Por Cecília Olliveira
Concentrar esforços na ampliação e modernização do sistema penitenciário, no combate ao crack e no monitoramento das fronteiras. Últimas notícias indicam que a presidente Dilma Roussef teria orientado o Ministério da Justiça a atuar estritamente nas áreas da segurança pública em que o governo tem papel primordial, como o estabelecido pela Constituição. Planos específicos de combate a homicídios ficariam a cargo dos governos estaduais. A suspensão do plano é por tempo indeterminado.
Dias antes o Governo Federal havia lançado um “plano anticrack” e anunciado investimentos de R$ 4 bilhões até 2014 em atuações que contemplam a ampliação do número de leitos disponíveis para internação e tratamento, o reforço da repressão ao tráfico e internação compulsória e a criação de consultórios de rua, centros de atendimento 24h e enfermarias especializadas para tratar usuários em abstinência ou em intoxicação grave.
As ações serão integradas entre os Ministérios da Saúde e da Justiça. “O fato de o plano ter sido anunciado pelo ministro da saúde, Alexandre Padilha, é um grande diferencial”, diz Pedro Abramovay, advogado e ex-Secretário Nacional de Justiça , entrevistado pelo Programa de Redução da Violência Letal, sobre a política de drogas adotada no país e o decreto Nº 7.637, de 8 de dezembro de 2011 que altera o decreto no 7.179, de 20 de maio de 2010, instituindo o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. No fim de dezembro foi baixada ainda a a portaria 3088, que Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde.
O modelo de política de drogas adotado pelo Brasil é eficaz? Por quê?
Não. Poucos países hoje têm uma política de drogas voltada para sua realidade, a realidade da América Latina, no caso do Brasil. As convenções internacionais não produzem bons resultados há 50 anos. O modelo repressivo esgotou.
As vésperas do natal foi anunciada a portaria 3088, que Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Um investimento de R$ 4 bilhões. O que de fato mudará com sua implantação?
O estabelecimento da Portaria no geral é positiva, uma vez que ela trata o tema como uma política de saúde. Os riscos de sua interpretação é que são grandes. O debate acerca do tema é muito grande. Qual o melhor modelo de atendimento? O de atendimento nas ruas? O usuário de crack é específico, problemático. O usuário de cocaína, por exemplo, não tem este perfil, não faz uso na rua. Então, deve-se atentar para o viés social das ações. Existem dois modelos previstos na portaria: a) Modelo de atendimento presencial, que tende a reduzir danos e construir alternativas, em liberdade b) Modelo de internação conpulsória, que deve ser exceção. O problema é que embora o ministro Padilha tenha inclusive dito isto, a portaria não deixa isso claro. Deve privilegiar a intervenção que valorize a liberdade. O sucesso maior deve ser como o de Londrina, focado no atendimento ambulatorial na rua, sem a ameaça de internação compulsória. Os consultórios de rua não podem se tornar meios de transporte para internar os usuários. Não pode ser uma “carrocinha”.
O Plano prevê a internação compulsória de usuários de crack, um ponto polêmico, principalmente no tangente a crianças e adolescentes. Isso é eficaz?
Este é um ponto de risco, já que o plano é nacional, mas quem vai implementar as ações são os governos locais. A portaria não diz claramente, mas há um viés ideológico e quem vai executar as ações são os municípios. A internação compulsória, de maneira alguma, deve ser regra. Há casos – a exceção da exceção – casos raros, em que os usuários não querem se tratar. E nestes casos, a internação compulsória é um desastre, com poucos resultados. Em último caso, se ele não quer fazer o tratamento, é preciso ensiná-lo a conviver com sua realidade, com a realidade de seu vício. Fora esta questão, há a violação de direitos humanos. E as pessoas internadas compulsoriamente que não precisavam deste tipo de tratamento? Como é feita a avaliação que indica este tipo de tratamento? Quem faz? Há denúncias de que estão internando usuários de maconha. É uma reprodução do filme “Bicho de 7 cabeças”.
Em SP a polícia tem feito operações sistemáticas nas cracolândias. O prefeito da cidade declarou que a “ação da PM na região central é um avanço”. São feitas abordagens (algumas vezes com uso excessivo da força), há limpeza do local, mas os usuários perambulam por territórios próximos. Os governos locais têm apostado nas estratégias corretas de enfrentamento ao uso do crack e de outras drogas?
Vejo uma certa tentativa de aproximar a política de segurança de São Paulo – cracolândia - à política do Rio de Janeiro – Ocupações militares para instalação de Unidades de Polícia Pacificadoras. É uma estratégia equivocada. A realidade de São Paulo é diferente da do Rio, onde há necessidade de ocupação militarizada por causa do crime organizado. O problema da cracolândia não é um problema de segurança pública. É um problema de saúde pública e social. Assim não dá certo. A polícia não acaba com o tráfico de drogas em nenhum lugar do mundo. Este tipo de ação policial tem efeito contrário, acaba afastando o usuário, ele não busca tratamento. Tem medo. Ele não busca ajuda. Outro ponto que agrava a situação é em relação a diferença entre usuário e traficantes, previsto em lei. Isso não é muito claro e alguns usuários, em algum momento, já venderam drogas para sustentar seu vício. Não é uma coisa simples de resolver, com a polícia militar. Mas isso [ocupação militarizada do espaço] tudo tem um grande efeito de marketing, inclusive em relação ao uso dos termos ‘ocupar, ocupação’, que remete ao que acontece no Rio.
A impressão que se tem sempre que se toca nesse assunto é que, de modo geral, sabe-se pouco acerca da forma como o crack atinge os diversos estados e municípios do país e até mesmo sobre as dinâmicas de uso, abuso e dependência dessa droga. A revelia de estudos e pesquisas, diversos estados vêm formulando intervenções e políticas de tratamento, inclusive lançando mão do recurso da internação psiquiátrica, seja ela voluntária, involuntária ou compulsória. Poderíamos dizer então que essas medidas estão mais calcadas em estigmas e preconceitos sociais do que propriamente numa racionalidade científica? Quais seriam as consequências disso?
Isso acontece de uma forma geral com as políticas de drogas no mundo. Refutam a ciência como se faz em poucas áreas de políticas públicas. A lista da ONU, por exemplo, coloca a maconha como a droga mais pesada. Com base em que? Hoje as políticas de drogas são mais preocupadas com respostas do que com soluções. Os resultados obtidos não têm ligação com os objetivos das políticas! Observe que o que é divulgado é sempre relacionado com número de apreensões, de prisões. O que isso tem a ver com os objetivos? Apreende-se mais, mas o consumo não cai.
No Rio, numa audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Alerj que tratava do tema, ficou claro que não houve participação de próprios órgãos governamentais ligados à saúde mental,na formulação e implementação das ações voltadas para o poblema do crack, que foram, inicialmente, empreendida como uma política de assistência social, nas ações de recolhimento de pessoas em situação de rua supostamente dependentes, com a presença de educadores sociais, assistentes sociais, guardas municipais e policiais. Isso atestaria um caráter higienista que segue a lógica do choque de ordem ao invés de um viés terapêutico?
Sim! É mais fácil agir assim, com base na “ordem”, do que resolver o problema.
No site por você idealizado, o Banco de Injustiças, são contatadas histórias de vidas arruinadas pelos abusos cometidos pelo sistema judiciário na aplicação da Lei de Drogas. O desenho da política de enfrentamento ao uso do crack e outras drogas produzirá mais destas histórias ou amenizará o problema?
É um fato histórico o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas ser anunciado pelo ministro da saúde. O grande investimento também é um ponto positivo. Isso deve ser comemorado. Mas temos que lembrar que o governo federal não executa ações. Isso ficará a cargo dos municípios. Sendo assim, há de se ter uma grande fiscalização sobre como o Plano será implantado pra que histórias como as contadas no site não se repitam.
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