quinta-feira, 2 de maio de 2013

Mandados Coletivos: Cidadania tem CEP?





Por Cecília Olliveira



Casa de Bira: Porta Arrombada por Policiais
A pergunta pode parecer despretensiosa para uns e pretensiosa demais para outros, mas é um questionamento recorrente feito por moradores de favelas ao poder estatal.

A Maré, complexo de favelas localizado entre Avenida Brasil e Linha Vermelha, na Zona Norte, foi alvo de seis operações policiais nos últimos 30 dias e moradores vivem o que chamam de TPP (Tensão Pré-UPP).

Nesta quinta feira (02/05) os moradores das favelas Parque União e Nova Holanda enfrentaram mais uma operação, onde BOPE, Batalhão de Choque, BAC (Batalhão de Ação com Cães) e GAM (Grupamento Aeromóvel) atuaram pesado para a apreensão de 3 armas (01 pistola calibre 45, 02 pistolas 9mm), alguns carregadores, drogas (167 pedras de crack, 280 tubos de cocaína, 300g de pó branco, 410 sacolés de maconha, 37 tabletes de maconha de aproximadamente 1 kg cada um) e R$381 em espécie.

Somos da Maré e temos direitos. Foto: Elisângela Leite
Para alcançar este resultado pouco expressivo diante da força empenhada, violações de direitos foram cometidas. Métodos há muito questionados continuam sendo empenhados, relativizando o Estado Democrático de Direito. Diante da situação corriqueira, organizações civis e associações de moradores se uniram para enfrentar os desmandos do Estado, com o apoio da Anistia Internacional.


Foram distribuídos cerca de 50 mil folders com orientações sobre como agir em caso de abordagem policial, tanto na rua quanto em casa, serão distribuídos em todas as favelas da Maré, além das dicas para evitar abusos por parte dos policiais e adesivos para colar na porta de suas casas, com os dizeres: "Conhecemos nossos direitos! Não entre nesta casa sem respeitar a legalidade da ação". À época uma matéria absurda do jornal O Globo chegou a dizer que a campanha “dificultava o trabalho da polícia”.


Os sem direitos

Seu objeto de trabalho, a máquina fotográfica, foi
encontrada dentro do vaso sanitário.
“O que eu perdi? Qual o valor das coisas que eu perdi? É o valor de uma vida de trabalho e minha dignidade. Esse é o preço”. Bira Carvalho, morador da favela de Nova Holanda há 40 anos, ficou desolado ao chegar em casa e ver como ficou sua casa após ser arrombada por policiais. “Quebraram tudo na minha casa”, explicou.

Bira é um fotografo reconhecido. Já ganhou o Prêmio Faz a Diferença (junto com a equipe do Imagens do Povo) e publicou livros. “eu fico de cabeça erguida, mas se eu fosse governador teria vergonha”, diz ele, que se prepara para denunciar os abusos. 

Bira segura o Prêmio Faz a Diferença

O fotógrafo já participou de várias exposições, das quais se destacam: “Olhar Cúmplice”, na Caixa Cultural RJ;  “Esporte na favela”, no CCBB-RJ (ambas também exibidas no Palácio do Planalto, em 2008); MostraBelonging: an inside story from Rio´s favelas, Canning House, em Londres, em 2007; Mostra Multi Meios, Museu do Estado, Recife, em 2011. 



Ilegalidade



Casa do professor Bruno Paixão
O mesmo aconteceu com o professor da rede municipal, Bruno Paixão, que ao chegar em casa, encontrou tudo revirado. "A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". O artigo 5º da Constituição Federal é claro, mas não raro há operações policiais onde os agentes, sob ordens superiores, ignoram a Carta Magna e adentram casas a qualquer hora e situação, usando as vezes, um “mandado coletivo de busca e apreensão”.

O mandado tem que especificar a casa, seu número, tudo descrito e discriminado. Não pode existir uma ordem geral e imprecisa para se adentrar numa quantidade indeterminada de casas. Isto é ilegal. Pensemos se num condomínio de casas de luxo isto é possível. É inimaginável a cena, não é verdade? Já não é que o ocorre em bairros mais pobres. O arbítrio estatal geralmente acontece com aqueles que não tem escolha, parafraseando Adorno”, explica o Mestre em Direito, Estado e Constituição e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP, Patrick Mariano Gomes.

Rádio destruído por policiais em casa arrombada
De acordo com o Guilherme Nucci, em seu livro Código de Processo Penal Comentado, o mandado judicial deve ser certo e determinado. "Tratando-se de decorrência natural dos princípios constitucionais que protegem tanto o domicílio, quanto a vida privada e a intimidade do indivíduo, torna-se indispensável que o magistrado expeça mandados de busca e apreensão com o objetivo certo e contra pessoa determinada. Não é possível admitir-se ordem judicial genérica, conferindo ao agente da autoridade liberdade de escolha e de opções a respeito dos locais a serem invadidos e vasculhados", descreve. 

Para o jurista o uso de mandado coletivo, sem especificações sobre o domicílio, trata-se de abuso de autoridade de quem concede a ordem e de quem a executa, indiscriminadamente. "A lei exige fundadas razões para que o domicílio de alguém seja violado e para que a revista pessoal seja feita, não se podendo acolher o mandado genérico, franqueando amplo acesso a qualquer lugar. Excepcionalmente, pode-se expedir um mandado de busca indeterminado, mas cujo objeto ou local é determinável. Exemplo disso seria a denúncia, baseada em elementos previamente colhidos, de que provas do crime estão guardadas em uma casa situada na Rua X, número Y, desconhecendo-se o morador. A polícia poderia seguir o lugar, sem conhecer os habitantes, embora tendo por determinado o local. E vice-versa: conhece-se a pessoa, mas não exatamente onde fica o seu domicílio".

As casas de Bruno e Bira foram arrombadas, o que só seria legal em caso de flagrante delito ou para salvar alguém de calamidade, incêndio. 

Nota enviada à imprensa pelo BOPE


O Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) instaurou IPM no fim da tarde desta quinta-feira (02/05) para apurar as circunstâncias em que o fotógrafo Bira Carvalho teve pertences revirados e destruídos. A denúncia foi encaminhada por moradores ao comando do 22º BPM (Maré) e imediatamente informada ao comandante interino do BOPE. Cerca de 300 policiais do Comando de Operações Especiais participaram da operação.

Em contato com a assessoria de imprensa do Batalhão, me foi informado que o BOPE não tinha mandado.




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