Dados da Ouvidoria dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça apontam o avanço dos grupos criminosos
Fernando Ribeiro, do Diário do Nordeste
Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Maranhão, Bahia e Alagoas figuram entre os Estados brasileiros onde o Ministério da Justiça, através de sua Ouvidoria dos Direitos Humanos, detectou a existência de milícias ou grupos de extermínios que atuam como poder paralelo às instituições da Segurança Pública, do Ministério Público e da própria Justiça. São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso engrossam a lista.
O levantamento foi feito pela Ouvidoria do MJ nos últimos três anos, com base em investigações que trataram de sequência de mortes violentas, em sua maioria, assassinatos praticados com requintes de crueldade e, não raro, o desaparecimento de pistas, ocultação dos corpos das vítimas e ´queima de arquivo´ de testemunhas ou cúmplices dos mandantes.
Denúncias
Para chegar a esta conclusão, a Ouvidoria investigou centenas de denúncias partidas de praticamente todo o País. "Grupo de extermínio é geral, é no Brasil inteiro. Não tem grupo de extermínio ou milícia se não tiver Polícia envolvida", afirmou, em recente entrevista, o ouvidor do Ministério da Justiça, Fermino Fecchio Filho.
"O que mais choca são os autos de resistência, seguida de morte. Você não tem laudo do local, não tem laudo de balística", completou o ouvidor, ressaltando a violação do local do crime ou a simulação de socorro à vítima para desfigurar a cena e, consequentemente, alterar ou apagar pistas, é fato comum nas execuções sumárias.
É no Nordeste brasileiro onde os grupos de extermínio mais têm facilidade de se multiplicar, diante da fragilidade do aparelho policial e do emperramento dos processos na Justiça.
No Ceará, nos últimos dez anos, seis grupos foram descobertos. Um dos mais recentes foi o responsável pela morte de, pelo menos, 13 pessoas. A quadrilha era chefiada por um estrangeiro, o iraniano Farad Marvizi, que comandava uma rede criminosa de contrabando de artigos de informática e telefonia celular.
Em 2007, outro grupo foi desarticulado a partir da morte do comerciante Walter Portela e da execução de uma testemunha-chave nas investigações, a jovem Ana Bruna de Queiroz. Um ano depois, em 2008, mais um grupo de matadores foi desmantelado.
O bando agia na região do Vale do Jaguaribe e tinha como ´cabeça´ o pistoleiro Lucivando Saraiva Diógenes, o ´Gordo de Senhorzinho´, responsável por um ´rosário´ de crimes nos Municípios de Jaguaretama, Nova Jaguaribara, Morada Nova, Solonópole, Jaguaribe e São João do Jaguaribe.
Policiais
Em praticamente todos os grupos criminosos desarticulados, a presença de policiais ou ex-policiais foi comprovada através das investigações levadas a cabo pelo Ministério Público.
Na mais recente desarticulação, a Polícia Federal´, com o apoio da PM e da Polícia Civil, capturou o bando responsável por 29 ataques a agências bancárias e dos Correios no Interior cearense no ano passado, a denominada ´Operação Dezoito´ comprovou a participação de, pelo menos, dois policiais militares da ativa, que agiam em cumplicidade com os assaltantes, seja fornecendo ou escondendo as armas para o grupo, ou mesmo dando fuga e repassando informações privilegiadas sobre o horário da abertura de cofres nas agências e a quantidade de policiais de serviço nas cidades a serem sitiadas pelo bando.
Já a ´Operação Canal Vermelho´, que desarticulou, no ano passado, o grupo de extermínio chefiado pelo iraniano Marvizi, tinha como um dos seus principais integrantes um sargento da PM, ex-integrante do Batalhão de Polícia de Choque, unidade de elite da corporação. O sargento Charles Libório foi o executor de vários desafetos do estrangeiro e agora está detido no Presídio Federal de Segurança Máxima do Mato Grosso do Sul.
Investigação
Em setembro de 2009, representantes do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) vieram a Fortaleza para um encontro com o governador Cid Gomes. A pauta da reunião foi a cobrança na apuração de crimes atribuídos a grupos de extermínio ou milícias que atuavam no Estado. Havia 120 denúncias a respeito.
Parte das denúncias falava de uma sequência de crimes que atingia um dos bairros da Capital cearense, o Bom Jardim. Uma disputa entre ´milicianos´ pelo controle da vigilância informal (empresas de segurança clandestinas) provocou um rastro de mortes e atentados.
Estatísticas
O que restou de concreto da iniciativa da CDDPH no Ceará, em 2009, não foi divulgado. Coincidência ou não, o fato é que, no ano seguinte (2010), as estatísticas registraram um aumento contundente de crimes caracterizados como execuções sumárias no Estado, principalmente, na Grande Fortaleza.
Retrato
120 denúncias da atuação de grupos de extermínio ou de milícias no Ceará foram levadas ao conhecimento da Ouvidoria de Defesa dos Direitos Humanos.
INVESTIGAÇÃO
Três grupos desarticulados no Ceará
Inquérito e processos revelaram a participação de policiais militares nos grupos de extermínio que agiam em Fortaleza
Em 2009, uma sequência de assassinatos assustou os moradores do Bom Jardim, na zona sul da Capital cearense. Homens usando roupas e capuzes pretos, pistolas e revólveres e trafegando em motocicletas apareciam nas ruas e fuzilavam jovens. Foram diversos crimes com as mesmas características, o que levou as autoridades a acreditar na existência de um grupo de extermínio agindo naquela comunidade.
O aprofundamento das investigações confirmou as suspeitas. O motivo de tantos homicídios tinha como pano de fundo a disputa pelos serviços de segurança clandestina. Criminosos passaram a agir numa comunidade que estava desprovida dos serviços de segurança estatal. E este é o maior motivador da formação de milícias ou grupos de extermínio no País, a ausência do Estado em dar proteção aos cidadãos. Concorrendo com isto, estão a corrupção policial, a lentidão da Justiça e investigações malfeitas ou direcionadas a não atingir os assassinos.
Foi assim que uma milícia também foi formada em Fortaleza e agiu impune até que as autoridades do Ministério Público e da própria Justiça decidissem dar um freio nos assassinos. Provando a tese de que neste tipo de ação criminosa há sempre a presença de policiais ou ex-policiais, o grupo desarticulado em 2008 no Ceará tinha um PM como ´cabeça´.
Mortes
Tratava-se do então sargento da PM, João Augusto da Silva Filho, conhecido pelo apelido de ´Joãozinho Catanã´, acusado de ter montado uma empresa de segurança privada clandestina que atuava em, pelo menos, quatro bairros de Fortaleza, Henrique Jorge, Autran Nunes, Genibaú e João XXIII.
Com uma lista de crimes a responder, ´Catanã´ teve prisão preventiva decretada pela Justiça depois de uma investigação realizada por uma força-tarefa da Polícia Civil e do Ministério Público (MP). No dia 1º de julho de 2009, o sargento sentou no banco dos réus pela primeira vez, para responder pela morte de um ex-presidiário identificado como Lucivando Borges de Queiroz, o ´Bodó´, crime ocorrido em fevereiro de 2007.
A lista de crimes atribuído à milícia de ´Catanã´ aponta para cerca de 15 execuções sumárias. O ex-militar hoje está recolhido no Manicômio Judiciário do Estado depois de sua defesa alegar que ele sofre de problemas psicológicos.
Outro
O terceiro grupo de extermínio desarticulado nos últimos cinco anos em Fortaleza tinha a participação de, pelo menos, oito policiais militares da ativa. Dois deles, segundo as investigações da Justiça, comandavam a quadrilha, os cabos Pedro Cláudio Duarte Pena (cabo Pena) e Raimundo Nonato Soares Pereira (cabo Nonatinho).
USO RESTRITO
Assassinos usam armas da Polícia
Um fato vem chamando a atenção das autoridades responsáveis pelas investigações e desvendamento de crimes sem autoria definida. Cada vez mais são encontradas nas cenas dos crimes cápsulas de calibre Ponto 40 (0.40). Isto significa, na prática, que os assassinos estão utilizando pistolas deste tipo de calibre para executar as vítimas.
O mais grave é que as armas de calibre Ponto 40 são de uso restrito das forças de Segurança Pública, isto é, polícias Civil, Federal, Militar e Rodoviária Federal. Como os criminosos têm acesso a tais armamentos? É a pergunta que os especialistas fazem diante de tal constatação no universo do crime.
"Não há segredo, ou estas armas foram furtadas ou roubados dos policiais, ou os próprios policiais as usaram ou forneceram (alugaram ou venderam) para que os assassinos utilizassem na hora das execuções", afirma um delegado ouvido pela Reportagem, mas que pediu para manter-se no anonimato.
Não é raro os casos de ´desaparecimentos´ de armas dentro dos quartéis da PM ou de delegacias da Polícia Civil. No ano passado, várias pistolas de calibre Ponto 40 ´sumiram´ do quartel da PM no Município de Caucaia. A corporação abriu inquérito. Mas, até hoje, apenas uma das armas foi localizada e encaminhada à Justiça.
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