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sábado, 8 de agosto de 2015

A morte de Playboy e os números Um construídos pela imprensa em seu discurso simplista

Lendo o texto "Os riscos ocultos na uniformização da agenda da imprensa" logo depois de ler mais uma notícia sobre a morte do Playboy, me atenho já no primeiro parágrafo:

"De todos os pecados atuais cometidos pela indústria da comunicação jornalística, o que tem consequências mais graves é o da uniformização da agenda de informações. O fato de noticiar dados novos, fatos inéditos e eventos a partir de um único viés não falseia apenas a visão que as pessoas têm da realidade, mas as leva a desenvolver opiniões cada vez mais radicais e extremadas" 

No caso do segmento que costumo atuar, da Segurança Pública, antigo "jornalismo policial" isso é materializado de forma ímpar. Esmagadora maioria dos "repórteres" contam corpos e divulgam releases da polícia. SÓ. Não que contar corpos não seja importante. Lembrei do falecido blog PE Body Count, de Pernambuco. Estatísticas sempre são! Mas e o contexto delas? Por que o número cresce ou cai? Como evitar essa oscilação? O PE Body Count era bom nisso. Infelizmente acabou por falta de financiamento.

Lembro quando era estudante de jornalismo e a internet era novidade. Pensava "nossa! vai dar pra fazer muito mais pesquisas e contar mais coisas!". Estava completamente enganada. Outro dia estava pesquisando umas edições antigas de jornais, coisa entre 1995 e 2005. Impressionante como o jornalismo era mais rico! As vítimas tinham história. Você sabia quem eram, de onde vinham, pra onde iam, por que iam, que diferença fazia se elas chegassem ao destino ou não. Existiam história e análise.

Edição de 12 de setembro de 2002 do jornal O Globo

Tomando como exemplo a morte do Playboy hoje. Impressionante como o jornalismo se ateve a dar "detalhes" da morte através de única fonte, a polícia. E nada sobre como a morte desse "número 1" altera/impacta ou não (e voto que não, claro) a configuração do tráfico.

Lembro quando li sobre a história da morte do Uê. Claro com milhões de ressalvas uma vez que Playboy não era nem a unha do Uê no contexto do tráfico.

Na cobertura da época você sabia quem eram os parceiros do Uê, poque ele traiu Orlando Jogador, como, qual o objetivo e o tamanho da merda que ia dar. E deu. Mudou a história das facções do Rio. Ali nasceu a ADA.

Como eu disse, Playboy não era nem a unha de Uê, mas e então: Quem era Playboy? Qual sua facção (apenas alguns veículos citaram)? Que diferença faz a morte de Playboy? Quem vem atrás de Playboy? Qual o peso dele da hierarquia do tráfico? Era só um relações públicas ou realmente tinha algum poder? Mandava aonde? Com quem? O que a lei de drogas altera o cenário? Vai impedir que haja outro número 1?

Afinal, pra quê serve essa imprensa?

Vale lembrar que essa discussão envolve a formação do profissional, a linha editorial do veículo que as vezes suga o profissional a ponto dele não poder escrever livremente ou ter que fazer várias pautas simultaneamente, é mal pago etc...

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Estado de exceção: Ocupação Militar na Maré suspende direitos

Por Cecília Olliveira - Texto originalmente publicado no Blog Abordagem Policial

Foto tirada na madrugada de sexta, 4 de abril
O Batalhão de Operações Especiais (BOPE) está na Maré desde a noite de sexta feira, 21 de março. Tropas Federais de 2.050 militares da Brigada Paraquedista do Exército e 500 fuzileiros navais foram enviadas no último fim de semana para atuar em apoio às polícias do Rio com a missão de ocupar o Complexo da Maré até o fim da Copa do Mundo. As polícias permanecerão até a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora, prevista para o segundo semestre.

São tanques, caminhões e jipes do Exército, carros anfíbios e outras viaturas blindadas da Marinha, helicóptero modelo Seahawk MH16, metralhadoras, lançadores de granadas MK-19, um explícito cenário de guerra que, no início desse mês de abril, se reproduz na cidade do Rio de Janeiro.

Vale ressaltar que se fala em pacificação da Maré há quase 3 anos. Em 2011, após 12 dias de ocupação para uma "operação continuada" ( http://migre.me/itlAi ), helicópteros da polícia militar sobrevoaram o complexo de favelas lançando folhetos com os dizeres "A sua comunidade está sendo pacificada". Logo depois a PM desmentiu o fato e disse que os panfletos eram "sobra da pacificação da Mangueira". À época moradores denunciaram violações de direitos como o uso de mandado coletivo e chave mestra e abuso de autoridade (http://migre.me/itlxi ). Organizações e moradores se uniram para cobrar a Polícia ( http://migre.me/itlKo )

Estas ocupações são ilegais e inconstitucionais ( leia mais sobre isso aqui: http://migre.me/iwPDv ) e só são possíveis porque os locais em que estas situações se dão são criminalizados, bem como seus moradores, pela “guerra às drogas”. A expressão “guerra às drogas” deixa explícita a moldura bélica que dá a tônica do controle social exercido através do sistema penal nas sociedades contemporâneas. E em nome da proteção do potencial mal que as drogas causariam são cometidas atrocidades e ilegalidades, como se elas fossem necessárias. Na sexta-feira (21), Cabral solicitou à presidente Dilma Rousseff que fosse decretada Garantia de Lei e da Ordem (GLO), que confere poder de polícia às Forças Armadas por prazo e local determinados. O pedido foi aceito oficialmente na segunda, 24 de abril.

A “guerra às drogas” não é uma guerra contra as drogas. Não existe guerra contra objetos. A guerra às drogas é, como qualquer outra na história da humanidade, contra pessoas, especialmente os vendedores varejistas localizados em territórios empobrecidos e apartados locais de moradias ou de quem quer que, pobre, não branco, marginalizado e desprovido de poder, a eles se assemelhe, como é o caso dos moradores da Maré.

A “guerra às drogas”, como quaisquer outras guerras, naturalmente também mata os que são colocados do outro lado do “front”: os policiais encarregados do “combate” e consequente eliminação dos escolhidos para cumprir o papel de “inimigos”.

Somos da Maré e Tenho Direitos

Desde o ano passado organizações não governamentais que atuam na localidade e a Anistia Internacional firmaram parceria para o acompanhamento e documentação das ações que a polícia tem feito na Maré nos últimos meses. A campanha se chama "Sou da Maré e Tenho Direitos".

O registro, feito por jornalistas e fotógrafos profissionais vinculados às instituições parceiras, conta com a colaboração de moradores e trabalhadores da Maré e tem o objetivo de mostrar os fatos sob o ponto de vista de quem mora, trabalha e cria os seus filhos no maior complexo de favelas do Rio de Janeiro.

Desmilitarização da Polícia

Diante das arbitrariedades cometidas pela polícia, o clamor pela desmilitarização tem ganhado adeptos que militam pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51/2013, que começa a tramitar no Senado, visando “reestruturar o modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo policial”.

A necessária e urgente desmilitarização requer muito mais do que isso. A militarização das atividades policiais não surge da mera (ainda que aberrante) vinculação das polícias militares ao exército, ou da mera existência de polícias denominadas militares. Mas, muito mais do que isso, a militarização das atividades policiais não é apenas uma questão de polícias. Não são apenas as polícias que precisam ser desmilitarizadas. Muito antes disso, é preciso afastar a “militarização ideológica da segurança pública”, amplamente tolerada e apoiada até mesmo por muitos dos que hoje falam em desmilitarização.

A necessária desmilitarização pressupõe uma nova concepção das ideias de segurança e atuação policial que, afastando o dominante paradigma bélico, resgate a ideia do policial como agente da paz, cujas tarefas primordiais sejam a de proteger e prestar serviços aos cidadãos. A prevalência dessa nova concepção não depende apenas de transformações internas nas polícias e na formação dos policiais. Há de ser, antes de tudo, adotada pela própria sociedade e exigida dos governantes.

Sem o fim do paradigma bélico que dita a atuação do sistema penal, qualquer proposta de desmilitarização das atividades policiais será inútil. Sem o fim da “guerra às drogas” não haverá desmilitarização das atividades policiais. Uma efetiva desmilitarização das atividades policiais só será possível através de uma necessária e urgente mobilização para romper com a proibição e sua política de “guerra às drogas” e realizar a legalização e consequente regulação da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas. (Leia mais sobre desmilitarização aqui: http://migre.me/iwQGT)

domingo, 19 de janeiro de 2014

RJ: Em respeito à dignidade, justiça proíbe divulgação de fotos de indiciados



A 1ª Vara de Fazenda Pública da Capital determinou que, em se tratando de pessoas presas provisoriamente, o Estado do Rio de Janeiro, por meio de seus agentes públicos – delegados de polícia, policiais militares, agentes da SEAP, entre outros –, somente divulgue, em princípio, o(s) nome(s) do(s) acusado(s), a descrição dos seus atributos físicos juntamente com o(s) fato(s) imputado(s), sem qualquer divulgação de imagem ou foto. A decisão, em caráter liminar, dispõe, ainda, que, caso não opte pela divulgação nos termos indicados acima, o Estado deverá motivar previamente as razões para a exibição do encarcerado provisório.

A Ação Civil Pública foi proposta pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro sob a alegação de que ocorrem inúmeros equívocos cometidos pelo Estado ao expor pessoas presumidamente inocentes e que tiveram seus rostos divulgados, salientando que policiais militares, se acusados de prática criminosa, recebem tratamento diverso por força de diploma legal.

Em sua defesa, o Estado do Rio de Janeiro sustentou que a eventual divulgação de imagem de indiciados é importante para levar ao público a notícia da suspeita sobre determinado indivíduo, criando a possibilidade para que eventuais testemunhas reconheçam o efetivo envolvimento daquela pessoa nos crimes investigados pela Polícia Civil. Ressalta, ainda, o Estado, que, nesses casos, é assegurado o necessário respeito à dignidade e à imagem dos indiciados.

domingo, 10 de março de 2013

Pesquisa questiona UPPs como programa de Segurança Pública





Policial do Vidigal fala de rotina em favela pacificada

Por Henrique de Almeida, no Jornal do Brasil

Implantado desde 2008 no cotidiano da cidade do Rio, o termo UPP(Unidade de Polícia Pacificadora) virou algo comum no cotidiano carioca. Um estudo do Instituto de Estudos da Religião (ISER), publicado na Revista do Instituto de número 67, no entanto, questiona a segurança pública do Estado com a seguinte questão: a implantação das UPPs pode ser considerada um programa de segurança pública?

Ao Jornal do Brasil, os pesquisadores explicaram que a pesquisa envolveu quatro diferentes comunidades: Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana; Morro do Borel, na Tijuca; Morro da Providência, no Centro e Favela do Batan, na Zona Oeste do Rio. Foram realizadas 124 entrevistas entre agosto de 2010 e setembro de 2011. Nos casos da Providência e dos Tabajaras, foram necessárias duas períodos distintos de convivência no local para fazer o trabalho de campo.

José Mariano Beltrame, Secretário de Segurança (à esquerda)
e Sérgio Cabral, governador, elegeram as UPPs como prioridade desde
que Cabral assumiu, em 2008
Segundo André Rodrigues, pesquisador associado ao Iser, o saldo final da pesquisa foi um número muito maior de perguntas do que de respostas. Porém, ele analisa a principal problemática das UPPs enquanto programa de segurança pública como sendo a própria definição vaga do conceito de Unidade de Polícia Pacificadora:

“A UPP ainda não pode ser pensada enquanto um modelo de policiamento, pois o que encontramos em campo foi um conjunto de práticas e percepções de caráter muito experimental e vinculado às práticas cotidianas. É preciso ter um programa, de fato, que regule e oriente as ações das UPPs em seu conjunto, para não deixar a cargo do comandante a autorização ou a liberação de determinadas práticas, tais como os bailes funks e diferentes atividades comerciais no local”, explicou ele.

O próprio decreto que regulamenta as UPPs, (nº42.787, 6/01/2011), foi criado mais de dois anos depois da instalação da primeira Unidade, no Morro Santa Marta, em Botafogo. A pesquisa, porém, não deixou de ressaltar os avanços que as UPPs trouxeram às comunidades pacificadas (eram 22 Unidades na época da realização da pesquisa, hoje já são 32):

“A implantação das UPPs promove a redução dos horizontes de morte violenta. A substituição do modelo de incursões continuadas e violentas, em que a polícia entrava e saía desses territórios, por um modelo em que a polícia entra e permanece (tentando eliminar o controle armado de grupos criminosos) é um ganho considerável na produção das rotinas nessas favelas”, analisa. 

Raíza Siqueira, que organizou a publicação juntamente com André e Maurício Lissovsky, ressalta que a convivência entre moradores e policiais, porém, não é tão tranquila quanto se poderia pensar:

“O "cessar fogo" tem implicações muito consideráveis na vida cotidiana dos moradores. Não se pode dizer, no entanto, que a relação entre a polícia e os moradores é próxima. Durante muitos anos, os moradores dessas favelas sofreram com a violência entre traficantes e policiais. Assim, a desconfiança é, ainda em muitos casos, uma marca dessa relação”, descreve Raíza.

O próprio estudo relembra a existência do Grupo de Policiamento de Áreas Especiais, criado em 2000 para atuar na área do morro do Pavão/Pavãozinho, em Copacabana. Porém, segundo a pesquisa, o GPAE “não teria garantido o que a UPP, na época da pesquisa, conseguiu: reduzir os tiroteios”.

O nome, a princípio, era Grupamento de Policiamento em Áreas de Risco (GPAR), mas foi modificado para evitar estigmas com relação às áreas de favelas. O saldo final da pesquisa é de que ainda não foram desenvolvidos processos de construção de identidade policial que desenvolvam ferramentas para que a UPP seja mais valorizada. Em suma, o recado é: sem auto-análise, as UPPs correm risco de degradação. 

Depoimentos de um Policial

Relação entre policiais e moradores da comunidade
é um dos maiores desafios das UPPs
Um policial que trabalha em uma UPP na Zona Sul do Rio, que não quis ser identificado e não está entre as comunidades pesquisadas, contou ao Jornal do Brasil um pouco da sua rotina. Falou sobre um dos temas da pesquisa na relação entre policiais e moradores: as expectativas profissionais dos que trabalham nas unidades.

“Eu diria que lá existem três grupos: os que estão ali “cumprindo pena” e que mal podem esperar para integrar os batalhões especiais; os que usam a polícia como trampolim para alcançar um objetivo; e os que não estão nem aí para nada e só querem saber do soldo no fim do mês”, contabiliza ele, que deixa claro que quer se tornar integrante do Batalhão de Operações Especiais (BOPE).

Segundo o policial, o cotidiano na favela pode ser bem complicado na relação com os moradores. “A comunidade não vê o policial como um agente de segurança, e sim como um agente do governo que está ali para solucionar todos os seus problemas. Diversas vezes também fazemos o papel de SAMU, realizando os primeiros socorros e fazendo o transporte de emergência ou ainda de sociólogos tentando resolver problemas no seio de uma família. Diversas vezes a comunidade também nos procura para resolver um problema com água ou de obras”, relata ele, que disse, porém “não ter do que reclamar” da recepção dos moradores à chegada da UPP.

A UPP, obrigatoriamente, abriga somente policiais recém-formados em suas 32 unidades atuais. No entanto, o policial relata problemas na formação oferecida durante os meses de curso: 

“O treinamento para atuar em UPPs no geral é fraco. Há muito tempo vago, que poderia ser melhor utilizado. Os instrutores têm vasta experiência na profissão de Policial Militar, entretanto pode-se contar nos dedos quantos deles atuaram realmente numa UPP e passam pela experiência e não pela teoria”, analisa ele.

O próprio policial avalia a mudança de comportamento da Polícia Militar e da política de segurança pública no Rio nos últimos anos. “Não tem nexo usar apenas repressão. A política mudou. Esse não é o esperado de nós. Diversas áreas do governo dançam conforme a música. Com o policial não é diferente”, pondera ele.

O soldado, contudo, não poupa o que ele chama de “erros” em todas as instâncias da sociedade com relação às UPP: “Há erros dos policiais, muitos por falta de vontade de trabalhar ou falta de perícia; de muita gente na sociedade que fala mal da polícia mas usa drogas e acha que está tudo bem. E do próprio governo do Estado, que deixou a situação chegar onde chegou e agora inventou a UPP que é uma missão política para deixar o RJ bonito para os eventos futuros”, dispara. É algo para se refletir.

(Grifos meus)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Número de desaparecidos subiu em áreas dominadas por milícias, revela pesquisa




Estudo “No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro” mostra que os grupos paramilitares têm ampliado sua atuação em comunidades pobres do Rio, sobretudo na Zona Oeste, mas agora com muito mais discrição

ANTÔNIO WERNECK - O Globo


Sob controle. A visão panorâmica de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, favela dominada por uma milícia e que foi ocupada por militares do Exército para o período das eleições - CUSTÓDIO COIMBRA/15-05-2012 / O GLOBO


Sitiadas esta semana por militares no Rio (que ocuparam suas área de atuação), discutidas na disputa eleitoral e combatidas pelas polícias estaduais, as milícias parecem um vírus: driblam a repressão e continuam fortes, matando tanto ou mais do que no passado, revela uma pesquisa inédita coordenada pelos sociólogos Ignácio Cano e Thais Duarte, do Laboratório de Análise da Violência (LAV), da Uerj. Tratadas como um câncer no passado, suas ações atuais sugerem uma mutação. As milícias têm ampliado sua atuação em comunidades pobres do Rio, sobretudo na Zona Oeste, mas agora com muita mais discrição. No lugar de expor os corpos das vítimas de execuções sumárias, os grupos paramilitares agora desaparecem com os cadáveres.



O aumento do número de registros de pessoas desaparecidas nessas áreas é a principal descoberta da pesquisa, batizada de “No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro”. Um detalhe que também apareceu na estatística de violência divulgada este mês pelo Instituto de Segurança Pública (ISP): enquanto o número de homicídios dolosos (quando há intenção) caiu 26% em todo o estado em agosto deste ano em comparação com o mesmo período de 2011, os registros de desaparecimento cresceram 10%. Nas áreas de milícias citadas na pesquisa, o aumento no mesmo período foi maior: saltou de 51 registros em agosto de 2011 para 66 casos no mesmo mês deste ano, um acréscimo de 29%.

Agiotagem é nova atividade

Todos os moradores entrevistados na pesquisa relataram histórias de assassinatos de pequenos criminosos e pessoas que contrariaram os chefes paramilitares. Confirmaram ainda que as milícias estão mais discretas nos seus homicídios, dando sumiço às vítimas.

— Identificamos muitas mortes em áreas de milícia, algumas delas mascaradas através de registros de desaparecimento. Um outro dado que chamou muito a nossa atenção foi a proporção de desaparecimentos em relação ao total de mortes violentas. Essa proporção aumenta nas delegacias de áreas onde há milícias — afirmou Cano.

Ele e Thais também encontraram outras mudanças de perfil nas ações dos grupos paramilitares: no lugar de policiais armados ostensivamente patrulhando as comunidades, surgiu a figura do testa de ferro ou “laranja”. São moradores cooptados pelos milicianos nas comunidades controladas. Isso permite preservar os policiais que comandam as quadrilhas, além de dificultar as investigações.

— Os policiais e outros agentes do Estado continuam desempenhando funções de comando, mas já não expõem sua condição publicamente. Percebe-se que hoje as milícias dependem muito mais de civis, recrutados localmente, para preencher posições subalternas, como a vigilância e a cobrança de taxas — explicou Thais.

A exploração de serviços de transporte e venda ilegal de TV a cabo e acesso à internet continua, mas a pesquisa constatou o crescimento de outra atividade: a agiotagem.
— O grau de intimidação dos moradores que nós encontramos desta vez foi muito maior do que constatamos há quatro anos. As pessoas demonstraram um grande pavor ao falar sobre o tema, como se temessem retaliação — disse Ignácio Cano.

A pesquisa abrangeu um longo período (2008-2011) e foi concluída este ano. Foram ouvidos 46 moradores, além de juizes, promotores e delegados com papel na repressão aos grupos paramilitares. Também foram consultados dados do Disque-Denúncia, da CPI das Milícias na Alerj e estatísticas do ISP. O trabalho teve o apoio da Fundação Heinrich Böll e será lançado oficialmente no próximo dia 10, às 18h, no campus Maracanã da Uerj.

— “No sapatinho” foi a expressão mais utilizada pelos entrevistados para se referir ao novo estilo das milícias, por isso o nome do trabalho — lembrou a pesquisadora.

Milícia é comparada a vírus mutante

A pesquisa é continuação e atualização de um primeiro estudo do LAV sobre a atuação das milícias no Rio, publicado em 2008 sob o título “Seis por meia dúzia? Um estudo exploratório do fenômeno das chamadas milícias no Rio de Janeiro”. Cano e Thais observaram que, em 2008, “as imagens biológicas que surgiram sobre as milícias eram a de um câncer ou de uma doença autoimune, de forma que as células que deveriam proteger o corpo social se dedicavam a ameaçá-lo”.

— No momento atual, a nova imagem biológica da milícia é a de um vírus, que apresenta mutações constantes para se adaptar às novas condições e, dessa forma, supera as vacinas e os remédios criados para combatê-lo — afirmou Thais.

Os dados permitiram aos pesquisadores visualizar a distribuição geográfica das milícias e acompanhar as oscilações das denúncias sobre as quadrilhas. Segundo o estudo, a atuação dos paramilitares atingiu o ápice em 2009, caindo pela metade em 2010 e voltando a se intensificar em 2011.

A principal conclusão do trabalho é a necessidade de criar formas de eliminar “o controle social autoritário e ilegal que existe secularmente nas comunidades de baixa renda”.

Uma dessas medidas foi anunciada esta semana pela presidente Dilma Rousseff: ela sancionou uma lei que altera artigos do Código Penal para incluir a tipificação desse crime, aumentando a pena para homicídio e lesão corporal praticados por integrantes de milícias. O texto prevê pena de prisão de quatro a oito anos para quem “constituir, organizar, integrar, mantiver ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão” com a finalidade de praticar qualquer crime previsto no código.



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Estado do Rio é condenado por encarceramento degradante

(Imagem ilustrativa)

A 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou nesta quarta-feira, dia 12, em sede de embargos infrigentes, o Estado do Rio ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2 mil a cada um dos presidiários da 110ª Delegacia de Polícia de Teresópolis/RJ, por força de encarceramento em condições degradantes.  

O Estado do Rioreconheceu no processo os fatos alegados pelos presos, mas, com apoio na tese da reserva do possível, afirmou que o sistema carcerário é caótico em todo o País, e que conceder indenizações por danos morais serviria apenas para retirar do Poder Público os recursos que poderiam ser utilizados para a melhoria do sistema prisional.

A primeira instância havia julgado procedente o pedido, mas a 14ª Câmara Cível, por maioriade votos, durante o julgamento da apelação, afastou o direito com base na reserva do possível. O voto vencido do desembargador Luciano Rinaldi de Carvalho, que gerou os embargos infrigentes, foi agora confirmado pela 7ª Câmara Cível do TJRJ por 5a0, que teve como relatora a desembargadora Maria Henriqueta do Amaral Fonseca Lobo.

“Urge reconhecer que a crueldade no cumprimento da pena se configura diante da superlotação carcerária e do tratamento desumano aos presos. In casu, os autores não tem camas, ou mesmo espaço suficiente para dormirem todos no chão ao mesmo tempo (o que já seria indigno). A aeração é insuficiente e a umidade excessiva. Também falta luz solar e local apropriado para as necessidades fisiológicas dos presos. Tudo a contribuir na proliferação de bactérias, fungos, vermes e vírus, além das mais diversas doenças. Não é demasiado asseverar, nessa linha de raciocínio, que o tratamento dispensado aos presos no Brasil equivale a verdadeiro delito de tortura”, afirmou o desembargador Rinaldi no voto vencido quando da apelação.  

O acórdão dos embargos infringentes ainda não foi publicado. Cabe recurso da decisão.

Processo nº 0009573-98.2005.8.19.0061


domingo, 22 de julho de 2012

Beltrame minimiza pesquisa sobre política de segurança do Rio



O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, minimizou o resultado de pesquisas recentes que apontam falhas na política de segurança do Estado baseada na pacificação de favelas. Para ele, a conquista da paz é um benefício que se sobrepõe aos problemas que ainda persistem.

“O que é preciso entender é que, por mais problemas que você tenha [apontados] em pesquisas, você tem infinitamente resultados muito mais positivos do que negativos”, disse.

Na última semana, uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes, apontou que 59% dos policiais que atuam nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) se consideram despreparados para o trabalho.

Segundo o estudo, 60% desses policiais gostariam de deixar as UPPs e mudar de função dentro da Polícia Militar. De acordo com a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC, os oficiais das UPPS se consideram policiais de segunda categoria.

Para Beltrame, a atual política de segurança ainda está sendo aprimorada e as UPPS podem apresentar falhas “porque você está mexendo em 40 anos de descaso, de abandono e de ausência de qualquer política pública”, disse.

“É necessário que as pessoas se convençam de que isto é um processo, não é um produto de prateleira. Você não compra a paz, você a conquista”, afirmou Beltrame que participou de um simpósio sobre segurança em eventos esportivos, no Rio.

De acordo com ele, todas as pesquisas sobre segurança pública no Estado do Rio são analisadas pela Secretaria de Segurança “para que nós possamos fazer a verdadeira análise do que eles [os pesquisadores] entendem como falhas”. O objetivo é aprimorar a formação de novos policiais levando em conta os problemas indicados.

(Guilherme Serodio | Valor)

quinta-feira, 5 de abril de 2012

RJ: Programa Mais Polícia regulamenta trabalho nos dias de folga


Governo do Estado lança decreto que regulamenta trabalho de policiais, bombeiros e agentes penitenciários nos dias de folga

Notícia publicada no site da SSP-RJ
Não reflete a opiniçao do Blog

O governador Sérgio Cabral assinou ontem o decreto de criação do Programa Mais Polícia, que regulamenta as condições para que policiais civis e militares, bombeiros e agentes penitenciários possam trabalhar de forma legal em suas horas de folga. Graças a esse novo Programa, as Secretarias de Segurança, Defesa Civil e de Administração Penitenciária passam a contar com uma poderosa ferramenta para ampliar seus efetivos em situações especiais ou sempre que necessário, garantindo a qualidade de prestação de seus serviços à população.


Regulamentado pelo Decreto nº 43.538/2012, publicado hoje no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, o Programa Mais Polícia representa uma alternativa mais vantajosa ao “bico”, que expõe os profissionais de segurança pública a condições sem garantias trabalhistas em serviços privados de segurança. Além disso, permitirá utilizar esses servidores durante seu período de folga como reforço na segurança pública de grandes eventos internacionais programados para o Rio de Janeiro, como a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (“Rio+20”); a Copa das Confederações da Fifa e a Jornada Mundial da Juventude Católica, ambas em 2013; a Copa do Mundo FIFA de 2014; e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Verão de 2016.


O decreto cria o Regime Adicional de Serviços (RAS) para as quatro categorias beneficiadas, em sistema de turnos adicionais com escala diferenciada e sem prejuízo da escala regular de serviço.

Com o decreto, o Governo estadual passa a contar com dois programas que ajudam na gestão dos efetivos de servidores da área de Segurança Pública: o Mais Polícia e o Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis) da Secretaria de Segurança.


O Proeis, que desde o ano passado já conta com 1.266 policiais militares participantes, permite que PMs trabalhem durante suas horas de folga para entidades da administração indireta e direta estadual, Municípios e concessionárias de serviços públicos, através de convênio. Já assinaram convênio com o Proeis as empresas Codin, Supervia e Light e as Prefeituras de Rio de Janeiro, Queimados, Itaperuna e Macaé.


As secretarias de Estado beneficiadas pelo Mais Polícia terão agora que regulamentar as regras para que seus servidores possam se inscrever no Programa. Essas regras devem ser divulgadas ainda no mês de abril. O decreto assinado pelo governador prevê que, enquanto estiverem trabalhando sob o regime do RAS, os policiais, bombeiros e agentes penitenciários terão garantidos todos os benefícios trabalhistas que já possuem em suas respectivas secretarias.


O Programa Mais Polícia e o Proeis dão aos gestores da Segurança Pública do Estado do Rio importantes alternativas para remanejar, de forma estratégica, seus servidores para áreas onde os efetivos ainda estão aquém do adequado.
Em termos de orçamento, o novo programa não irá onerar a folha de pagamento nem pressionar os gastos com previdência. Além disso, permitirá aos servidores aumentar seus vencimentos de forma vigorosa, sob a proteção da legislação trabalhista, o que não acontece quando eles fazem “bicos” informais.


No caso do Proeis, os encargos são de responsabilidade dos órgãos contratantes, como prefeituras e concessionárias de serviços públicos. Inclusive, caso desejem, esses contratantes podem pagar aos policiais remunerações acima do que está definido no decreto. Já no Programa Mais Polícia, os custos ficam sob responsabilidade do governo do Estado.

sábado, 7 de janeiro de 2012

UPP: Unidade de Polícia Pacificadora ou um projeto de poder?


Por Leonardo Martins*, no JB

Tenho acompanhado de perto a relação entra as UPPs e as comunidades que por elas são “atendidas”, o que possibilitou fazer uma leitura do que acontece e do que vai acontecer.

Primeiro gostaria de dizer que as UPPs estão fadadas ao fracasso. Após ouvir algumas teorias, que respeito muito, sobre as UPPs estarem sendo implementadas num “cinturão” privilegiado, visando a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, apesar de terem uma certa razão, acho sinceramente que o buraco é muito mais embaixo do que parece.

O primeiro passo de implementação da Unidade de Polícia Pacificadora é o anúncio acerca da Comunidade que será “pacificada”. Apesar de encontrar vozes contrárias a esta forma de atuação, acho que está perfeita, por evitar confrontos desnecessários, com possíveis balas perdidas e, muito provavelmente, banho de sangue. Ponto para SSP.

O passo seguinte deveria ser a criação de uma polícia comunitária autônoma da Polícia Militar, que trabalharia nas comunidades pacificadas em sistemas de rodízio – a cada 6 meses os integrantes trocariam de comunidades – minimizando, desta forma, possíveis “milícias”. Este ponto específico tratarei em um próximo artigo.

Mas o projeto não é esse. As UPPs são, antes de tudo, um projeto de poder, de controle de um espaço tradicionalmente submetido à opressão. Os novos Capitães, que comandam as UPPs são os novos “donos do pedaço”, em substituição aos traficantes que ali se encontravam. Autorizam bailes, mandam baixar o som dos moradores, escolhem as músicas que os moradores podem escutar, determinam horário e condutas pessoais, intimam e intimidam àqueles que tem uma opinião mais crítica acerca da função da polícia, como por exemplo o fechamento da rádio comunitária do Andaraí, pela Polícia Federal, sobre o pretexto de rádio pirata e atrapalhar o tráfego aéreo.

Nesse compasso, para o êxito do projeto, há apenas um entrave: a Associação de Moradores. Um arremedo de solução começou com a tentativa de associar os presidentes das Associações de Moradores ao tráfico de drogas, como ocorreu com Laéria Meirelles, presidente da Associação de Moradores do Morro da Formiga, que foi presa sob esta acusação. A partir da prisão da Laéria, alguns presidentes, quando se opunham às ordens dos Capitães, como me foi relatado, ouviam a seguinte “recomendação”: cuidado, presidente, lembra do que aconteceu com a Laéria? Infelizmente, alguns presidentes foram cooptados, seja por medo, seja por qualquer outro motivo, não oferecendo nenhuma resistência. Até quando?

Ainda na esteira de “comandar” também a associação de moradores, numa tentativa de acabar com oposições às políticas e críticas ao Governo, as UPPs informaram que vão organizar as eleições para as Associações de Moradores[1]. Embora pareça e, na minha opinião é, um golpe, ainda não garante o domínio absoluto do território, uma vez que o eleito pode não ser o da base governista ou pode mudar de lado.

Percebendo a fragilidade desta relação, o governo do Estado criou então a UPP Social, transferido para a Prefeitura, que consiste na criação de núcleos, um em cada comunidade, como uma “frente de trabalho”, para pesquisar às demandas necessárias às comunidades, fazendo a intercessão com as agências de serviços públicos e trazendo respostas às demandas. Cada núcleo, ou seja, cada comunidade, terá um”Gerente”, que é um funcionário do governo, no caso da Prefeitura, que será o novo responsável pelo articulação comunidade-demanda por serviços públicos.

Este trabalho tem como finalidade o esvaziamento das Associações de Moradores, usurpando as suas funções, deslegitimando suas lideranças e colocando em xeque a sua existência.

Assim, a comunidade, que já está tomada pelo poder armado do Estado, fica também controlada politicamente. O que significa tudo isso? Para que o Governo arquitetaria um plano tão maquiavélico? A troco de que? A resposta é a mesma encontrada pela CPI das milícias e divulgada pelo filme Tropa de Elite 2: dinheiro e, principalmente, voto. As UPPs, são milícias institucionalizadas pelo Estado, aceitas pela grande mídia e pela “sociedade”. As UPPs são, antes de mais nada, Um Projeto de Poder.

*Advogado, especialista em Segurança Pública, pós-graduando em Sociologia Urbana

Via Jornal do Brasil

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Violência Policial, Execução Sumária e Linchamento retratados pela imprensa de SP e RJ nos últimos 20 anos


Por Cecília Olliveira

O Banco de Dados do NEV-USP está disponibilizando os seus recentes dados sobre Violência Policial, Execução Sumária e Linchamento nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, com o objetivo de tornar pública a sua pesquisa de Monitoramento sobre as violações dos Direitos Humanos a partir do número de vítimas constatados. A pesquisa engloba dados que vão de 1980 até 2010.

Em São Paulo, entre 1980 até 2010, 18.195 pessoas foram vítimas de violência policial. O número soma vítimas fatais e feridas. Já no Rio de Janeiro, este número é da ordem de 10.095.

Sobre execução sumária, São Paulo registrou 14.355 casos, ante 5374 executados no Rio de Janeiro. Vale destacar que em 1980, oito pessoas foram executadas em São Paulo. O patamar baixo deste crime se manteve durante a primeira metade da década de 80, mas o número pulou para assustadores 2624 executados em 2000.

Clique nos links a seguir para ter acesso aos dados.


Os dados fazem parte do "Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos", que é contínua, com dados de 1980 até os dias atuais. Feita sob a coordenação de Paulo de Mesquita Neto, a pesquisa busca informações nos Jornais do eixo Rio-São Paulo, mais especificamente, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário de S. Paulo, O Globo e O Dia. O material mais antigo inclui notícias provenientes do jornal Notícias Populares e, eventualmente, já foram anexadas notícias dos jornais Gazeta Mercantil, Jornal da Tarde e Folha da Tarde. A coleta de dados nestes últimos periódicos não é sistemática, mas ocorre quando há a publicação de algum tema de relevância para as pesquisas desenvolvidas pelo NEV/USP.

As tabelas disponíveis para download são provenientes da pesquisa "Monitoramento das graves violações de direitos humanos", à qual pertence o” Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações de Direitos Humanos”, levantamento que reune notícias publicadas em jornais desde 1980 até os dias atuais, para o monitoramento de três temas: Violência Policial, Linchamento e Execução Sumária.

É um universo de 21.231 casos registrados, extraídos de 28.125 notícias publicadas. O banco de dados da imprensa não trabalha com amostragem, reunindo todos os casos publicados nas principais fontes de coleta.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Anistia Internacional diz que assassinato de juíza expõe graves problemas de segurança pública no Rio


A execução da juíza Patrícia Acioli expõe “os profundos problemas de corrupção policial e de crime organizado” no Rio de Janeiro, segundo nota divulgada hoje (16) pela Anistia Internacional.

A magistrada, que trabalhava na Vara Criminal de São Gonçalo, no Grande Rio, foi morta com 21 tiros na noite de quinta-feira (11), no município de Niterói.

“A morte de uma juíza que estava simplesmente realizando seu trabalho foi um golpe no Estado de Direito e no sistema judicial no Brasil”, diz, por meio da nota, o representante da Anistia Internacional no Brasil, Patrick Wilcken. “As autoridades precisam fazer uma investigação profunda e independente para levar os responsáveis à Justiça.”

De acordo com a Anistia Internacional, não basta julgar os culpados pelo crime. As autoridades federais, estaduais e municipais precisam dar proteção aos envolvidos na investigação e no julgamento de policiais corruptos e quadrilhas.

Na nota, a Anistia Internacional assinala que Patrícia julgava, há anos, processos sobre crimes cometidos por grupos de extermínios, milícias e quadrilhas de traficantes que agem na região metropolitana do Rio de Janeiro. A juíza foi responsável pela condenação de cerca de 60 policiais envolvidos em atividades criminosas.

Embora mais de 500 milicianos tenham sido presos e da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, em 2008, pela Assembleia Legislativa do Rio, pouco foi feito para combater as atividades econômicas ilegais que abastecem esses grupos no estado, destaca a nota da Anistia Internacional.

“A polícia e as autoridades municipais e estaduais têm fechado os olhos para as grandes redes de serviços de transporte, gás e telecomunicações mantidos pelas milícias, que continuam a operar impunemente no Rio”, disse Patrick Wilcken, por meio da nota. Para ele, é necessário reprimir o mercado ilegal que sustenta a corrupção policial e o crime organizado no Rio de Janeiro.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Autos de resistência: "chacinas" do dia a dia


Governo anuncia mudanças no procedimento na apuração de homicídios praticados por agentes do estado, os autos de resistência. Rio tem 24 mil vítimas sem identificação em 10 anos

Por Cecília Oliveira

Levantamento feito pelo Ministério Público este mês revela que a Polícia do Rio de Janeiro deixou de esclarecer 60 mil homicídios nos últimos dez anos. Entre as vítimas, 24 mil sequer foram identificadas. De acordo com o Mapa da Violência 2011, O Rio está perto da média nacional de 8% de elucidação dos crimes. Vale ressaltar que dentro deste índice, já baixo, estão os crimes elucidados “na hora”, com prisões flagrantes, e que não exigiram os esforços tradicionais de uma investigação que comece do zero. Muitos dos crimes que entram nestes 8%, só são desvendados quando ganham publicidade nacional e internacional, como é o caso da Chacina da Candelária, que completa esta semana, 18 anos. Na ocasião, oito meninos em situação de rua foram assassinados nas imediações da Igreja da Candelária, um dos prédios mais conhecidos do Centro do Rio de Janeiro. Três policiais militares foram condenados pelo crime, o que não acontece sempre.

Para Bárbara Musumeci Soares, antropóloga e organizadora do livro “Autos de Resistência: Relatos de familiares de vítimas de violência urbana”, o baixo esclarecimento é um dos motores da violência. “Sem esclarecimento dos crimes não há punição e, sobretudo, não se aprende com o problema, para torná-lo controlável e evitável. Ficamos condenados à eterna repetição e a uma naturalização perversa do sofrimento dos que se encontram em posição mais vulnerável frente à violência”.

Autos de Resistência

Para além das chacinas, os autos de resistência (categoria ausente no Código de Processo Penal que foi criada na ditadura para evitar a prisão em flagrante de policiais que cometiam um homicídio supostamente em legítima defesa) também engrossam as estatísticas de crimes não solucionados no Estado.

De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2009 foram 1.048 registros deste crime, em 2010 foram 855. Só no primeiro trimestre de 2011, já foram registrados 168 homicídios por parte de agentes do Estado. Uma média de 56 mortos por mês. Em São Paulo, guardadas as devidas proporções, a média mensal é de 20 mortos a menos: 36, ainda alta.

Bárbara Musumeci lembra que o Brasil é signatário de acordos e convenções internacionais sobre o tema e possuí um conjunto de planos e propostas para enfrentar a letalidade das polícias. Além disso, em Janeiro de 2011, o Governo Federal publicou uma Portaria Interministerial que estabelece Diretrizes sobre o uso da força e armas de fogo pelos agentes de segurança pública, mas ressalva: “Todas as medidas voltadas para conter a ação letal das polícias e a vitimização de policiais são, evidentemente, muito bem vindas. A questão é como implementá-las e incorporá-las à cultura policial”.

Diante deste cenário, a Secretaria de Segurança Pública, através das polícias civil e militar, estipulou novos procedimentos para apuração de autos de resistência. A PCERJ adotou, através da portaria 553/2011, diretrizes básicas a serem observadas pelas autoridades policiais quando se tratar da apuração de autos de resistência. A partir de então, os delegados que registrarem este tipo de ocorrência devem – além de outras obrigações - acionar imediatamente uma equipe para isolar o local, solicitar equipe de perícia e apreender as armas dos policiais envolvidos. Já a PMERJ anunciou no dia 13 de julho o Plano de Acompanhamento de Autos de Resistência, que, de acordo com o Comandante geral da Corporação, permitirá que a entidade adote medidas administrativas antes mesmo que as jurídicas sejam solicitadas. Isto porque um policial só pode ser expulso depois da condenação judicial final. Foram estabelecidas ainda pela SSP, metas de redução dos índices de autos de resistência, que atualmente somam entre 10% e 14% das infrações totais do estado.

“Este Plano de Acompanhamento parece uma medida interessante por um lado, porque aumentam as exigências de controle e notificação dos autos de resistência, mas, por outro, sendo executado pela própria corporação pode permitir que a situação seja manipulada de alguma forma. Seria interessante que este controle da polícia, fosse de fato externo”, pondera Rodrigo Nascimento, membro da vertente Direitos Humanos do Observatório de Favelas.

O Ministério Público é o órgão responsável pelo controle externo da Polícia e no Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), ofereceu dia 11 deste mês, quatro denúncias por homicídios qualificados registrados como autos de resistência. Oito policiais militares são acusados de matar seis pessoas durante incursões em favelas. Em todas as denúncias, o MP requereu a suspensão do exercício da função policial militar e a cassação da autorização de porte de arma de fogo. Em todos os casos, logo após a execução das vítimas, os PMs tentaram impedir a realização de perícia no local dos crimes, sob o pretexto de que prestavam ajuda. Eles simularam hipóteses de socorro levando os cadáveres aos Hospitais Getúlio Vargas e Carlos Chagas. Consta na denúncia que a quantidade de disparos efetuados e os pontos dos ferimentos, minuciosamente detalhados nas provas técnicas, indicam que as vítimas não tiveram qualquer chance de defesa.

"O contexto probatório, sem sombra de dúvida, revela situação de extrema gravidade em que policiais militares em serviço atuaram em atividade típica de grupo de extermínio. O proceder ilícito dos denunciados, agentes da Segurança Pública, viola princípios fundamentais de Direitos Humanos e exige reprimenda sob pena de se colocar em risco a credibilidade do próprio Estado Democrático de Direito", destaca o Promotor de Justiça, Alexandre Themístocles.

#OndeestáJuan

Por pouco o assassinato de Juan Moraes não entra para a estatística do MP. O garoto de 11 anos, que sumiu em 20 de junho durante ação da PM na favela Danon, em Nova Iguaçu, revelou uma série de fragilidades do sistema policial do estado: a busca começou 9 dias após o sumiço de Juan; uma testemunha, Wanderson de Assis, de 19, foi preso como traficante; o corpo achado – 10 dias depois –, foi inicialmente identificado como sendo de uma menina; 25 dias após o incidente é que foi solicitado o exame de balística. O caso ainda está aberto.

Comoção e mobilização da sociedade cobraram o poder público para que o desaparecimento do Juan não se somasse aos demais casos do estado. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, nos quatro primeiros meses de 2011, 1.929 pessoas sumiram, sem deixar pistas. De 2007 até este ano, foram 22.533. Desaparecer, por si só, não é crime, mas casos como o de Juan se encaixariam nesta estatística facilmente.

Os PMs envolvidos no caso Juan, somam juntos, 37 autos de resistência. Só o sargento Isaías Souza do Carmo, de 48 anos teve o nome envolvido em pelo menos 18 registros (sem contar o caso de Juan). Para Bárbara Soares, este tipo de ocorrência só existe em áreas onde não há cidadania plena, controle da ação policial e transparência das políticas locais. “Acho que isso se deve às conhecidas particularidades da história do nosso estado e de suas sucessivas políticas de segurança”.

Mudanças?

“Esperamos que as mudanças que estamos assistindo atualmente na segurança pública resultem na adoção de medidas realmente capazes de conter a ação violenta das polícias, reduzindo drasticamente o número de cidadãos e cidadãs mortos por policiais, assim como de policiais mortos, pois a vitimização e a letalidade das polícias, são duas faces de uma mesma moeda”, ressalta Bárbara.

Já existe um conjunto de opções para o controle da força policial, coibindo o abuso. São tratados, convenções e relatórios envolvendo gestão de pessoas, qualificação do conhecimento, formação dos policiais, desenvolvimento tecnológico, controle sobre distribuição e utilização dos armamentos, correição etc. Muitas medidas podem ser encontradas em documentos endossados pelo governo Brasileiro, como os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (PBUFAF), do Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes realizado em Havana, Cuba, em 1990; o Relatório sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais, da Organização das Nações Unidas, o Relatório final da “Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar a Ação de Milícias no Ambito do Estado do Rio de Janeiro” (CPI das Milícias), assim como o da 1º Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG), de 2009. “Além de todas as medidas técnicas, é fundamental contar com um governo seriamente comprometido com o controle da violência policial e que sinalize essa intenção de forma clara para suas polícias”, finaliza Bárbara.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

PM do Rio cria plano para analisar casos de autos de resistência


Até o fim do ano, viaturas da corporação estarão equipadas com câmeras

Do IG

A Polícia Mililtar do Rio de Janeiro anunciou nesta quarta-feira (13) que colocará em prática o Plano de Acompanhamento de Autos de Resistência (mortes em confrontos com a polícia).

Um dos objetivos deste plano é fazer com que a corporação conheça cada caso para, depois, desenhar estratégias para sempre melhorar a atuação da polícia. Segundo o corregedor da PM, coronel Ronaldo Menezes, todas as informações possíveis sobre as mortes serão apuradas, desde o depoimento dos envolvidos até possíveis provas técnicas colhidas por peritos.

"A delegacia vai mandar o registro, vamos ouvir todo mundo e, a partir daí, o caso vem para a corregedoria, onde passará por uma análise e acompanhamento. Se for o caso, poderemos abrir um Inquérito Policial Militar, depende da avaliação. Cada caso é um caso. Depois, o militar envolvido no auto de resistência será encaminhado ao setor de psicologia. Após esse acompanhamento poderemos até deslocar o policial para outra função, se assim for recomendado", explicou o corregedor.


A medida surgiu principalmente após o caso da morte do menino Juan Moraes, de 11 anos. O garoto, segundo o relato de seu irmão Wesley, de 14 anos, teria sido baleado em um confronto entre PMs e traficantes na favela do Danon, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, em 20 de junho. O corpo só apareceu na semana passada. No tiroteio, o próprio irmão de Juan e um jovem foram baleados e um suspeito acabou morto. PMs estão sendo investigados pelo crime.

O comandante geral da Polícia Militar, coronel Mário Sérgio Duarte, ressaltou a importância de a corporação saber como cada policial atua e como aconteceu cada auto de resistência.

"O Rio de Janeiro, por anos, foi tomado por armas de guerra em mãos criminosas, mas precisamos saber distinguir onde está a legítima defesa e onde está o simples descuido com a vida humana", destacou o coronel Mário Sérgio.

Ainda de acordo com o comandante, a medida permitirá que a corporação adote medidas administrativas antes mesmo que as jurídicas sejam solicitadas.

Além desse novo protocolo de atuação, outras mudanças vão acontecer na atuação da corregedoria. A partir de agora, os processos que podem ocasionar em expulsões de militares serão analisados por uma comissão que vai funcionar dentro da corregedoria e não mais nos batalhões.

Cada comissão será composta por três pessoas, sendo uma delas o presidente, que será fixo. Os outros dois componentes serão substituídos a cada três meses.

Na semana passada, a Polícia Civil publicou uma portaria que determina investigação mais rigorosa nos casos de autos de resistência.

Com a medida, os delegados que registrarem este tipo de ocorrência deverão cumprir um roteiro obrigatório, acionando de imediato uma equipe para isolar o local, solicitando equipe de perícia, além da apreensão das armas dos policiais envolvidos. A Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) pode ser chamada se o fato ocorrer em áreas de risco.

Novos carros e equipamentos para a PM

Até o fim do ano, a Polícia Militar estará usando 1.508 novos carros equipados com computadores de bordo e câmeras embarcadas. Nesta terça-feira, a licitação da CS Brasil, vencedora do pregão eletrônico, foi homologada, e a previsão é de que o contrato seja assinado ainda nesta semana. A compra dos equipamentos deve ser concluída até o fim de dezembro.

Segundo o subsecretário de Modernização Tecnológica da Secretaria de Segurança, Edval Novaes, o computador de bordo vai agilizar o trabalho dos policiais nas ruas.

"São dois mil terminais de bordo para instalar, assim como as câmeras. O computador estará conectado à internet e vai permitir que as informações sejam passadas com mais precisão. Estamos desenvolvendo um sistema que vai substituir as ocorrências preenchidas com papel e caneta. O policial vai preencher essa ocorrência no computador e esses dados vão para o batalhão ou, se for o caso de registro, direto para a delegacia, em um sistema integrado com a Polícia Civil", explicou

Já as imagens gravadas pelas câmeras embarcadas serão guardadas por, no mínimo, 60 dias. Somente as que forem solicitadas serão separadas e armazenadas em outro local, onde não serão apagadas.

"É importante para o controle e até para a defesa do próprio policial. A câmera embarcada vai multiplicar a nossa capacidade de observação", disse.

Os novos veículos, das marcas Logan e Blazer, custaram ao Estado cerca de R$ 490 milhões. Já o investimento nos equipamentos está estimado em R$ 32 milhões.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Rio Vermelho: A luta agora é por Anistia e Reconhecimento de direitos


Cecília Oliveira


“No primeiro dia, no batalhão do Bope, não foi bom, eles não deram comida aos presos. Quando eles foram pro quartel dos bombeiros, as condições melhoraram, mas não eram boas”, explica Nara Cristina Martins de Oliveira, tia de um dos bombeiros que foi preso na sexta-feira, dia 3 de junho, e solto após uma semana. Desde então os Bombeiros vem travando uma luta não mais apenas pelo aumento salarial, mas também pelo reconhecimento da categoria e pela anistia dos que foram indiciados. O movimento ganhou as ruas, rompeu as barreiras físicas do estado do Rio e hoje conta com o apoio geral.

Direitos Humanos

Há pouco mais de seis meses, no fim de 2010, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e Ministério da Justiça (MJ) estabeleceram, por meio de portaria interministerial (SEDH/MJ Nº 2), as diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública. A portaria, que não tem força de lei, orienta as políticas de segurança pública desenvolvidas pela União, e atrela a liberação de recursos para estados e municípios ao disposto em seu texto.

A primeira recomendação da Portaria - Adequar as leis e regulamentos disciplinares que versam sobre direitos e deveres dos profissionais de segurança pública à Constituição Federal de 1988 - é uma das ressalvas que o líder do movimento dos Bombeiros, cabo Benevenuto Daciolo, faz. “Há de ser feita uma revisão em nossos estatutos e documentos que validam a conduta do militar. Nosso estatuto é da época da ditadura e com a Constituição de 1988, é preciso rever também as condições dele”, afirma.

Mas os direitos humanos cujas violações foram mais explícitas estão dispostos nos tópicos 32 e 34: “Erradicar todas as formas de punição envolvendo maus tratos, tratamento cruel, desumano ou degradante contra os profissionais de segurança pública, tanto no cotidiano funcional como em atividades de formação e treinamento” e “Garantir que todos os atos decisórios de superiores hierárquicos dispondo sobre punições, escalas, lotação e transferências sejam devidamente motivados e fundamentados”, respectivamente. A Comissão Nacional de Segurança Pública (Conasp), da qual o Observatório de Favelas é membro, visitou os bombeiros presos e constatou que a situação de acomodação dos presos era precária e as instalações inadequadas, incompatíveis com preceitos constitucionais e a dignidade humana.

Há ao menos cinco casos de transferências que não obedeceram esta recomendação da Portaria, bem como a determinação de prisão de dois policiais militares e indiciamento de outro, por terem apoiado os Bombeiros. Todos, sem consonância com o disposto na Portaria: sem justificativa plausível e respeitosa.

Desmilitarização

Toda esta situação trouxe de volta a discussão de um tema que já foi e voltou das gavetas da Câmara, sem sair do lugar: a desmilitarização dos Bombeiros e, por conseguinte, da Polícia Militar. O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), criou uma comissão especial para analisar essas e outras propostas ligadas à área de segurança. Dois projetos relativos à desmilitarização estão parados na casa legislativa desde 2009. O assunto entrou em pauta a primeira vez, ainda no governo Fernando Henrique, em 1997, mas desde então, travado pelo lobby das polícias (PM e PC), que, a depender dos projetos, seriam, além de desmilitarizadas, unificadas. E isso significa perder poder ao delegar tarefas, principalmente para a PM. Desengavetadas as propostas em fevereiro, o assunto começa praticamente do zero.

Submetidos ao Código Penal Militar, os Bombeiros Militares responderão na Justiça Militar Estadual pelos crimes de motim, dano em material ou aparelhamento de guerra, dano em aparelhos e instalações de aviação e navais, e em estabelecimentos militares, podendo pegar até 12 anos de prisão. Assim, só a anistia – cancelamento do delito – pode livrar os Bombeiros da punição.

De acordo com a Constituição, Bombeiros, bem como polícias, só podem ter suas penas perdoadas através da intervenção do presidente da República. Foi o que ocorreu ano passado, quando através da Lei n. 12.191, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Congresso, anistiaram policiais e bombeiros militares do Rio Grande do Norte, Bahia, Roraima, Tocantins, Pernambuco, Mato Grosso, Ceará, Santa Catarina e Distrito Federal processados e punidos por participar de movimentos reivindicatórios. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (22) projeto de lei do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que anistia os bombeiros do Rio de Janeiro. A proposta foi aprovada em caráter terminativo (sem necessidade de ser aprovada em plenário) e segue para análise da Câmara dos Deputados. Se aprovada pelos deputados, a proposta vai à sanção presidencial.

Para o Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo e especialista em Segurança Pública, Azor Lopes, não há motivos que justifiquem a desmilitarização das Polícias e Corpos de Bombeiros, já que as limitações não são problemas exclusivos dos militares e sim, das carreiras públicas, igualmente proibidas de algumas manifestações. “Existem dois problemas decorrentes da militarização: um no campo dos direitos fundamentais voltados aos profissionais de segurança pública e outro no âmbito político. O primeiro refere-se ao fato de que os militares (policiais e bombeiros) são constitucionalmente privados de alguns direitos fundamentais como o da não prisão, da garantia do Habeas Corpus nos casos de transgressões e crimes propriamente militares, da sindicalização, da greve, da acumulação de cargos públicos, da impossibilidade de filiação partidária, da limitação da elegibilidade, da não aposentadoria (eles passam para a reserva e podem ser reconvocados ao serviço ativo). Quanto às questões focadas nos direitos fundamentais do profissional, tenho convicção de que são mecanismos de controle necessários a uma categoria que, em nome do Estado, monopoliza o uso legítimo da força. No que tange ao risco político de sua malversação institucional, acredito que em nosso país não haja mais espaço para esse tipo de governo e que, as forças de segurança tenham amadurecido para deixar de ser uma ‘polícia do governo’ para serem ‘polícias de um Estado democrático de direito", explica.

No tangente à política, Azor justifica que “a vocação dos militares ao respeito incondicional à hierarquia e à disciplina pode induzir as instituições ao cego cumprimento de políticas públicas não democráticas em sociedades em que não há fortes vínculos de cidadania participativa”.

Apoio



Nara Cristina estava em Copacabana no último dia 12, protestando contra a prisão de 439 Bombeiros Militares, junto com outras 27 mil pessoas, todos vestindo vermelho, ostentando cartazes e fitas. Junto com os fluminenses, marcharam também pela liberdade dos bombeiros, policiais militares do Rio de Janeiro, bombeiros de outros estados e até de outros países.

O movimento dos bombeiros ganhou peso e adesão de outros segmentos depois que o Governador do Estado, Sérgio Cabral, chamou os bombeiros grevistas de “vândalos, desordeiros e fanáticos” em entrevista coletiva. De um lado, o ator Sérgio Marone convocou os atores Cássia Kiss Magro, Ary Fontoura, Elizabeth Savalla, Mateus Solano a gravar um vídeo de apoio aos Bombeiros. Por outro, professores da rede pública de ensino aderiram à greve. Jornais de vários países deram espaço à manifestação, enfatizando que o salário dos grevistas era inferior a 500 dólares.

Diante da repercussão do caso, o Governador anunciou o aumento de 5,68% (adiantando aumentos previstos até o fim do ano, somando 11%) para a categoria, o que representa um aumento real de R$60. O aumento foi rejeitado pelos bombeiros, que agora pedem piso salarial de R$ 2900, mais vale transporte. O piso salarial da nova proposta apresentada ao governo inclui policiais militares. “Nossa categoria tem que ser respeitada. Nós temos a segunda maior renda do país e temos o pior salário. Isso não se justifica”, questiona o cabo Benevenuto.

A reunião que aconteceu nesta segunda-feira (20) entre representantes do movimento dos bombeiros e o comandante da corporação, coronel Sérgio Simões, terminou sem acordos.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Manipulação: Caem registros de homicídio, mas mortes violentas de “intenção indeterminada” sobem 70% no Rio

Por Vitor Abdala - da da Agência Brasil

Enquanto as autoridades de segurança do Rio de Janeiro comemoram a queda dos registros de homicídios no estado, dados da Secretaria Estadual de Saúde mostram um aumento expressivo no número de mortes violentas de intenção desconhecida em 2009, inclusive por armas de fogo. Os dados, compilados pela Secretaria de Saúde, são repassados ao Ministério da Saúde, para a elaboração das estatísticas de mortes por causas externas no país.

Os dados já repassados ao Ministério
da Saúde apontam uma queda de 22,2% nos homicídios entre 2008 e 2009. Mas também mostram um aumento expressivo de 73,2% nas mortes por causas externas sem intenção determinada (ou seja, quando não se sabe se foi homicídio, suicídio ou acidente).

Se em 2008, a Secretaria Estadual de Saúde repassou informações sobre a ocorrência de 5.395 homicídios e de 3.261 mortes sem intenção determinada, em 2009, foram repassados os registros de apenas 4.198 homicídios ante 5.647 mortes de intenção desconhecida.


O problema do registro do óbito como de intenção indeterminada é que ele não especifica em que situação ocorreu a morte, diferentemente dos registros classificados como “acidentes de transporte”, “outros acidentes”, “suicídios”, “agressões (ou homicídios)” ou “intervenções legais”.


O sociólogo Ignacio Cano, subcoordenador do Laboratório de Análises da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), diz que o número de mortes violentas sem intenção determinada tem aumentado, sem motivo aparente, nos últimos anos no Rio.

Esse tipo de morte começou a aumentar, mais especificamente, no ano de 2007, quando foram registradas 3.191 ocorrências, 90,4% a mais do que em 2006, quando foram registrados 1.676 óbitos. Em 2008, o número chegou a 3.261. Juntamente com esse aumento, houve uma queda nas mortes registradas como homicídios, que reduziram 11,3% de 2006 para 2007.


O número de mortes sem intenção determinada nos últimos anos é alto mesmo se comparado com a média de 2000 a 2006, que oscilou entre 1.446 (em 2004) e 2.047 (em 2003).


“Historicamente, nos anos 90, a proporção de mortes com intenção desconhecida era muito alta. Aí a Secretaria de Saúde fez um esforço muito grande para diminuir esses dados. Por exemplo, se tinha dois disparos, não podia mais ser suicídio, então já era homicídio. Com isso, se conseguiu reduzir bastante o número de casos de intenção desconhecida. E esse crescimento recente é surpreendente, porque a tendência era uma melhora no Brasil e no Rio”, afirmou Cano.


O total de óbitos por causas externas no Rio de Janeiro chegou a 14.136 em 2009, isto é, 2,4% abaixo de 2008 (14.480). O número de óbitos com intenção indeterminada representou cerca de 40% em 2009. Entre 2000 e 2006, a média de mortes com intenção indeterminada variou de 10% a 13%. Em 2007 e 2008, o percentual já subiu para 21% e 22%, respectivamente.

Para o sociólogo, o grande número de mortes violentas sem intenção determinada é “preocupante” porque os dados do Ministério da Saúde são usados como base para saber se os registros de homicídios divulgados pela polícia são verdadeiros ou se estão sendo manipulados.


“Fico até muito preocupado porque num contexto como esse, em que os dados da polícia mostram uma queda bastante pronunciada dos homicídios, a gente precisa confirmar isso com os dados da saúde. Mas se os dados da saúde vêm com problema, a gente fica muito preocupado. A gente usa os dados da saúde para validar os dados das polícias. Então, quando os dados da saúde têm um problema, é um duplo problema”, disse o sociólogo.

O fato dos dados de 2009 serem preliminares não explica, por si só, a situação do Rio de Janeiro, já que o estado foi o único entre as 27 unidades da federação que apresentou mais registros de mortes violentas sem intenção determinada do que registros de homicídios.


Quando analisadas as 5.647 mortes sem intenção determinada no estado em 2009, pelo menos 874 foram provocadas por disparos de armas de fogo. Em nenhum outro estado, tantas mortes por armas de fogo foram catalogadas como “de intenção indeterminada”. Mesmo no estado do Rio de Janeiro, nos anos anteriores, esse número foi bem inferior.


Entre 2004 e 2006, esses registros foram de 233, 248 e 146, a cada ano. Em 2007 e 2008, já houve um aumento das mortes por arma de fogo de intenção desconhecida: 442 e 462, respectivamente.

Segundo uma fonte do Ministério da Saúde, a Secretaria de Saúde do Rio já foi contatada para esclarecer o grande número de mortes sem intenção determinada e tem até o segundo semestre deste ano para corrigir ou manter os dados.

“Nos últimos anos, isso tem sido um problema no Rio de Janeiro. Tenho conversado com Brasília [Ministério da Saúde] e eles dizem que alguns estados, mais especificamente o Rio de Janeiro, têm tido problemas com qualidade das informações”, disse Ignacio Cano, que trabalha comparando os dados de homicídios do Ministério da Saúde com aqueles informados pela polícia.

A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde informou que sua subsecretaria de Vigilância em Saúde assinou, há dois meses, convênio com o Instituto de Segurança Pública (ISP) para esclarecer a causa dessas mortes que constam nos relatórios como “intenção indeterminada”.

A assessoria esclarece que os casos relacionados aos anos de 2009 e 2010 já foram passados ao ISP que está pesquisando a circunstância dos óbitos. “Logo que a pesquisa esteja concluída, os casos serão encaminhados para o Setor de Dados Vitais da Secretaria, que irá corrigir as informações no sistema”, informou a secretaria.


Segundo a assessoria de imprensa, o “problema” é decorrência da falta de identificação da circunstância do ferimento que levou à morte na declaração do atestado de óbito expedido pelo Instituto Médico Legal. “O atestado informa o ferimento, mas não esclarece se ele é resultado de homicídio, suicídio ou acidente. Por isso, o caso acaba entrando no sistema como intenção indeterminada”, disse a secretaria.


A Secretaria de Saúde não esclarece, no entanto, porque o número de mortes de intenção desconhecida quase dobrou entre 2006 e os anos de 2007 e 2008 (período da atual gestão da Secretaria de Saúde). Edição: Lílian Beraldo

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