quinta-feira, 19 de maio de 2011

Descarcerização e Segurança Pública


Por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo*

O Direito Penal, o Processual Penal e o sistema de segurança pública e justiça criminal constituem, no âmbito de um Estado de Direito, mecanismos normativos e institucionais para minimizar e controlar o poder punitivo estatal, de tal forma que o objetivo de proteção dos cidadãos contra o crime seja ponderado com o interesse de proteção dos direitos fundamentais do acusado. É tarefa, pois, do Direito Penal e do Direito Processual Penal estabelecer freios capazes de atenuar os riscos inerentes ao desequilíbrio de poderes entre Estado e cidadão, acusador e acusado.

No âmbito do controle penal institucionalizado, assiste-se a uma pressão crescente no sentido de uma maior eficácia, tendo como paradigma preferencial o movimento de lawandorder, identificado com as políticas de Tolerância Zero e formulado pelo pensamento conservador anglo-saxão. O pressuposto dessa política de segurança pública é a perda de eficácia das estratégias brandas ou informais de controle social. O conceito de Tolerância Zeroinclui a diminuição da tolerância para com o delito, o uso de medidas punitivas drásticas, a busca de uma volta a níveis passados de respeitabilidade, ordem e civilidade, e a crença na existência de uma relação entre delitos e incivilidades.

A premissa desse enfoque é a ideia de delito como escolha racional, na qual o delinquente é visto como um ser racional amoral, que escolhe o delito com base em uma análise prévia de custos e benefícios. É o homo economicus que habita o mundo dos seguros, cujas práticas de gestão são estendidas aos mecanismos de controle penal. A escolha dos instrumentos ótimos de castigo para aumentar os custos do delito e conseguir, assim, a dissuasão esperada, aponta para ocárcere como melhor instrumento para conseguir o pretendido efeito dissuasivo.

Propõe-se, então o investimento pesado em instituições carcerárias para resolver os problemas de violência e criminalidade.Mesmo nos Estados Unidos, onde desde os anos 80 do século XX esta política se tornou hegemônica, os investimentos para manter mais de 2 milhões de pessoas encarceradas começa a corroer o orçamento público e a gerar movimentos em sentido descarcerizante em estados como a Califórnia.

No Brasil, o histórico descaso por parte do Estado com relação aos estabelecimentos prisionais, para além de todas as críticas ao encarceramento, impossibilita a satisfação dos fins a que a pena se destina. O sistema carcerário brasileiro está longe de ser um meio de contenção da criminalidade, tornando-se, ao contrário, cada vez mais um dos maiores propulsores do aumento da violência. Muito distantes do propósito de reinserir socialmente, as prisões têm contribuído para o aumento das taxas de criminalidade. O encarceramento produz reincidência: depois de sair da prisão, aumentam as chances de voltar para ela (delinqüência secundária).

No Brasil, o encarceramento de criminosos primários e que tem no delito um meio de sobrevivência, tem sido propício ao surgimento e desenvolvimento de organizações internas, as facções prisionais, grupos hierárquicos que dominam o ambiente carcerário e estendem suas atividades para fora das prisões, em atividades como o tráfico de drogas, assaltos e seqüestros nos grandes centros urbanos.

É preciso, sem dúvida, investir nas prisões e garantir melhores condições de encarceramento. No entanto, este investimento deve estar acompanhado da adoção de políticas descarcerizantes, já que em um país como o Brasil a opção pelo endurecimento penal tem um óbvio efeito de seletividade, criminalizando prioritariamente jovens pobres e moradores de periferia. As políticas de descarcerização, para que sejam efetivas e passem a contar com o apoio público, devem estar acompanhadas de mecanismos eficientes para a aplicação e o controle das alternativas ao cárcere.

Isto significa ampliar as alternativas de medidas cautelares no processo penal, proposta recentemente aprovada pelo Congresso Nacional e encaminhada para sanção presidencial, buscando reduzir o número de presos provisórios, que hoje representam metade da população carcerária, sem acesso a trabalho e a outras formas de tratamento penal no interior da prisão. Significa também investimento nos programas de execução e acompanhamento das penas alternativas, que ainda não mereceram por parte do Estado e dos gestores da segurança pública a devida atenção, para que se constituam efetivamente em resposta adequada ao delito.

Por fim, no âmbito da produção legislativa em matéria penal, após mais de 20 anos de vigência da Constituição de 88, ainda buscamos encontrar mecanismos que limitem o populismo punitivo e que coloquem freio a propostas legislativas que visam o incremento de políticas criminais autoritárias para atender reclamos sociais. O fenômeno foi identificado como “legislação simbólica”, com forte apoio no imaginário social e na mídia.

As reformas legislativas em matéria penaldevem ser pautadas por um princípio de reserva de codificação que funcione como barreira contra propostas legislativas de emergência que, invariavelmente, oferecem respostas pontuais e divorciadas das realidades forense e carcerária. Seria necessário que qualquer projeto de reforma penal trouxesse consigo um estudo sobre o impacto carcerário, ou seja, a previsão de provável impacto no sistema prisional da aplicação do texto de lei.

Em que pese a tendência de adoção da opção pela segregação, no Brasil as opções de política criminal para resposta ao delito não estão de todo definidas, e dependem em grande medida da capacidade dos que defendem um outro caminho para o equacionamento dos problemas sociais construírem cotidianamente as alternativas que de alguma forma vão pouco a pouco constituindo um novo modelo de enfrentamento da questão criminal no contexto contemporâneo.

Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo é Sociólogo, Professor dos Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e em Ciências Criminais da PUCRS, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Fonte: Carta Capital

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