quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Uso da força policial questionada: "Não podem haver abusos"

Por Cecília Olliveira

Entre primeiro de janeiro de 2008 e 30 de novembro de 2010 (último dado disponível) a polícia fluminense matou uma média de 2,8 pessoas por dia. Foram 2985 homicídios praticados por agentes do estado nesse período. O número continua alto, embora 2009 tenha registrado 89 mortes a menos em relação ao ano de 2008, o que representa uma queda 7,8%. 2010 deve manter esta tendência.

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Pode ser que este quadro continue de fato mudando e registrando quedas em decorrência de duas questões. A primeira é que a Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro (SESEG) estabeleceu novas metas para redução de índices criminais, contemplando desta vez, crimes contra a vida (nos quais se enquadram os autos de resistência). E em segundo lugar, o Ministério da Justiça (MJ) e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) publicou uma portaria que estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública. A Portaria do MJ e SDH estabelece que o uso da força deve ser pautada nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos.

De um lado deveres. Do outro, direitos. Isso porque também em dezembro foi publicada portaria que versa sobre os direitos humanos destes mesmos agentes.

De acordo com a SESEG, “a decisão de agregar crimes violentos num único indicador e cobrar metas para a redução destes crimes está coerente com a filosofia de pacificação, que tem seu braço mais visível no programa das Unidades de Polícia Pacificadora”. Cada Aisp (Áreas Integradas de Segurança Pública do Estado) terá um indicador próprio, de acordo com sua realidade regional, embora números absolutos não tenham sido divulgados. Policiais que baterem as metas de redução ganharão gratificação entre R$ 1 mil e R$ 3 mil, semestralmente, dependendo da colocação de sua área no ‘ranking de reduções’.

Autos de resistência: crimes de estado sem investigação

O art. 292 do Código de Processo Penal (Decreto-lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941) determina a lavratura de auto, chamado então no Rio de Janeiro de "auto de resistência", mas que pode assumir outra denominação. É previsto então que “o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”, ou seja, pode ser usado como excludente de ilicitude, em favor do agente, mas não como regra.

“Mesmo existindo um laudo de resistência – seja esta ou outra a denominação adotada –, haverá a instauração de inquérito policial militar seguido de procedimento investigatório cabível, o que deverá redundar numa ação criminal movida pelo Ministério Público, mesmo quando as investigações demonstrem cabalmente que houve legítima defesa, por exemplo. Na ação penal, as provas deverão ser produzidas e analisadas, cabendo somente ao Juiz da causa decidir pela aplicação da excludente de ilicitude do ato criminoso praticado (no caso, a legítima defesa)”, explica o procurador do estado de Minas Gerais e autor do livro Direito de Segurança Pública - Limites Jurídicos para Políticas de Segurança Pública, Lincoln D’Aquino Filocre.

Para a SESEG, o auto de resistência não é um “delito” e a polêmica acerca dele só surge quando existem denúncias de que não houve resistência. A SESEG informou que o auto de resistência é apenas “um registro feito com este nome” e que “a delegacia dá curso a esta investigação”. Para a Secretaria, “alguns segmentos da imprensa resolveram transformar o auto em crime”, contudo, pondera que “há crimes sim, mas não podemos generalizar”.

Para o conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público e presidente da Comissão do Sistema Carcerário e Controle Externo da Atividade Policial, Mário Bonsaglia, os números de auto de resistência registrados no Rio de Janeiro são alarmantes. “Absolutamente aberrantes. É uma realidade fora da lei e que deve ser adequada o quando antes. A sociedade deve se empenhar nisso”, diz.

Em março de 2009, um acordo firmado entre representantes da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, da 2ª Central de Inquéritos, do 7º BPM (São Gonçalo), do Corpo de Bombeiros e da Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (CRPI-SG) determinou que os policiais solicitassem a presença de uma ambulância em ações que resultem nos chamados autos de resistência (quando há morte de criminosos durante confronto com a polícia) no município. Antes, os baleados eram socorridos pelos próprios policiais e encaminhados ao hospital, o que no entendimento dos agentes desfaz o local do fato e compromete o resultado do laudo pericial.

O Ministério Público solicitou, portanto, que todos os confrontos com baleados, registrados a partir de janeiro de 2007, fossem desarquivados pela Polícia Civil e investigados. A decisão desagradou alguns PMs, que afirmam que a iniciativa inibe a atividade policial. Pelo menos mais nove inquéritos sobre autos de resistência estão sendo investigados por agentes do Núcleo de Homicídios da 72ª DP (Mutuá). Desde que o acordo foi assinado, o número de mortos em confronto com a Polícia registrou queda considerável, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ). Em 2007, as delegacias de São Gonçalo registraram 53 casos de autos de resistência. No ano seguinte, esse número aumentou para 62. Já em 2009, ano em que o acordo foi assinado, foram registradas apenas 20 ocorrências desse tipo. Número que se manteve até novembro de 2010.

“Na Inglaterra qualquer disparo por agente do estado gera apuração. Aqui, mesmo o homicídio, justificado ou não, sequer é objeto de apuração”, lembra Bonsaglia. O tema ‘autos de resistência’ está na pauta de prioridades da Comissão do Sistema Carcerário e Controle Externo da Atividade Policial, ao lado dos ‘grupos de extermínio’. Reuniões com todos os Ministérios Públicos do país está programada ainda para o primeiro semestre, para que sejam norteadas ações sobre os temas. “Normas devem ser respeitadas. Existem casos em que o auto caracteriza a legítima defesa, mas não podem haver abusos”, finaliza o conselheiro.

Um comentário:

  1. Resumindo "Deixa o bandido trabalhar em paz!" Os legisladores e representantes do MP e outras siglas não dividem ônibus lotado com o povo. Não ganham tão pouco que se forem roubados passam até fome. Não criam seus filhos em comunidades carentes comandadas pelos traficantes (os quais os PMs não combatem mais como antes por causa de ações como estas). Vou tratar de pagar uma faculdade pro meus filhos para ver se eles entram para algumas destas siglas e fiquem longe da vagabundagem, porque do jeito que esta o negocio vai ficar feio.
    PapaMike37

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