quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Número de desaparecidos subiu em áreas dominadas por milícias, revela pesquisa




Estudo “No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro” mostra que os grupos paramilitares têm ampliado sua atuação em comunidades pobres do Rio, sobretudo na Zona Oeste, mas agora com muito mais discrição

ANTÔNIO WERNECK - O Globo


Sob controle. A visão panorâmica de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, favela dominada por uma milícia e que foi ocupada por militares do Exército para o período das eleições - CUSTÓDIO COIMBRA/15-05-2012 / O GLOBO


Sitiadas esta semana por militares no Rio (que ocuparam suas área de atuação), discutidas na disputa eleitoral e combatidas pelas polícias estaduais, as milícias parecem um vírus: driblam a repressão e continuam fortes, matando tanto ou mais do que no passado, revela uma pesquisa inédita coordenada pelos sociólogos Ignácio Cano e Thais Duarte, do Laboratório de Análise da Violência (LAV), da Uerj. Tratadas como um câncer no passado, suas ações atuais sugerem uma mutação. As milícias têm ampliado sua atuação em comunidades pobres do Rio, sobretudo na Zona Oeste, mas agora com muita mais discrição. No lugar de expor os corpos das vítimas de execuções sumárias, os grupos paramilitares agora desaparecem com os cadáveres.



O aumento do número de registros de pessoas desaparecidas nessas áreas é a principal descoberta da pesquisa, batizada de “No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro”. Um detalhe que também apareceu na estatística de violência divulgada este mês pelo Instituto de Segurança Pública (ISP): enquanto o número de homicídios dolosos (quando há intenção) caiu 26% em todo o estado em agosto deste ano em comparação com o mesmo período de 2011, os registros de desaparecimento cresceram 10%. Nas áreas de milícias citadas na pesquisa, o aumento no mesmo período foi maior: saltou de 51 registros em agosto de 2011 para 66 casos no mesmo mês deste ano, um acréscimo de 29%.

Agiotagem é nova atividade

Todos os moradores entrevistados na pesquisa relataram histórias de assassinatos de pequenos criminosos e pessoas que contrariaram os chefes paramilitares. Confirmaram ainda que as milícias estão mais discretas nos seus homicídios, dando sumiço às vítimas.

— Identificamos muitas mortes em áreas de milícia, algumas delas mascaradas através de registros de desaparecimento. Um outro dado que chamou muito a nossa atenção foi a proporção de desaparecimentos em relação ao total de mortes violentas. Essa proporção aumenta nas delegacias de áreas onde há milícias — afirmou Cano.

Ele e Thais também encontraram outras mudanças de perfil nas ações dos grupos paramilitares: no lugar de policiais armados ostensivamente patrulhando as comunidades, surgiu a figura do testa de ferro ou “laranja”. São moradores cooptados pelos milicianos nas comunidades controladas. Isso permite preservar os policiais que comandam as quadrilhas, além de dificultar as investigações.

— Os policiais e outros agentes do Estado continuam desempenhando funções de comando, mas já não expõem sua condição publicamente. Percebe-se que hoje as milícias dependem muito mais de civis, recrutados localmente, para preencher posições subalternas, como a vigilância e a cobrança de taxas — explicou Thais.

A exploração de serviços de transporte e venda ilegal de TV a cabo e acesso à internet continua, mas a pesquisa constatou o crescimento de outra atividade: a agiotagem.
— O grau de intimidação dos moradores que nós encontramos desta vez foi muito maior do que constatamos há quatro anos. As pessoas demonstraram um grande pavor ao falar sobre o tema, como se temessem retaliação — disse Ignácio Cano.

A pesquisa abrangeu um longo período (2008-2011) e foi concluída este ano. Foram ouvidos 46 moradores, além de juizes, promotores e delegados com papel na repressão aos grupos paramilitares. Também foram consultados dados do Disque-Denúncia, da CPI das Milícias na Alerj e estatísticas do ISP. O trabalho teve o apoio da Fundação Heinrich Böll e será lançado oficialmente no próximo dia 10, às 18h, no campus Maracanã da Uerj.

— “No sapatinho” foi a expressão mais utilizada pelos entrevistados para se referir ao novo estilo das milícias, por isso o nome do trabalho — lembrou a pesquisadora.

Milícia é comparada a vírus mutante

A pesquisa é continuação e atualização de um primeiro estudo do LAV sobre a atuação das milícias no Rio, publicado em 2008 sob o título “Seis por meia dúzia? Um estudo exploratório do fenômeno das chamadas milícias no Rio de Janeiro”. Cano e Thais observaram que, em 2008, “as imagens biológicas que surgiram sobre as milícias eram a de um câncer ou de uma doença autoimune, de forma que as células que deveriam proteger o corpo social se dedicavam a ameaçá-lo”.

— No momento atual, a nova imagem biológica da milícia é a de um vírus, que apresenta mutações constantes para se adaptar às novas condições e, dessa forma, supera as vacinas e os remédios criados para combatê-lo — afirmou Thais.

Os dados permitiram aos pesquisadores visualizar a distribuição geográfica das milícias e acompanhar as oscilações das denúncias sobre as quadrilhas. Segundo o estudo, a atuação dos paramilitares atingiu o ápice em 2009, caindo pela metade em 2010 e voltando a se intensificar em 2011.

A principal conclusão do trabalho é a necessidade de criar formas de eliminar “o controle social autoritário e ilegal que existe secularmente nas comunidades de baixa renda”.

Uma dessas medidas foi anunciada esta semana pela presidente Dilma Rousseff: ela sancionou uma lei que altera artigos do Código Penal para incluir a tipificação desse crime, aumentando a pena para homicídio e lesão corporal praticados por integrantes de milícias. O texto prevê pena de prisão de quatro a oito anos para quem “constituir, organizar, integrar, mantiver ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão” com a finalidade de praticar qualquer crime previsto no código.



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