quarta-feira, 18 de maio de 2011

UPPs: Pesquisa mostra que policiais ainda não vestiram a camisa

Marina Lemle - Do Comunidade Segura


Setenta por cento dos policiais que trabalham em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro prefeririam trabalhar em um batalhão ou outra unidade da Polícia Militar. O dado chama atenção numa pesquisa de campo feita com 359 policiais pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (Cesec/Ucam) no fim de 2010.

Perguntados sobre o que fariam se tivessem o poder de adotar medidas relativas às UPPs, a maioria dos policiais – 63% - sugeriu espontaneamente melhorar as próprias condições de trabalho. Os demais dividiram-se entre ampliar projetos sociais (12,6%), ampliar as UPPs (9%), endurecer a postura policial (5,2%), melhorar o treinamento (4,4%) e acabar com as UPPs (3,5%). Em relação às condições de trabalho, os itens mais citados foram infraestrutura (37,6%) - principalmente dormitórios (80,5%) e sanitários (64,5%) -, salários (24,7%) e escala de trabalho (9,8%).

Os resultados do estudo sugerem que ainda não há, entre os policiais, uma cultura de pertencimento a um grupo especial ou de adesão a um novo modelo de polícia. Ou seja, eles ainda não vestem muito bem a camisa. Suas demandas e percepções estão marcadas, predominantemente, pelos interesses e questões de natureza individual.

Para a pesquisa "Unidades de Polícia Pacificadora: o que pensam os policiais", foram entrevistados 349 soldados e 10 cabos lotados em nove UPPs (Santa Marta, Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, Borel, Cidade de Deus, Providência, Formiga, Batan, Chapéu Mangueira e Babilônia e Tabajaras). Eles foram entrevistados nos seus locais de trabalho entre 22 de novembro e 14 de dezembro de 2010 – período no qual os ataques a carros e ônibus culminaram na ocupação militar do Morro do Alemão e na fuga de traficantes.

Coordenada pelas sociólogas Barbara Musumeci Soares, Leonarda Musumeci, Julita Lemgruber e Silvia Ramos, a pesquisa foi apresentada a acadêmicos, policiais e autoridades da área de segurança durante o V Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado de 14 a 16 de maio em Brasília.

Bárbara Soares ressalta a temporalidade dos resultados da pesquisa, feita num período de implantação das UPPs, sem as instalações físicas prontas, e coincidindo com momentos de tensão, pois temia-se a invasão dos territórios por traficantes. Além disso, muitas vezes os moradores eram hostis com os novos policiais.

“O trabalho no batalhão parecia menos difícil. Não é simples passar o dia num lugar sem infraestrutura, em meio à hostilidade. São muitos anos de tensão entre as populações de favelas e os policiais”, interpreta.

De uma lista de itens sobre condições de trabalho apresentada no questionário, o único avaliado como positivo pela maioria dos policiais foi a distância entre a UPP e o batalhão. Para os demais itens (gráfico abaixo), a avaliação “bom” teve sempre menos de 40% de respostas. Sobre salário, quase 60% dos entrevistados o consideram ruim, mesmo com a gratificação de R$ 500 por trabalhar em UPP.



Presente à mesa no Fórum em Brasília, o coronel Robson Rodrigues, comandante das UPPs, observou que os policiais das UPPs são recém-formados, sem o "trauma" da experiência policial anterior. Mas por outro lado, quem ingressa quer ser "da PM" e não trabalhar em UPP. “Eles se sentem de certa forma defraudados dentro da corporação. E por serem muito jovens, estão meio de olho em outras opções no futuro”, disse.

Com todos os problemas, entretanto, a pesquisa mostra um grau de satisfação relativamente alto dos policiais: 40,6%, contra 31,4% de insatisfeitos e 28% de indiferentes. Pesquisas anteriores feitas com PMs de diversas unidades contendo perguntas parecidas, mas formuladas de formas diferentes, apontam um grau de insatisfação maior dos profissionais.

Segundo o estudo, as percepções dos policiais sobre os temas abordados variam de uma comunidade a outra, porém não de forma regular que permita estabelecer correlações entre níveis de satisfação e características das UPPs. “Isso reforça a ideia de que o que pesa na avaliação do policial não tem relação com o novo modelo de policiamento, mas sim com seus interesses, problemas e demandas individuais”, afirmam as autoras.

Para elas, um dos fatores que explicariam a baixa identificação dos policiais com o projeto é a expectativa de que ele não irá perdurar: 70% dos entrevistados concordaram com a afirmativa de que as UPPs foram criadas só para garantir a segurança da Copa do Mundo e das Olimpíadas. A interrupção de iniciativas inovadoras de policiamento comunitário como o Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE) provavelmente influencia essa incerteza quanto ao futuro das UPPs.

Mais de a metade dos policiais entrevistados – 53,7% - continua pensando a mesma coisa sobre as UPPs, enquanto quase 1/3 – 30,3% - melhorou sua opinião desde o início do trabalho, acreditando mais nele do que antes. Os que se decepcionaram somam 16%.Quase metade dos entrevistados acha que a mídia retrata as UPPs de forma mais positiva do que elas são na realidade.

“Parece ainda não estar claro para os policiais que as UPPs representam uma inflexão na política de segurança e que vieram para ficar”, atesta a pesquisa. As pesquisadoras apontam ser preciso enfatizar, na formação dos policiais, elementos que reforcem a identidade do projeto, a novidade do modelo de policiamento e a importância do trabalho que irão realizar. Elas também defendem a escuta das demandas dos policiais e a troca de informações e sugestões, assim como orientação e apoio ao trabalho que realizam.

“É importante que os policiais se sintam também beneficiados com as mudanças, evitando que as limitações estruturais contaminem suas percepções sobre as UPPs”, recomenda o estudo.Os pesquisadores acompanharão os policiais das UPPs por mais dois anos.

Fuzis a tiracolo, armas não letais à mão

Outro dado significativo da pesquisa é que 94% dos policiais de UPPs não gostariam de abrir mão do fuzil. Para Bárbara, este número também estaria em parte ligado à ocupação do Alemão, por receio de que houvesse uma reação armada dos traficantes. “O fuzil é um símbolo de poder e força. O jovem quer portar um fuzil – não quer dizer que queira usá-lo. Com ele, se sente protegido”, explica.

Mais da metade das justificativas para essa necessidade (51,4%) refere-se ao risco de um ataque externo ou à permanência de traficantes e armas no interior ou no entorno da comunidade. Outras justificativas fazem referência ao fuzil como arma apropriada ao uso policial e importante para a ostensividade, a intimidação, a segurança e a prevenção do crime.

O receio de ataques externos – maior temor para 54,7% dos entrevistados – justifica, para muitos, o uso generalizado de fuzil. Muito poucas respostas (1,8%) mencionam a necessidade de uso do fuzil apenas nos pontos mais vulneráveis da comunidade. Para Bárbara, o fuzil também representa um resquício da visão do trabalho policial voltado para o confronto, mas ela acredita que, com a consolidação das UPPs, sua importância terá uma tendência natural de diminuir.

Embora somente um terço dos policiais porte armas não letais, a maioria absoluta (95,8%) diz considerá-las necessárias, sobretudo spray de pimenta (49,5%) e taser (30,6%).

Relação com moradores

Depois da ameaça externa, o maior temor dos policiais é a piora da relação com moradores, com 12,8% das respostas. Eles também temem a defasagem profissional (8,6%), a piora das condições de trabalho (8,2%), o fim da UPP (5,3%) e a falta ou redução do apoio à UPP (4,5%)

Quando perguntados sobre os melhores e os piores aspectos do trabalho na UPP, as respostas mais frequentes, tanto positivas quanto negativas, referiram-se às condições de trabalho e à relação com a comunidade (gráfico abaixo). Apenas 6% dos entrevistados avaliou como boa a educação e a civilidade da maioria dos moradores.



Segundo os entrevistados, entretanto, os sentimentos da maioria da população em relação a eles vem melhorando. Para 79%, no início da UPP a maior parte dos moradores tinha sentimentos negativos, como raiva (29%), desconfiança (28,5%) e medo (17%). Porém, para a maioria dos entrevistados (56,2%), os sentimentos atuais da população são predominantemente positivos: aceitação (17,6%), simpatia (17%), respeito (14,6%) e admiração (7%).

A mudança positiva, na visão dos policiais, se deve a vários fatores, com destaque para a forma de trabalho e a própria presença contínua da polícia nas comunidades. Os segmentos mais receptivos à chegada da UPP são crianças, adultos e idosos, e o mais hostil, os jovens. Além da idade, outro fator associado à receptividade foi ser trabalhador (segmento receptivo) ou pessoa ligada direta ou indiretamente ao crime (segmento hostil).

As ocorrências mais frequentes nas localidades, segundo os policiais, são perturbação do sossego (75,1%), desacato (62,6%), violência doméstica (61,6%) e rixas e vias de fato (52,1%). Entre as atividades realizadas com mais frequência pelos policiais estão a abordagem e revista de suspeitos (79,4%), o recebimento de queixas (59,9%), o registro de ocorrências em delegacias (45,5%) e reuniões com superiores (32%). As reuniões com moradores foram citadas só por 5% dos policiais.

O estudo diz que, considerando-se a natureza do policiamento comunitário ou de proximidade, são poucos os policiais engajados numa das atividades típicas do programa, que é o contato com organizações e associações existentes nas comunidades. Entre as instituições com as quais os policiais tentaram estabelecer contato estão associações de moradores (35,3%), creches e escolas (30,3%), Igrejas (25,7%), ONGs (18,1%), grupos culturais (17,9%) e imprensa comunitária (9,9%).

Para praticamente todos os entrevistados, são atribuições do policial de UPP mediar conflitos entre moradores (98,6%) e reduzir a violência doméstica (95,8). Eles também se vêem no papel de proibir e autorizar atividades de lazer (85,4%), acionar órgãos públicos para resolver problemas (84,1%), identificar problemas da comunidade (83%), desenvolver atividades esportivas e educativas (75,7%), fazer trabalho assistencial (70,5%), promover festas e eventos (54,3%) e ajudar a resolver problemas de infraestrutura (33%).

O coronel Robson Rodrigues observou que os policiais acham que deveriam fazer resolução de conflitos, mas passam a maior parte do tempo fazendo abordagens e revistas de pessoas que entram e saem da área pacificada. “Eles dizem que se concentram na abordagem porque, segundo eles, é isso que é valorizado”, conta.

Falta parte prática na formação



Em relação à formação profissional, a maioria dos policiais de UPP (63%) considerou ter recebido uma preparação adequada para trabalhar na UPP, mas quase metade dos entrevistados (48,5%) disse sentir falta de um policial mais experiente para orientá-lo.

Dos que disseram não se sentir preparados, a maioria queixou-se da falta de disciplinas práticas. De uma lista de dez itens apresentada no questionário, a maior parte dos policiais avaliou que oito foram adequadamente ministrados na sua formação. Os itens de formação avaliados em maior proporção como inadequadamente ministrados foram uso de armas não letais e procedimentos para violência doméstica (42% e 43%, respectivamente).

O coronel Robson Rodrigues contou que há planos de médio e longo prazos de se criar uma escola prática de policiais para UPP, numa UPP modelo em uma área com os arredores pacificados.

O projeto pedagógico será feito em parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e o projeto fisico em parceria com a iniciativa privada. O projeto utilizaria recursos de um fundo de R$ 26 milhões ao ano.

Metodologia e perfis

Para montar o questionário, foram ouvidos 29 policiais em três grupos de discussão compostos pelos comandantes das UPPs pesquisadas, outros três oficiais, sargentos, cabos e soldados. O questionário, com 60 perguntas, foi aplicado a uma amostra aleatória e probabilística de policiais. A coleta de dados quantitativos abrangeu as nove UPPs já inauguradas no início da pesquisa.

O questionário abordou o perfil dos policiais, sua formação e treinamento para o trabalho nas UPPs, condições de trabalho, características e problemas da comunidade, relação dos moradores com os policiais, avaliação dos policiais sobre o projeto das UPPs, graus de satisfação e expectativas dos policiais.

Dos 359 entrevistados, apenas 3 são mulheres. A grande maioria - quase 85% - tinha de 25 a 33 anos de idade na ocasião da pesquisa, 63,5% têm o ensino médio completo, 27%, o superior incompleto, 8,4% o superior completo e 16,4 % estavam estudando, a maioria (59,3%) em cursos universitários. Quase a metade se definiu como pardo, 31% como brancos e 17% como pretos. 45,9% declararam ter renda domiciliar mensal entre 5 e 10 salários mínimos e 31,5%, entre 3 e 5 salários.

Talvez pelo fato de ser composto por policiais jovens, em início de carreira, parte do contingente das UPPs não pensa ficar na PM até se aposentar: 22,3% declarou já estar procurando algo melhor; 41,4% sairão se aparecer oportunidade melhor; e 36,3% pretendem ficar até se aposentar.


Colaborou Lis Moriconi

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