sábado, 12 de dezembro de 2009

Ainda é tempo

Vandalismo e desorganização na final do Campeonato Brasileiro mostram que é preciso correr contra o relógio para preparar o país para a Copa de 2014

Por Ronaldo Soares - Da Revista Veja


Fotos Orlando Kissner/Ag. O Globo e Osvaldo Praddo/AE
Em Curitiba (à esq.) e no Rio: socos, pontapés e polícia impotente para conter a turba


O Campeonato Brasileiro caminhava para um final apoteótico neste ano. Separados por uma diferença de apenas 2 pontos, quatro times tinham chance de levar o título. Na disputa pelo direito de participar da Copa Libertadores em 2010, três clubes se engalfinhavam pelas duas últimas vagas. Na parte de baixo da tabela, quatro times lutavam para se manter na elite do futebol brasileiro – dois deles seriam rebaixados à série B no ano que vem. Tal combinação fez desse campeonato o mais emocionante desde que a competição passou a ser disputada pelo sistema de pontos corridos, em 2003. E ele foi também o que registrou a melhor média de público em mais de vinte anos. Com tudo isso, o domingo terminou em barbárie. Cenas de vandalismo e desorganização dentro e fora dos estádios empanaram o brilho da festa do Flamengo, que se sagrou campeão ao vencer o Grêmio por 2 a 1 no Maracanã. As imagens do desfecho do campeonato foram de batalhas campais entre torcedores e policiais no Rio de Janeiro e em Curitiba, duas das cidades que sediarão jogos da Copa do Mundo em 2014. A pouco mais de quatro anos do início do evento, o país ainda está longe de ter condições de receber partidas da competição.

O incidente mais grave ocorreu em Curitiba, após o jogo em que o time da casa foi rebaixado para a segunda divisão ao empatar com o Fluminense no Estádio Couto Pereira. Torcedores do Coritiba invadiram o campo e entraram em confronto com a polícia, usando como arma placas de publicidade, pedras, cadeiras e até tripés de câmeras. A cena mais dramática foi a de um grupo de policiais q
ue, sob uma chuva de objetos atirados pelos vândalos, tentava carregar um PM desmaiado. Como num teatro de guerra, um helicóptero pousou no gramado para resgatar os feridos. A onda de violência se espalhou pelas ruas. Uma enfermeira que voltava de ônibus do trabalho perdeu três dedos da mão direita na explosão de uma bomba atirada por torcedores.

No Rio, a decisão foi marcada pelo caos no Maracanã antes do jogo. Cambistas agiam livremente. Torcedores, mesmo sem ingresso, entravam pulando as roletas, provocando superlotação nas arquibancadas. Ao final, flamenguistas deixaram de lado a comemoração do título para transformar bairros da Zona Sul em praça de guerra. O que torna ainda mais incompreensível essa atitude é que não havia nenhum tipo de rivalidade em jogo. Os gremistas estavam torcendo pelo Flamengo, para que o tí
tulo não ficasse com o arquirrival Internacional. Mesmo entre os cariocas, o clima era de congraçamento, numa corrente não só para que o Flamengo conquistasse o título, mas também para que o Botafogo e o Fluminense se mantivessem na série A, o que acabou acontecendo. Os flamenguistas espancaram-se entre si.

A Europa só conseguiu civilizar seus estádios de futebol depois que torcedores e clubes passaram a ser enquadrados. Isso se deu a partir de catástrofes ocorridas nos anos 80. Em 1985, 38 torcedores morreram na final da Copa dos Campeões, em Bruxelas, entre Juventus e Liverpool. Como o tumulto teve a participação de torcedores baderneiros conhecidos na Inglaterra como hooligans, os clubes ingleses ficaram cinco anos proibidos de participar de competições europeias. Em 1989, depois de outro massacre, que terminou com 96 mortos em Sheffield, na Inglaterra, os clubes ingleses tiveram de modernizar seus estádios. Na Europa, torcedores que promovem violência são fichados na polícia e proibidos de ir a jogos. Na Espanha, a punição recai também sobre o bolso do torcedor. Quem é flagrado tentando entrar
com rojões em estádios é multado em 5 000 euros. Se não pagar, fica com o nome sujo no cadastro do Fisco local.

No Brasil, o Estatuto do Torcedor, a única ferramenta criada até agora para tentar levar um pouco de organização aos estádios, é uma peça de ficção. A determinação de que sejam instaladas câmeras nos estádios, por exemplo, foi cumprida, mas por uma questão burocrática seu efeito é praticamente nulo. "O estatuto não especifica quem controla as câmeras, se é a polícia ou o administrador do estádio", diz Heloisa Reis, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol (GEF), da Unicamp. Há também adaptações para burlar algumas normas, como a de que todos os lugares sejam numerados. Em vários estádios, optou-se por pintar no piso da arquibancada faixas e números, indicando o local do "assento". S
ó pode ser piada.

Fotos Cleber Junior / Ag. O Globo e Valterci Santos/AE
Torcedor içado para dentro do Maracanã e policial ferido em Curitiba: despreparo geral

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