segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A guerra sangrenta escolhida por Calderón

Do Estadão

''Luta que não pode ser vencida''

O historiador Jorge Castañeda analisa a ofensiva contra as drogas lançada pelo presidente mexicano, Felipe Calderón, que na quarta-feira obteve um grande trunfo com a morte de Arturo Beltrán Leyva, chefe de um importante cartel do narcotráfico. O autor defende que outras guerras sejam lançadas - contra a pobreza e crimes menores e pelo crescimento econômico -, pois acredita que não se pode prolongar uma luta (contra as drogas) que não pode ser vencida.


Jorge G. Castañeda*

Há três anos, o presidente mexicano, Felipe Calderón, vestiu uniforme militar e declarou guerra total às drogas, ordenando a entrada do Exército nas ruas, estradas e povoados do México. Na época, Calderón recebeu amplo apoio, tanto internamente como no exterior, pelo que era visto como uma decisão corajosa, atrasada e necessária. Previam-se resultados tangíveis no curto prazo.

Além disso, o governo de George W. Bush rapidamente prometeu ajuda americana - a chamada Iniciativa Mérida, assinada em fevereiro de 2007 - e pesquisas de opinião mostraram que Calderón havia deixado para trás no mesmo golpe as mazelas de sua vitória eleitoral apertada e questionada, conquistando a confiança do povo mexicano. Mas hoje as coisas parecem muito diferentes.

Num recente debate com, entre outros, Fareed Zakaria da Newsweek e CNN, Asa Hutchison, ex-chefe do Departamento americano de Combate às Drogas (DEA), a principal questão era se os EUA eram culpados da guerra às drogas no México. Eu comentei que a culpa não cabia nem aos EUA nem ao México; cabia somente a Calderón. Assim como a invasão do Iraque de Bush, a guerra às drogas do México era uma guerra de escolha. Era uma guerra que Calderón não devia ter declarado, que não podia ser vencida, e que está causando estragos enormes no México.

Hoje, um número crescente de mexicanos partilha essa visão. Enquanto a guerra se arrasta, resultados positivos não são vistos em nenhum lugar enquanto a violência sofre uma escalada no país. No dia 9, segundo o diário Reforma, 40 pessoas morreram em tiroteios entre polícia e Forças Armadas e os cartéis da droga. Mais de 6.500 mortes ocorreram neste ano, superando o total do ano passado, que foi o dobro de 2007.

Acredito que Calderón declarou essa guerra porque sentiu necessidade de se legitimar perante o povo mexicano por causa das dúvidas que cercavam sua vitória na eleição presidencial de 2006 - dúvidas que seus seguidores, como eu, nunca compartilharam. E acredito que ela não pode ser vencida porque não pode cumprir os pressupostos da Doutrina Powell, elaborados 18 anos atrás por Colin Powell, então comandante do Estado-Maior Conjunto americano em relação à Guerra do Golfo.

Powell enumerou quatro condições que precisam ser satisfeitas para se ter sucesso numa ação militar. Uma era a mobilização de uma força claramente superior, que os militares mexicanos não têm. Outra é uma vitória definível, que nunca se alcança numa guerra à droga (um termo usado pela primeira vez por Richard Nixon no fim dos anos 60). A terceira era ter uma estratégia de saída desde o começo, que Calderón não tem porque ele não pode nem se retirar em derrota em seu próprio país, nem se retirar e declarar vitória. Calderón ainda goza de apoio do público - a quarta condição de Powell -, mas está começando a perdê-lo.

Nos últimos três anos, mais de 15 mil mexicanos morreram na guerra ao narcotráfico. Human Rights Watch, Anistia Internacional e o Conselho de Direitos Humanos da ONU documentaram tudo, com mais ou menos evidências e precisão, uma proliferação de abusos. Das mais de 220 mil pessoas detidas por acusações relacionadas a drogas desde que Calderón tomou posse, três quartos foram soltos. Somente 5% das restantes 60 mil foram julgadas e sentenciadas.

Enquanto isso, as áreas usadas para a produção de papoula e maconha cresceram, segundo o governo americano, para 6.900 e 8.900 hectares, respectivamente. As restrições ao tráfico de cocaína da América do Sul para os EUA fizeram com que o preço da droga sofresse uma forte alta em 2008. O preço se estabilizou em 2009 em níveis bem acima de seus picos históricos nos anos 90.

Segundo o Relatório sobre Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos do governo americano, as apreensões de ópio, heroína e maconha diminuíram desde que Calderón iniciou sua guerra e a produção de drogas no México está em crescimento. Em 2008, segundo o Departamento de Estado americano, a produção potencial de heroína subiu para 18 toneladas métricas ante 13 toneladas métricas em 2006, enquanto a produção de ópio cresceu de 110 toneladas para 149 toneladas métricas no período. A produção de maconha cresceu de 300 toneladas métricas para 15.800 toneladas métricas. Em outras palavras, desde que Calderón iniciou sua ofensiva mais drogas mexicanas estão no mercado, e não menos.

Não há maneira fácil de sair desse atoleiro. A Força Policial Nacional que os três últimos presidentes do México - Ernesto Zedillo, Vicente Fox e Calderón - tentaram criar, não está absolutamente preparada para substituir o Exército nas tarefas de combate ao narcotráfico. A ajuda americana, como um relatório do Departamento de Contabilidade Geral dos EUA deixou claro no início do mês, está chegando em conta-gotas.

Na verdade, por alguns cálculos, somente 2% do projetado US$ 1,3 bilhão de ajuda foram desembolsados. Talvez a solução menos ruim seria proceder espontaneamente: permitir gradualmente que a guerra ao narcotráfico desapareça das tevês e jornais, e ter seu lugar ocupado por outras guerras - contra a pobreza e os crimes menores, e pelo crescimento econômico. Isso pode não ser o ideal, mas é melhor que prolongar uma luta que não pode ser vencida.

*Jorge Castañeda é historiador e foi chanceler (2000-2003)

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