segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Em liberdade, mas na mira do tráfico

'Todos estão de alguma forma envolvidos, seja vendendo ou consumindo', diz educadora que cuida de infratores

Filipe Vilicic - Do Estadão

O jovem R.M., que acaba de completar 19 anos, é, literalmente, marcado pelo crime. Isso porque espalhou dez tatuagens pelo corpo. Uma delas está no cotovelo: uma teia de aranha. "Quer dizer traficante", explica. Foi por vender cocaína, crack e maconha que o rapaz foi detido aos 15 anos, em 2005, em Várzea Paulista, no interior paulista. R.M. é primo de dois chefes do tráfico na cidade. "Aqui, não tem PCC e o negócio é familiar", explica. O garoto foi julgado no ano passado e sentenciado a 6 meses de liberdade assistida (LA).

Um dos dois educadores do único Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de seu município o recebeu em sessões semanais e visitou a família regularmente até setembro, quando foi liberado do programa. Mesmo após ter sido flagrado, R.M. não deixou de se envolver com o tráfico. "Continuei vendendo e cresci no ramo", conta. "Quando resolvi abandonar, me chamaram para mandar na "biqueira". Mas não aceitei." O rapaz diz que largou o crime no fim do ano passado pela filha de 1 ano e, principalmente, pela mulher. "Ela falou: sai dessa vida ou vai embora." Hoje, R.M. trabalha como azulejista e pretende voltar a estudar (parou na 5ª série). "Num dia, tiro R$ 25. No tráfico, dava ao menos R$ 100. Admito que sinto falta do dinheiro."

A maioria dos adolescentes em LA de Várzea Paulista é, como R.M., envolvida com o tráfico. "O dinheiro entrava rápido, mas saía ainda mais rápido, já que gastava tudo com cocaína", lembra o operador de trator Alex da Silva, de 19 anos. "Fiquei duas vezes em liberdade assistida, por tráfico e por roubo. Em 2008, larguei essa vida, virei evangélico e consegui emprego." Segundo a coordenadora do Creas da cidade, Cássia Herrera, 90% dos 30 atendidos no centro foram flagrados vendendo drogas (no Estado, a estatística é de 29% dos que estão em liberdade assistida). "E mesmo os outros 10% têm algum tipo de relacionamento com esse crime, que é preocupante na área pobre, depois da linha de trem que divide Várzea."

Nesse grupo está a menina C.S., de 16 anos. Dois de seus seis irmãos são traficantes. O mais velho, de 20 anos, que já foi preso por roubo, batia nela quando estava drogado. "Há uns três meses, resolvi me defender", conta. Ela atacou o irmão com uma faca. "Aí me levaram para a delegacia e o juiz me mandou para o Crea", diz a garota, que continua em liberdade assistida.

Na capital, o tráfico também é o crime que mais preocupa os responsáveis pelos núcleos que fazem o serviço de LA. "Todos estão de alguma forma envolvidos, seja vendendo ou consumindo", relata a educadora Daniela Oliveira, de um centro em Sapopemba, na zona leste.

T.L., de 16 anos, é um dos 17 jovens supervisionados pela educadora. "Próximo da casa dela tem uma "boca" do tráfico, onde os criminosos aliciam a juventude", comenta Daniela. "É difícil competir com o crime organizado, que oferece muitos atrativos." A adolescente foi flagrada comercializando cocaína. Ela conta que entrou nessa por influência das irmãs - são duas que traficam. "A mais velha, de 23, está presa e a outra já passou por LA", diz a garota.

INTERNADO

"Essa experiência me ajudou a colocar a cabeça no lugar", resume J.P., que completou 19 anos em setembro, enquanto lembra dos 11 meses que ficou no Complexo Vila Maria da Fundação Casa. Ele foi detido há dois anos por roubar um carro, mas está no mundo do crime desde 2005.

O garoto começou a roubar com 15 anos. J.P., que mora em Cidade Ademar, zona sul da capital, confessa que não passava necessidade e usava o dinheiro só para se divertir. "Minha mãe, que é adotiva, me dá tudo. Entrei nessa pelos amigos. Não por influência deles. Eu queria é me destacar entre eles."

Da internação, o rapaz traz lembranças ruins. "Mas o pior mesmo foi quando ouvi minha mãe falar "não devia ter te adotado porque você só dá problema"", conta. "Prometi a ela que não faria mais besteira." J.P. saiu há três meses da Fundação Casa. Hoje, não sonha mais em se destacar entre os amigos. O que deseja é trabalhar e fazer uma faculdade de Engenharia. "Mas está difícil conseguir emprego porque ninguém quer contratar um ex-criminoso."

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