser realizado.
Na opinião do delegado regional Marlon Frota, o aumento no consumo de crack pode ter relação com o aumento da população flutuante na região por conta das obras de transposição das águas do Rio São Francisco.
Se a PF apreendeu 30 quilos de crack no Agreste e no Sertão este ano — 10 quilos a mais que em todo o ano passado —, os números de apreensão da Polícia Civil, em Salgueiro, são considerados insignificantes, reconhece a delegada. A última delas aconteceu dentro do presídio da cidade, onde estavam cerca de 30 pedras. No mesmo local, João, 28 anos, conheceu a droga. “Nunca tinha nem fumado maconha. Aqui fiz uma dívida imensa de tanto comprar crack e minha mãe precisou vender a casa para pagar o prejuízo do meu vício”, diz o jovem, 20 quilos mais magro desde que entrou na cadeia.
* Nomes fictícios
Por Marcionila Teixeira do Correio Braziliense
A maconha saiu de moda. Território do Sertão pernambucano conhecido nacionalmente pela produção e pelo comércio da erva, o Polígono da Maconha vive agora a era do crack. As pedras entram nas casas, destroçam famílias e encaminham jovens para unidades de tratamento de doentes mentais. Em Salgueiro, terra quente e seca a 518km do Recife, o crack substitui ou complementa o uso de álcool e de maconha, mas ainda é uma palavra proibida. As famílias dos usuários e os dependentes respeitam a lei do silêncio imposta pelos traficantes sertanejos. Temem também uma morte social, causada pelos olhares enviesados dos vizinhos, carregados de julgamento.
Fenômeno semelhante ocorre em outros municípios mais movimentados do polígono, como Serra Talhada e Floresta. Na geometria da região, Salgueiro sempre se destacou pela localização estratégica para o tráfico. Faz divisa com nove municípios, um deles Pena Forte, no Ceará, e ainda é caminho para o Piauí. Por conta disso, é a única cidade do sertão que tem uma unidade da Polícia Federal.
A situação também justificou a instalação no município da sede da Operação Mandacaru, entre 27 de novembro de 1999 e 18 de janeiro de 2000. A ação visava principalmente ao combate ao plantio e ao tráfico de maconha. O tempo tratou das mudanças e hoje já se houve falar que Salgueiro é a capital do crack no Sertão. “O consumo de crack está igual ao de maconha por aqui. E atingiu todas as classes sociais”, alerta a delegada municipal de Salgueiro, Antônia Erandy.
Marcos* tem 28 anos. Toma dois tipos de remédios controlados. Explica que um é para dormir e outro é para ficar calmo. Não sabe ao certo quantos dias passou internado em um dos leitos psiquiátricos do Hospital Regional Inácio de Sá, em Salgueiro. No auge da dependência do crack, transformou-se. De jovem trabalhador, tentou matar a família de oito irmãos. Precisou ser amarrado. “Vi muita violência em casa. Peço a Deus todo dia para nunca mais ver o que vi. Meu filho ficou louco. Nunca tinha visto isso”, lembra a mãe de Marcos. Agora ele tenta reconstruir a vida, mesmo sob a ameaça constante da fissura pela droga. “Passei seis meses usando. Tremia todo, via as pessoas em cima de mim. Tenho muito amigo que quer sair da droga e não consegue. Tem que se internar se quiser ficar curado.”
Saiba mais:
- Demanda por leitos para usuários de crack aumenta no Paraná
- Diário para exorcizar a dependência do crack
- Poder público é coadjuvante no tratamento de usuários do crack
- Chapaquistão, o território do crack Relatos do desespero Uma pedra fácil de espalhar
Marcos é parte de um drama que no Sertão pernambucano é ainda mais difícil de ser enfrentado: em Salgueiro, município de quase 56 mil habitantes, por exemplo, falta estrutura de tratamento específico para dependentes. Na região, os usuários só podem contar, em momentos de crise, com o Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) Rasga Tristeza, que é específico para pessoas acima de 18 anos com transtornos mentais. Além disso, há cinco leitos psiquiátricos no hospital regional.
O serviço é considerado mínimo por especialistas. “Há cinco anos, o número de pacientes viciados em crack que nos procurava era praticamente nulo. De dois anos para cá, a frequência aumentou muito”, avisa o médico Fábio Oliveira, que atende nas duas unidades. Apesar da certeza de que os casos se multiplicam, a subnotificação ainda é alta nos Postos de Saúde da Família (PSF). “O preconceito é grande e os usuários não revelam o uso por preconceito ou medo dos traficantes”, comenta Claudilene Novaes, coordenadora do Caps.
Hoje, a população conta com o próprio esforço e sorte na luta contra o crack. A mão no peito resume o tamanho da dor de Neide*, mãe de um adolescente de 14 anos dependente da droga. Ela diz que tem vergonha de falar sobre o problema do filho e chora. “É muito triste ver um filho assim e não poder fazer nada. Ele fica deitado em uma rede, drogado, parece que tá doente. Tem muita mãe nessa situação em Salgueiro”, relata, entre lágrimas.
* Nomes fictícios
Surpresa policial
A força que alimenta o avanço do crack no Sertão tem sido imbatível. Na tentativa de fechar o cerco aos plantadores de maconha e impedir a colheita, a Polícia Federal reduziu para três meses os intervalos entre as operações de combate aos plantios da erva na região. O que a PF não esperava era a possibilidade de migração das organizações criminosas para o comércio do crack. Mais difícil de ser apreendida que a maconha, por não ter cheiro e ser menos volumosa, a droga também é mais rentável para o traficante porque vicia rapidamente e exige um consumo mais acelerado por parte do dependente.
O sentimento é de impotência. A delegacia conta com poucos recursos financeiros e apenas dois carros, já velhos conhecidos da população. O mesmo acontece com a equipe policial, que também é facilmente percebida pelos moradores. Isso torna o serviço de inteligência praticamente impossível de ser realizado.
Na opinião do delegado regional Marlon Frota, o aumento no consumo de crack pode ter relação com o aumento da população flutuante na região por conta das obras de transposição das águas do Rio São Francisco.
Se a PF apreendeu 30 quilos de crack no Agreste e no Sertão este ano — 10 quilos a mais que em todo o ano passado —, os números de apreensão da Polícia Civil, em Salgueiro, são considerados insignificantes, reconhece a delegada. A última delas aconteceu dentro do presídio da cidade, onde estavam cerca de 30 pedras. No mesmo local, João, 28 anos, conheceu a droga. “Nunca tinha nem fumado maconha. Aqui fiz uma dívida imensa de tanto comprar crack e minha mãe precisou vender a casa para pagar o prejuízo do meu vício”, diz o jovem, 20 quilos mais magro desde que entrou na cadeia.
* Nomes fictícios
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