Por Daniella Dolme do Ultima Instância
Que o sistema carcerário brasileiro é carente, isso não é novidade. Mas 2009 foi um ano em que essa questão esteve presente na pauta do Judiciário, tanto por presos “armazenados” em contêineres no Espírito Santo e no Sul do país, quanto pelos mutirões carcerários de iniciativa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que libertaram mais de 18 mil presos em situação irregular.
Logo no começo do ano, em fevereiro, o CNJ apresentou no 2º Encontro Nacional do Judiciário, em Belo Horizonte, dados alarmantes sobre o déficit de vagas nas penitenciárias brasileiras: faltam 156 mil lugares para presos no país. O número subiu em 59 mil vagas de 2000 para cá.
Além de superlotação dos presídios, que ocorre em todos os Estados, não há separação de presos condenados e provisórios, que figuram em número elevado e desproporcional, em um percentual de 42,97% de 446 mil presos no Brasil. Outros fatores que dificultam ainda mais a correção no sistema carcerário é a situação irregular de muitos presos, que continuam na cadeia mesmo após o cumprimento integral das penas por burocracias dos trâmites legais.
Fora isso, a falta de assistência jurídica, ocupação para os presos, educação e capacitação profissional —para dar subsídios para que eles se reintegrem socialmente após adquirirem liberdade —faz com que os acusados se tornem, constantemente, reincidentes no crime.
Na opinião do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello, em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o Poder Público age de maneira irresponsável e, salvo exceções, não tem interesse em superar dificuldades que geram situações que ofendem a dignidade de condenados.
Contêineres no Espírito Santo
As denúncias contra o Espírito Santo por violação de direitos humanos começaram a partir de uma matéria veiculada no Jornal Nacional, da Rede Globo, em 5 de fevereiro desse ano. Na reportagem divulgada pela televisão foi mostrada uma delegacia no município de Serra, região metropolitana de Vitória, que mantinha 34 detentos dentro de uma estrutura metálica sem grades ou janelas, sem direito a banho de sol.
Segundo declarações do presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES, André Luiz Moreira, na época, a situação já não era uma novidade no Estado. “Infelizmente já trabalhávamos com a possibilidade de algo como isso acontecer”, afirmou. O advogado disse que o uso de contêinerespara abrigar detentos no Espírito Santo começou há cerca de quatro anos, mas até então, não se tinha notícia de um equipamento sem janelas e ventilação; a única abertura existente na “cela de lata” era para a entrada de comida.
A precária situação do presídio foi um dos motivos relatados para o pedido de intervenção federal no Espírito Santo, feito em maio deste ano pelo CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), mas que até outubro ainda estava em análise pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Mesmo com a intervenção do CNJ e a aplicação de mutirões carcerários na tentativa de solucionar a questão, a Comissão de Direitos Humanos voltou a encontrar contêineres hiperlotados e em pleno funcionamento, no bairro Novo Horizonte, na capital do Estado.
O governo divulgou em nota que a retirada dos presos seria feita de maneira gradual, mas que o problema estava sendo resolvido. Em novembro, os presos que ainda eram mantidos nas celas metálicas foram transferidospara o CDP (Centro de Detenção Provisória) do município, inaugurado em agosto. De acordo com o secretário de Justiça do Espírito Santo, Ângelo Roncalli, “o compromisso é acabar com todos os contêineres até agosto de 2010”.
Entretanto, o governo não apresentou soluções para resolver as péssimas condições de higiene em que se encontrava a Casa de Custódia Viana, sendo que no mês de maio havia assinado um termo se comprometendo a “providenciar no prazo de 72 horas, a contar da assinatura, a retirada do lixo e a higienização dos estabelecimentos penais.”
O grande problema que o Estado enfrenta é a superlotaçãonos presídios. Segundo o juiz Erivaldo Ribeiro, auxiliar da presidência do CNJ, que comandou as inspeções, “os pavilhões estão sob controle dos presos e não tem como os agentes penitenciários entrarem para verificar qualquer irregularidade que esteja acontecendo”. Celas em que cabem 36 pessoas abrigam 281 detentos, sendo a grande maioria presos provisórios. Espremidos entre grades e paredes, vários estão doentes e têm que dividir apenas dois banheiros.
Surpreendentemente, a condição precária dos presos em contêineres se estende também aos menores, como foi verificado pelo juiz Erivaldo após inspecionar também duas unidades de internação em Cariacica, na Grande Vitória. “Nós constatamos menores com prazo de permanência extrapolado no abrigo, em contêineres sem a menor condição de habitabilidade”, afirmou Ribeiro.
Em evidência na crise no sistema carcerário também estiveram os Estados de Santa Catarina e Pará, onde foram encontrados mais contêineres “armazenando” presos em condições subumanas de sobrevivência. A desculpa, para manter os 400 detentos no sul do país e as 150 presas no Pará, é a mesma: superlotação nas demais delegacias do Estado.
“A alternativa que Santa Catarina encontrou para diminuir o déficit de vagas foi a inclusão dos contêineres como forma de segregar os presos provisórios”, justificou o diretor do Departamento de Administração Prisional de Santa Catarina, Hudson Queiroz.
De acordo com o superintendente do Sistema Penitenciário do Pará, Justiniano Alves, “essa modalidade de acondicionamento de presos foi adotada durante a gestão anterior, mas já estamos construindo locais apropriados para colocar essas pessoas”, afirmou, alegando que entende que as “celas de lata” não são lugares apropriados para “colocar alguém para cumprir sua pena”.
Ainda assim, no entendimento de Queiroz, os compartimentos de aço podem ser melhores que alguns presídios da federação catarinense. “Temos algumas unidades prisionais estaduais que precisam ser remodeladas e já estamos fazendo isso. Para solucionar o problema dos contêineres, temos que manter os investimentos. Enquanto isso, o que posso dizer é que, com certeza, a sociedade prefere que quem delinquiu esteja preso”, conclui.
Rondônia
Na região norte do país, o Estado de Rondônia chamou bastante atenção, não pelo uso de contêineres, mas pela situação caótica e violação de direitos humanos recorrentes nas penitenciárias, principalmente no presídio José Mário Alves, conhecido como Urso Branco, onde foram registrados mais de 100 homicídios em oito anos.
O caso levou o Brasil a ter que se explicar em audiência com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, realizada no dia 30 de setembro. Além dos assassinatos, existem relatos de violência sistemática, insalubridade e falta de assistência médica e jurídica na penitenciária, que fica em Porto Velho. Segundo Tâmara Melo, advogada da ONG Justiça Global, que acompanhou a audiência, os presos reclamam de maus tratos por parte dos agentes penitenciários, que vão de “socos, pontapés e coronhadas” até serem obrigados a “ficar nus na quadra, debaixo de sol, e caminhar de joelhos por horas”.
Mutirão Carcerário
Uma alternativa encontrada pelo CNJ para auxiliar os presídios na difícil tarefa de dar vazão aos processos estacionados e regularizar a situação de presos provisórios e daqueles que já esgotaram a pena e ainda continuam dentro das penitenciárias foi por meio da implantação de mutirões carcerários. Só neste ano mais de 18 mil pessoas foram libertadas por todo país, sendo que 18 Estados já receberam ou estão realizando mutirões para revisão dos processos penais.
As equipes responsáveis pela análise dos processos são formadas por juízes, defensores públicos, promotores, servidores dos tribunais e advogados. Até o dia 15 de dezembro, dados do Conselho informam que foram analisados 91.379 processos. Desse total, 30.092 pessoas receberam algum tipo de benefício, inclusive a liberdade —concedida para 18.359 pessoas.
Em parceria com o Tribunal de Justiça, o CNJ levará o programa para ser aplicado no Estado do Paraná. Atualmente estão em andamento os mutirões carcerários dos Estados de Pernambuco, Maranhão, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Bahiae Amapá.
Além de promover a revisão dos processos criminais para verificar o cumprimento da pena e prevenir irregularidades, o mutirão carcerário também se preocupa com a ressocialização dos egressos.
Com isso, o CNJ tem formado diversas parcerias para possibilitar a criação de postos de trabalho para os presos e a oferta de cursos profissionalizantes.
Por meio do Programa Começar de Novo, que completa um ano no próximo dia 29 de dezembro, as empresas, órgãos públicos e entidades da sociedade civil, podem se cadastrar no portal do Conselho e oferecer vagas de emprego aos presos e egressos.
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