Por Cecília Olliveira
A ordem agora é concentrar esforços na ampliação e modernização do sistema penitenciário, no combate ao crack e no monitoramento das fronteiras, ou seja, atuar estritamente nas áreas da segurança pública em que o governo tem papel primordial, como o estabelecido pela Constituição. Planos específicos de combate a homicídios ficariam a cargo dos governos estaduais, colocando em xeque o trabalho do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), que acompanha a dinâmica da violência no país e que vinha trabalhando na elaboração de um plano de articulação nacional para a redução de homicídios, o que no início de 2011, fora anunciado como um dos pilares da política de segurança pelo recém empossado ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A suspensão do plano é por tempo indeterminado.
“No início de 2011 participei de uma reunião do Conasp em Alagoas, que foi escolhido para ser sede do encontro exatamente por ter as maiores taxas de homicídios do país. Éramos vários pesquisadores frisando a importância de projetos focalizados no tema. Naquele momento estavam presentes o governador do estado, Teotônio Vilela Filho, e o ministro da justiça, José Cardozo. A idéia concebida era de que seria desenvolvida uma metodologia de redução de homicídios para pactuar com os estados. Tudo foi anunciado como uma grande novidade do Ministério da Justiça”, lembra o gestor público e associado do Fórum Brasileiro de Segurança Publica, Robson Sávio Reis Souza .
“Quando nos reunimos no Conasp, ano passado, foi nos apresentado pelo Ministério da Justiça, dados sobre homicídios. Achávamos então que eles queriam investir no tema. Fomos surpreendidos. Há um desconforto entre os membros do Conselho. Isso deveria ser prioridade”, diz Eliana Souza, conselheira do Conasp. “Estamos questionando isso, tentando entender do ponto de vista deles, o que está se priorizando então. Vamos pressionar para que isso possa ser revertido, ao mesmo tempo, há de se ter um posicionamento da sociedade sobre esta demanda”, frisa ela, que é diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré e representante da sociedade civil no Conselho.
Para Robson Sávio, a situação é dramática, já que políticas de segurança pública são de execução em médio e longo prazo, o que não é “politicamente rentável”. “O que foi feito com o projeto de redução de homicídios é o mesmo que Lula fez com o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública). O modelo de segurança pública que temos facilita o jogo de empurra. O papel da Senasp (secretaria nacional de Segurança Pública) é articular as macropolíticas. Apesar da melhora no quadro criminal, o que existe é uma reconfiguração do mapa da concentração de crimes. Há deslocamento do sudeste, para o nordeste, por exemplo. O problema não está resolvido”, frisa Sávio.
Mas na verdade, qual o impacto do engavetamento deste projeto pelo governo federal na segurança pública do país? Para Marcelle Figueira, que já foi coordenadora de Análise Criminal na Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, dada a magnitude das taxas de homicídios observadas hoje no Brasil, sobretudo entre os jovens de 15 a 24 anos, a proposta de um projeto assim, é muito importante. “Estamos vivendo hoje no Brasil um verdadeiro genocídio contra a juventude. Este é um grave problema não só do ponto de vista humanitário, pois a perda de vidas não pode ser mensurada em seu aspecto humano. A perda de tantos jovens do sexo masculino é hoje uma variável que poderá produzir impacto negativo no próprio desenvolvimento do país”, afirma. Marcelle ressalta que demógrafos já assinalam que estamos caminhando para um envelhecimento da população, o que significa que parte da população economicamente ativa será afetada pela violência e pelo fato das mulheres terem hoje menos filhos.
Todavia, Marcelle Figueira faz ressalvas em relação a dois pontos: disponibilidade de dados para realização de diagnóstico; e articulação política, onde o que está em jogo são competências distintas da União, Estados e Municípios. “As duas fontes de informação que existem hoje para estudarmos homicídios possuem limitações, pois enquanto os dados do Ministério da Justiça , oriundos do Sistema Nacional de Estatísticas em Segurança Pública e Justiça Criminal (SINESPJC), que existe há sete anos, sofre com falta de regularidade no envio de dados mensais pelos estados, os dados do Ministério da Saúde são divulgados num intervalo de dois anos. Outra coisa é que as políticas de redução de homicídios podem e devem obter apoio do governo federal, mas elas só poderão ser enfrentadas com eficácia e eficiência se houver um comprometimento do governo local. Sendo assim, se o governo federal “engavetou” este plano por entender que o seu papel é o da articulação federativa entre União, Estados e Municípios, devemos agora aguardar a definição das diretrizes da política federal, pois as questões da segurança são muito mais diversas que o enfretamento ao tráfico de drogas”, alerta.
Por outro lado, Robson Sábio diz que a desculpa dada para o engavetamento do projeto – atuar estritamente nas áreas da segurança pública em que o governo tem papel primordial, como o estabelecido pela Constituição – é questionável. “O acordado era que o Ministério da Justiça desenvolveria uma metodologia e liberaria dinheiro para os estados que pactuassem com o plano. Estávamos mapeando boas práticas já desenvolvidas e os estados é que implantariam as políticas. Não haveria ingerência”, pondera.
Para o gestor, em 2011 tudo ficou em “banho-maria” numa tentativa de rearranjos das ações do Pronasci – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. “Os contingenciamentos de recursos financeiros impactaram negativamente em várias políticas, principalmente no campo da prevenção criminal. Um amplo programa nacional de prevenção aos homicídios, preparado cuidadosamente durante o ano pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, foi abortado de forma surpreendente. As notícias sobre o tema dão conta que a presidenta Dilma avaliou que assumir essa tarefa seria de grande desgaste para seu governo. Lamentável…”
A liberdade de redefinir os rumos é a grande vantagem do sistema REPUBLICANO, o preço pago é o abandono de alguns acertados caminhos.
ResponderExcluirA liberdade de redefinir os rumos é a grande vantagem do gerenciamento POLÍTICO, o preço pago é o abandono de alguns acertados caminhos.
Acreditei e defendi o sistema democrático e republicano, assim como o fim do domínio dos técnocratas que impunham suas metas, defendendo que os políticos teriam melhor visão por estarem mais próximos dos anseios populares.
Os governantes agora têm liberdade de redefinir seus rumos, como defendi no passado, mas o preço que estou pagando é o abandono de acertados caminhos, e o descaso com o dinheiro público.
Muito acertamos no passado, mas o resultado longe está de ser o que esperávamos. Errei e não será minha geração que consertará este erro.