Grupo AfroReggae e Polícia Civil do Rio de Janeiro se unem em projeto contra a escalada da violência e das drogas
Por Wilson Aquino - da Revista Época
Uma parceria entre o grupo cultural AfroReggae e a Polícia Civil do Rio de Janeiro tem dado o que falar. Especialmente depois da morte do coordenador da organização, o professor Evandro João da Silva, ocorrida em outubro, quando as câmeras de rua flagraram policiais militares roubando os bandidos que tinham acabado de assaltar e balear Silva e deixando de prestar socorro ao professor. Em lados opostos neste triste episódio, era de esperar que eles se tornassem adversários. Porém, o AfroReggae deixou claro que não iria desacreditar de toda a corporação devido a um ato isolado. Batizado de “Papo de Responsa”, o projeto consiste em conversas informais com o objetivo de alertar, principalmente crianças e adolescentes, sobre os perigos das drogas e do crime. Paralelamente, tenta derrubar mitos e preconceitos, como os que afirmam que todo policial é corrupto e que bandido não tem recuperação.
Em pouco menos de dois anos, personagens que já se enfrentaram em polos opostos do front têm partilhado experiências e sentimentos diante de plateias de 120 pessoas em média. O “Papo de Responsa” já percorreu cerca de 100 escolas, associações de moradores, clubes e empresas e foi assistido por mais de dez mil pessoas no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais. Para 2010 já estão agendadas 88 colégios, alguns em áreas de risco, e existe a perspectiva de o projeto ganhar a América Latina, pelos braços da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sem a pretensão de dar lições sobre segurança ou dizer aos jovens o que eles devem fazer, policiais da ativa e ex-criminosos falam do seu cotidiano, contam histórias reais que vivenciaram e, acima de tudo, ouvem crianças e adolescentes que têm dúvidas ou curiosidades a respeito das atividades policiais e das criminosas.
As apresentações são sempre em dupla, sendo que o policial não abre mão da indumentária: uniforme preto e pistola no coldre. O ex-bandido costuma usar jeans e uma camiseta do projeto. Com 33 anos de idade, sete dedicados à Polícia Civil do Rio, o inspetor Roberto Chaves é um dos mentores do “Papo”. Especialista em tráfico internacional de drogas e atuação em áreas de risco, ele sempre trabalhou em delegacias especializadas no combate ao crime organizado. Por conta disso, participou de vários tiroteios nos territórios cariocas que vivem sob o domínio do tráfico. “Quando via crianças de 12 anos com pistola na mão, pensava: ‘Isso não é responsabilidade da polícia’”, explica Chaves, que lançou as sementes do “Papo de Responsa”, em 2004, com o projeto “Civilzinho”, visitando escolas para dar noções jurídicas aos alunos, numa tentativa de aproximação com as comunidades. Em 2007, foi apresentado ao coordenador executivo do AfroReggae, José Júnior, que se interessou pelo desafio. “Só que havia preconceitos de ambos os lados. Para mim, ONG em favela só defendia bandido e, para o José Júnior, todo policial era corrupto”, relembra o inspetor. Mais tarde, surgiu a ideia de incluir ex-bandidos no projeto – todos já empregados nos programas do AfroReggae para que eles também pudessem explicar os motivos que os levaram a entrar e a sair do crime.
Esses ex-criminosos não são simples ladrões de galinha. Pelo contrário. São assaltantes de bancos e ex-chefões do tráfico, como Ademir Antonio Salerme, 39 anos, que faz dupla com o inspetor Chaves – ao todo, são seis duplas. Salerme atendia pela alcunha de “Ziquinha” e já foi o todo-poderoso da favela de Vigário Geral. Quando foi convidado a participar do “Papo de Responsa” e soube que faria dupla com um policial civil, o ex-traficante ficou desconfiado. Salerme começou a trabalhar em bocas de fumo aos 12 anos, e uma de suas tarefas eras justamente avisar os traficantes sobre a chegada da polícia. Aos 15, ganhou sua primeira AR-Baby , como é chamada a versão menor do famoso fuzil AR-15. Com 17 anos ele já era gerente-geral dos pontos de droga da favela de Vigário Geral, com as funções principais de organizar a venda de cocaína e dar tiro na polícia. Salerme só conseguiu largar a vida criminosa quando foi socorrido pelo AfroReggae, que lhe deu um emprego e salário decentes. “Fazer dupla com policial era uma situação muito esquisita”, confessa o ex-bandido, que, depois de amargar 11 anos de prisão, está aprendendo a ler e a escrever e sonha ser eletricista. “É um exemplo de vida. A história do Ziquinha me emocionou muito”, diz o estudante Rafael Moreira, 16 anos, aluno de uma escola de Niterói, que assistiu a uma apresentação. Apesar de estar do lado da lei, Chaves também sentia o peso da discriminação: “Observava o preconceito no olhar das crianças das comunidades.” Para o coordenador do AfroReggae, o “Papo de Responsa” mostra que, apesar das diferenças, sempre pode haver diálogo quando existe uma causa em comum.
Por Wilson Aquino - da Revista Época
Uma parceria entre o grupo cultural AfroReggae e a Polícia Civil do Rio de Janeiro tem dado o que falar. Especialmente depois da morte do coordenador da organização, o professor Evandro João da Silva, ocorrida em outubro, quando as câmeras de rua flagraram policiais militares roubando os bandidos que tinham acabado de assaltar e balear Silva e deixando de prestar socorro ao professor. Em lados opostos neste triste episódio, era de esperar que eles se tornassem adversários. Porém, o AfroReggae deixou claro que não iria desacreditar de toda a corporação devido a um ato isolado. Batizado de “Papo de Responsa”, o projeto consiste em conversas informais com o objetivo de alertar, principalmente crianças e adolescentes, sobre os perigos das drogas e do crime. Paralelamente, tenta derrubar mitos e preconceitos, como os que afirmam que todo policial é corrupto e que bandido não tem recuperação.
Em pouco menos de dois anos, personagens que já se enfrentaram em polos opostos do front têm partilhado experiências e sentimentos diante de plateias de 120 pessoas em média. O “Papo de Responsa” já percorreu cerca de 100 escolas, associações de moradores, clubes e empresas e foi assistido por mais de dez mil pessoas no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais. Para 2010 já estão agendadas 88 colégios, alguns em áreas de risco, e existe a perspectiva de o projeto ganhar a América Latina, pelos braços da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sem a pretensão de dar lições sobre segurança ou dizer aos jovens o que eles devem fazer, policiais da ativa e ex-criminosos falam do seu cotidiano, contam histórias reais que vivenciaram e, acima de tudo, ouvem crianças e adolescentes que têm dúvidas ou curiosidades a respeito das atividades policiais e das criminosas.
As apresentações são sempre em dupla, sendo que o policial não abre mão da indumentária: uniforme preto e pistola no coldre. O ex-bandido costuma usar jeans e uma camiseta do projeto. Com 33 anos de idade, sete dedicados à Polícia Civil do Rio, o inspetor Roberto Chaves é um dos mentores do “Papo”. Especialista em tráfico internacional de drogas e atuação em áreas de risco, ele sempre trabalhou em delegacias especializadas no combate ao crime organizado. Por conta disso, participou de vários tiroteios nos territórios cariocas que vivem sob o domínio do tráfico. “Quando via crianças de 12 anos com pistola na mão, pensava: ‘Isso não é responsabilidade da polícia’”, explica Chaves, que lançou as sementes do “Papo de Responsa”, em 2004, com o projeto “Civilzinho”, visitando escolas para dar noções jurídicas aos alunos, numa tentativa de aproximação com as comunidades. Em 2007, foi apresentado ao coordenador executivo do AfroReggae, José Júnior, que se interessou pelo desafio. “Só que havia preconceitos de ambos os lados. Para mim, ONG em favela só defendia bandido e, para o José Júnior, todo policial era corrupto”, relembra o inspetor. Mais tarde, surgiu a ideia de incluir ex-bandidos no projeto – todos já empregados nos programas do AfroReggae para que eles também pudessem explicar os motivos que os levaram a entrar e a sair do crime.
Esses ex-criminosos não são simples ladrões de galinha. Pelo contrário. São assaltantes de bancos e ex-chefões do tráfico, como Ademir Antonio Salerme, 39 anos, que faz dupla com o inspetor Chaves – ao todo, são seis duplas. Salerme atendia pela alcunha de “Ziquinha” e já foi o todo-poderoso da favela de Vigário Geral. Quando foi convidado a participar do “Papo de Responsa” e soube que faria dupla com um policial civil, o ex-traficante ficou desconfiado. Salerme começou a trabalhar em bocas de fumo aos 12 anos, e uma de suas tarefas eras justamente avisar os traficantes sobre a chegada da polícia. Aos 15, ganhou sua primeira AR-Baby , como é chamada a versão menor do famoso fuzil AR-15. Com 17 anos ele já era gerente-geral dos pontos de droga da favela de Vigário Geral, com as funções principais de organizar a venda de cocaína e dar tiro na polícia. Salerme só conseguiu largar a vida criminosa quando foi socorrido pelo AfroReggae, que lhe deu um emprego e salário decentes. “Fazer dupla com policial era uma situação muito esquisita”, confessa o ex-bandido, que, depois de amargar 11 anos de prisão, está aprendendo a ler e a escrever e sonha ser eletricista. “É um exemplo de vida. A história do Ziquinha me emocionou muito”, diz o estudante Rafael Moreira, 16 anos, aluno de uma escola de Niterói, que assistiu a uma apresentação. Apesar de estar do lado da lei, Chaves também sentia o peso da discriminação: “Observava o preconceito no olhar das crianças das comunidades.” Para o coordenador do AfroReggae, o “Papo de Responsa” mostra que, apesar das diferenças, sempre pode haver diálogo quando existe uma causa em comum.
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