No Brasil, a balança da justiça tem dois pesos e a porta dos tribunais é meio emperrada para quem não pode pagar
Por Dora Martins
O Brasil ainda sucateia a justiça para grande parte de sua população. Muitos brasileiros e brasileiros não têm acesso à justiça. Não têm dinheiro suficiente para pagar um advogado, que é o intermediário entre o cidadão e o juiz. O advogado representa o seu cliente e tem voz dentro do sistema de Justiça.
Mas, Justiça de rico. Justiça de pobre. Quem pode paga. Quem não pode não paga e vive de caridade. Justiça feito esmola. “Fora com a Justiça ruim! Cozida sem amor, amassada sem saber” já disse Brecht.
Ao pobre, a justiça mais pobre? Não! E, o Brasil, envergonhado disso, e para por fim a essa injustiça, trouxe na Constituição de 1988 uma importante ferramenta – a Defensoria Pública. Órgão do estado constituído por pessoas preparadas, submetidas a rigoroso processo seletivo, para atuarem no exclusivo interesse do cidadão pobre, que não dispõe de dinheiro para pagar um advogado particular.
E, se o cidadão carente de recurso sempre tiver um defensor de seus interesses, defensor esse qualificado, preparado e comprometido com seu mister, o princípio constitucional da igualdade entre os cidadãos estará preservado. “Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza", diz o sociólogo português Boaventura Sousa Santos.
A Defensoria Pública é arma necessária contra a injustiça social, que inferioriza o mais pobre, que inibe, por todas as vias, a igualdade eficiente entre os cidadãos brasileiros.
E, já em pleno século XXI, com a Constituição Federal em seus joviais 23 anos, o que temos? Temos muitos brasileiros e brasileiros, em torno de 130 milhões, ainda a esperarem pela justiça “boa, diária e abundante.” (B.Brecht - O pão do povo)
De 1988, ano da Constituição cidadã, até hoje, Defensores Públicos surgiram, de pouco em pouco, e poucos, como se justiça para quem é pobre seja coisa de esperar, como quem espera esmola, caridade, que vem como dádiva daquele que dá quando quer. O Estado não é pai. O Estado é gestor dos interesses de seus cidadãos, os quais pagam para isso, e pagam caro. E, pois, tem cada Estado brasileiro que possibilitar à sua população pobre o amplo acesso à justiça.
Defensor público é ainda coisa rara no Brasil mais profundo. A Defensoria Pública Federal tem menos de 400 defensores, incansáveis lutadores, espalhados pelas capitais do Brasil. E nada nas comarcas do interior, do grande e vasto interior brasileiro. A Defensoria Pública dos estados vai a passo também lento e nem todos a têm. Santa Catarina, estado que tem forte infra-estrutura e orgulho de sua projeção nacional, ainda não concedeu ao seu cidadão mais pobre a Defensoria Pública. E é intensa e justa a luta de muitos catarinenses para que tal ocorra e de modo rápido. Seu vizinho, o estado do Paraná, também com solo fértil e povo trabalhador, não consegue aprovar Projeto de Lei já feito para a criação da Defensoria Pública, e assim retrocede na caminhada em prol dos seus pobres, de modo inexplicável.
E, para tapar o sol com a peneira, temos os governos a entabularem convênios com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que oferta seus advogados, em geral os jovens recém-formados e iniciantes, para atenderem a população carente. Pode-se dizer: ainda bem! Mas é justiça de arranjo; justiça caridosa, mas de improviso; justiça solidária, mas remediada.
A Constituição Federal de 1988 instituiu a obrigatoriedade de criação da Defensoria Pública, para garantir o pleno acesso do cidadão pobre à justiça. Enquanto tal órgão estatal não existir e funcionar de modo pleno, o Brasil não pode se conclamar como um país no caminho da democracia cidadã, e do respeito à dignidade de cada brasileira e brasileiro que, dia e noite, compõe a cara deste país.
Dora Martins é Integrante da Associação Juízes para a Democracia.
Fonte: Pastoral Carcerária
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