segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Allan Turnowski: ‘Melhora de salário para ser exclusivo’


Por Maria Inez Magalhães - do O Dia

A guerra da Polícia Civil este ano é contra um inimigo desarmado, que não está na lista dos mais perigosos do Rio e que há anos a instituição tenta combater, mas sem sucesso: o bico. Há oito meses à frente da Chefia de Polícia Civil, Allan Turnowski elegeu o fim do segundo emprego do policial como sua meta para 2010, e já prepara uma nova escala para que um número maior de agentes possa trabalhar todos os dias.

A primeira turma a estrear a nova forma de atuação da instituição será a de 460 inspetores. Eles começam a trabalhar em fevereiro. “Eles não fazem o bico, por isso dá para colocá-los para trabalhar todos os dias. Vamos provar que essa escala é possível”, afirmou Turnowski, garantindo que um planejamento para toda a Polícia Civil já está em elaboração. “Não posso simplesmente tirar o trabalho externo. Preciso pagar por isso. A gente está trabalhando duro para isso”, assegurou ele, que fez um balanço de sua gestão e contou ainda quais são seus outros planos para 2010, quando poderá deixar o cargo. Perguntado sobre a marca que quer deixar de sua administração, disse: “Quero que o policial tenha orgulho de dizer que é policial civil. Se conseguir isso, já estou satisfeito”.

O DIA: Qual a meta da Polícia Civil para 2010?

Allan Turnowski: – É a compra do bico. A mudança de escala, a exclusividade dos policiais na função policial. E para isso, a gente tem que conseguir pagar esse dinheiro que ele faz fora, para não faltar o leite que ele já conta, o colégio e o plano de saúde que ele já paga. O governador (Sergio Cabral) já deu aumento. A meta é essa: melhora de salário para ser exclusivo. Assim dá para praticamente sobreviver com os policiais que temos hoje.

Mas como isso será feito?

Está sendo estudado. A gente está trabalhando duro nisso. Hoje, a gente trabalha com 80% do efetivo no plantão, e 20% no expediente. A ideia é inverter isso. É colocar 70% dos policiais para trabalhar todos os dias, e 30% no plantão. Não é simplesmente só colocar o policial para trabalhar todos os dias. É um projeto maior. É mostrar ao policial a importância disso. A Polícia Federal, o Ministério Pública, o Judiciário trabalham assim. Se a gente quer falar que é polícia judiciária, tem que trabalhar no mesmo ritmo deles. Só que isso demanda uma série de questões estratégicas.

Acabaram de entrar na Polícia Civil 460 inspetores. O senhor disse que eles já vão trabalhar na nova escala. Por que só eles?

Porque eles ainda não fazem o bico e, por isso, dá para colocá-los para trabalhar todos os dias. Eles vão passar a trabalhar nos inquéritos todos os dias e não a cada três dias como acontece com a escala atual. E, por meio deles, vamos provar que essa nova escala é possível. Será uma espécie de laboratório. Investimos muito na formação desses novos policiais, principalmente no que diz respeito ao trabalho de investigação.

O senhor dividiu a chefia de Polícia Civil em operacional e administrativa. O que isso melhorou na prática para o trabalho da polícia?

Com a subchefia operacional, as operações passaram a ter padrão. É necessário que se levante a quadrilha toda, que se busque o dinheiro dessa quadrilha e não só a prisão. E mais que isso: a juntada de provas para a condenação daquela quadrilha. Isso deu uma qualidade muito maior à nossa investigação. Na subchefia administrativa, criamos o escritório de projetos e ela passou a ver tudo o que a ponta precisa. Muitas vezes querem dar o dinheiro, mas você não sabe como comprar. Para o ano que vem, teremos investimentos de R$ 100 milhões, fora o que vem da Secretaria de Segurança. Agora, a operacional diz o que precisa e a administrativa, compra.

A Operação Família S/A prendeu parentes do chefe do tráfico na Tijuca, Isaías da Costa Rodrigues, o Isaías do Borel, atacando o crime de modo diferente do habitual. Será uma nova forma de agir daqui para frente?

Sim. A operação no Borel não teve tiro. Se você olhar os índices da Tijuca, eles têm caído. Esse tipo de ação, em primeiro lugar, resgata o temor do traficante da ação policial. Então, não adianta comprar mais armas e mais drogas e fazer o enfrentamento com a polícia. A polícia agora está buscando o dinheiro do financiamento da compra da arma, da compra da droga. Isso (tráfico) é um negócio. Você tem o dinheiro que abastece o negócio. Vamos dizer que é o capital de giro. Com a venda da arma e da droga, você tem o lucro. A gente sempre atacou o capital de giro. Hoje está atacando o lucro. O que eles (parentes dos traficantes) compram, o que eles se beneficiam do dinheiro do tráfico.

Há outras investigações desse porte?

Sim, e maiores que essa que vão atingir barões do tráfico do Rio de Janeiro. Mas para que isso seja rotina, a gente deslocou boa parte do nosso orçamento para a inteligência. Estamos investindo em tecnologia para infiltração entre os investigados, para a compra de um software que faça a leitura das informações sobre as investigações de lavagem de dinheiro. Ganhamos o laboratório de lavagem de dinheiro e estamos qualificando nossos policiais. Esse software é extremamente sofisticado e faz em cinco minutos cruzamento de dados que manualmente demoraria um ano. Hoje isso é feito manualmente, com pesquisa. O policial busca um por um. Aí o portal (site que vai compartilhar, parcialmente, os bancos de dados da PM, Polícia Civil, Secretaria de Administração Penitenciária e Detran) também vai ter a sua função. Temos um banco de dados poderosíssimo e vamos passar a ter ferramentas para fazer investigações poderosíssimas.

A Divisão de Homicídios, que será inaugurada este mês, também está prometendo essas investigações poderosíssimas. Mas o índice de elucidação de homicídios com identificação do autor no Rio, segundo dados do Instituto de Segurança Pública de 2007, é de 9%. Esse percentual vai aumentar em quanto com a divisão?

Trabalhamos sempre para atingir 100% das elucidações dos crimes, mas nem sempre dá, por uma série de fatores. A diferença da divisão para as outras delegacias é que ela terá todos os profissionais, peritos, agentes e delegados, juntos na investigação desde a chegada ao local de crime até a conclusão do inquérito. Ter uma equipe completa atuando junto às chances de colocar o assassino na cadeia são grandes.

Ao assumir a chefia, o senhor priorizou o combate às milícias. Em 2008, foram presos 78 milicianos. Este ano, 252. Como alavancou esses números?

Hoje criou-se uma cultura de combate à milícia. Quando a Polícia Civil escolheu milícia como prioridade, conseguiu institucionalizar o problema e trazer outras instituições como o MP (Ministério Público) e o Judiciário, que estão do nosso lado. Tenho certeza de que hoje o miliciano sabe exatamente o peso da mão do estado.

É mais difícil combater a milícia ou o tráfico?

O que se tinha era uma habilidade maior para investigar o tráfico. As pessoas já sabiam fazer a investigação do tráfico e acabava que essas eram as únicas investigações feitas.

Outra novidade da sua gestão é a Coordenadoria de Controle de Presos, comandada pelo delegado Orlando Zaccone. Mas a custódia de detentos pela Polícia Civil, que hoje ainda cuida de cerca de 4 mil presos, é inconstitucional. Essa é uma questão discutida há tempos, mas que nunca foi resolvida.

Quando cheguei aqui, a delegacia da Pavuna (onde também há presos) não sabia o que acontecia na Baixada (que tem delegacias com carceragens), a Polinter também não. A gente não tinha uma real noção do que era a carceragem na Polícia Civil. Quantos presos a gente tinha, qual tipo de preso (a que facção pertencia). Com a criação da coordenadoria, ela passou a controlar essas informações. Hoje, as carceragens da Polícia Civil estão organizadas, mas estamos organizando algo que não é nosso. Para a Polícia Civil, melhorar também tem que largar isso (custódia de presos). Hoje, a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) fala com uma pessoa (Zaccone). Antes, tinha que falar com 11 carcereiros-chefes. Mas até o fim do ano, teremos todas as delegacias legais e as carceragens na Polícia Civil vão acabar.

Uma semana depois de assumir a Chefia de Polícia, o senhor prendeu Ricardo Teixeira Cruz, o Batman, o criminoso mais procurado do estado na ocasião. Prisões fora do Rio e no Paraguai também foram feitas.

O Batman foi uma questão de persistência. Ficamos dias onde ele estava até pegá-lo. Ele gravou um vídeo falando sobre a milícia que deixou a sociedade perplexa. Foi um deboche, uma afronta ao estado e não podíamos permitir aquilo. E as prisões fora do Rio também são um novo modelo de ação. Vamos atacar não só o varejo, mas o atacado. Prendemos ainda quadrilhas envolvidas em outros crimes, como os fraudadores do RioCard e de ingressos. Com a padronização das investigações, a gente começa a ensinar a investigar da maneira que a gente entende que é correta, que é buscando sempre o caminho do dinheiro. Segue o dinheiro que você encontra o principal criminoso.

Os índices de criminalidade caíram onde há Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O que isso representa para a Polícia Civil?

Agora as comunidades vão funcionar como bairro. Cabe à Polícia Civil trabalhar a favela da mesma forma que o bairro. A delegacia do bairro vai atender a UPP como atende o asfalto. Aí você vai integrar o asfalto à favela. Essa é a nossa visão: valorizar o policiamento ostensivo e, dentro desse contexto, o trabalho de investigação vai ser feito de forma integrada. É a solução perfeita.

Mas não é comum as duas polícias atuarem juntas.

A 32ª DP (Jacarepaguá) fez uma investigação na Cidade de Deus — Operação Fórceps, que prendeu traficantes no início do mês — e, na hora de executar, chamamos a PM. Foi uma parceria sem dar um tiro, coisa inédita. Se estão dominando aquele local e vem dando certo, por que não chamar para a parceria?

Nessa gestão, a cúpula da segurança passou a ter metas a cumprir. A produtividade na Polícia Civil continuará a ser cobrada?

Vai continuar. Quando você tem um plano de metas, é a Secretaria de Segurança Pública vislumbrando o estado como um todo. Isso aí é uma organização fundamental para ter em 2010 um resultado mais expressivo ainda. Estou com meu menor índice de roubo e furto de automóveis dos últimos 12 anos e com o dobro da frota: tinha 2 milhões de carros e agora tenho 4 milhões. Baixamos todos os índices. É sorte? Não, é trabalho, é planejamento.

Mas a Polícia Civil ainda tem problemas. Qual o principal deles?

O corporativismo. Vou fortalecer a corregedoria. Há policiais envolvidos em extorsões, milícias. Este ano de 2010 vai ter policial civil prendendo policial civil. Pode acreditar.

Vocês já estão se preparando para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016?

Sim. Já fechamos vários convênios com cursos aqui e fora do Brasil. Vamos mandar nosso policiais para o exterior e vamos trazer pessoas de fora também para ajudar os policiais nessa preparação. Se conseguir implantar a nova escala de trabalho, ainda vou instituir o curso de inglês e espanhol para os policiais.

O governo Sergio Cabral, teoricamente, termina ano que vem e, consequentemente, o senhor deixará esse cargo. Que marca o senhor quer deixar da gestão Allan Turnowski?

Quero que o policial tenha orgulho de dizer que é policial civil. Que um filho possa dizer que o pai é policial civil. Se conseguir isso, já estou satisfeito.

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