terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Policiamento comunitário reduz violência em Maceió


Acássia Deliê da Comunidade Segura

O complexo residencial Benedito Bentes, na periferia de Maceió, capital do estado de Alagoas, foi escolhido como uma das três áreas prioritárias para receber recursos do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). Composto por diversos conjuntos populares, que abrigam mais de 140 mil moradores, segundo dados da prefeitura comunitária local, o complexo bateu recordes em número de homicídios e demais casos de violência, dando margem a incontáveis manchetes negativas na imprensa alagoana.

Recentemente, entretanto, o noticiário mudou. Deu espaço para boas novas vindas diretamente de um dos conjuntos populares que integram o complexo: o Selma Bandeira. O conjunto registrava, até meses atrás, a lamentável média de oito a 10 homicídios por mês, a maior parte resultado de acertos de contas entre usuários e traficantes de drogas. Mas, nos últimos 120 dias, o mesmo entorno foi palco apenas de dois homicídios - um deles decorrente de uma briga familiar -, de acordo com a Polícia Militar (PM) de Alagoas.

A repressão foi intensificada, podem pensar alguns. Um equívoco. A palavra de ordem para os policiais que atuam hoje no lugar é prevenção, principal verbete do dicionário de um dos projetos desenvolvidos a partir do Pronasci: o policiamento comunitário. Desde agosto, 17 agentes foram deslocados para atuar no conjunto residencial, divididos em quatro equipes que se revezam em turnos de 24 horas. Uma viatura reservada exclusivamente para o projeto circula durante todo o dia entre as 700 casas que compõem o conjunto.

Porta a porta e cafezinho

Pausa mesmo somente para um cafezinho ou para uma boa conversa com os moradores. O policiamento comunitário no Selma Bandeira ainda está em fase experimental e se baseia na construção de uma relação de confiança entre a comunidade e a polícia. Para isso, antes de iniciar os trabalhos, o conjunto foi mapeado e dividido em quatro blocos, cada um deles sob responsabilidade de uma equipe plantonista.

"Nossa guarnição, por exemplo, foi responsável por cadastrar os moradores do bloco azul. Assim que chegamos aqui, as pessoas estranhavam a presença da polícia, nós batíamos na porta e respondiam: ‘Não quero nada com a polícia’. Tivemos trabalho para explicar o nosso objetivo preventivo, mas conseguimos. Agora, sabemos quem é quem, chamamos pelo nome, sabemos em quais casas existe violência familiar, qual a criança que não estuda, e tentamos evitar isso”, diz a sargento Nadeje de Oliveira, comandante da guarnição que estava de plantão durante a visita do Comunidade Segura ao local.

Celular e trabalhos sociais

Além das visitas de porta em porta, a proximidade com a população local se dá também por meio de um telefone celular para contato exclusivo dos moradores do conjunto Selma Bandeira com os agentes do policiamento comunitário. Onde antes não havia ação da PM, agora há a atuação conjunta dos policiais com a população. O aparelho toca sempre que existe alguma ocorrência por perto. “Nós não deixamos de ser polícia. Se precisamos usar a força, nós usamos”, ressalta a sargento Nadeje de Oliveira.

O número de contato via celular foi distribuído para toda a comunidade. A aceitação foi tamanha que até uma área conhecida como “inferninho” agora é parceira do trabalho policial. Apesar de ainda haver tráfico de drogas na localidade, a realidade vem mudando a cada dia. O combate ao tráfico, dizem os agentes, só é feito precedido de um trabalho de inteligência, quando se é possível ir “direto ao ponto”, de preferência com o apoio dos moradores.

E o apoio dos moradores vem sendo conquistado a cada dia, inclusive por meio de projetos sociais desenvolvidos pelos próprios policiais. Em novembro, os idosos passaram por exames oftalmológicos para identificar a presença de catarata e, posteriormente, passar por tratamento cirúrgico. “Uma outra vez conseguimos uma cadeira de rodas para um menino que não pode andar. É o nosso papel”, aponta o cabo da PM João Verçosa.

Outro projeto social em andamento consiste em identificar as mulheres jovens que já possuem mais de três filhos e que desejam passar por cirurgias de esterilização. Cláudia Jacinta da Silva, de 22 anos, estava animada com a ideia. Ela já teve três filhos, já passou pela cirurgia e conversava a sargento Nadeje sobre a possibilidade de indicar uma amiga para o mesmo processo. Conversar com a policial se tornou uma rotina para ela.

Também é reflexo do policiamento comunitário a reação das crianças à presença da polícia nas ruas. Por onde a viatura passa, meninos e meninas acenam e se juntam para recepcionar os agentes. Carlos André é um deles. O menino tem sete anos, é estudante do segundo ano do Ensino Fundamental e tem outra concepção sobre o trabalho policial. “Antes eu tinha medo da polícia, dava um pinote pra dentro de casa quando o carro passava. Mas hoje eu sei que o policial não é mau”, comenta Carlos.

Mais 20 mil pessoas em cinco anos

A sensação de segurança experimentada pelos moradores locais ultrapassa os limites territoriais do conjunto. De acordo com o prefeito comunitário do Benedito Bentes, Silvânio Barbosa, a redução da criminalidade no Selma Bandeira diminuiu também o índice de violência em todo o complexo residencial. “Há um ano estávamos preocupados com tiroteios, com crianças sendo atingidas, com ônibus assaltados diariamente, com posto de saúde e escola fechados. Era uma terra sem lei. Hoje estou aqui, trabalhando normalmente”, revela Barbosa, em sua sala na sede da prefeitura local.

Ele conta que a violência no complexo era decorrente da disputa entre traficantes pelos locais onde as drogas eram vendidas com preços diferenciados. Entretanto, destaca Barbosa, o projeto de policiamento comunitário em um dos conjuntos não conseguiu diminuir a violência nos outros. Para ele, o governo precisa investir no complexo como um todo.

"Nós temos novos conjuntos sendo construídos aqui pelo governo, que traz ainda mais gente para o Benedito Bentes. Eu creio que daqui a cinco anos, teremos mais 20 mil pessoas morando aqui. A questão é: como mantê-las longe da criminalidade?”, questiona Barbosa, lembrando que o projeto de policiamento comunitário do Selma Bandeira está em caráter experimental, ainda sem uma base estruturada.

R$ 840 mil do Pronasci

O motivo, afirma o major Fernando Pacheco, gerente de Policiamento Comunitário da Secretaria de Estado de Defesa Social de Alagoas, é o andamento dos processos técnicos e burocráticos dos quais depende o repasse de verba do governo federal para o estado. Esses processos incluiriam o projeto de construção da base, a atualização da planilha financeira enviada ao governo federal e a autorização da Procuradoria Geral do Estado para a licitação das obras. “Acredito que tudo se resolverá em até três meses, quando devemos iniciar as obras”, indica o major Pacheco.

Segundo ele, R$ 840 mil serão destinados pelo Ministério da Justiça para o projeto de policiamento comunitário em Maceió. O recurso será usado para construir as bases comunitárias e comprar viaturas, motocicletas, mesas, cadeiras e outros materiais que estruturem as bases. Além do conjunto Selma Bandeira, serão incluídos no projeto do Pronasci três outras localidades com altos registros de criminalidade: os bairros Vergel do Lago, Jacintinho e Clima Bom. "No Selma estamos vendo o que está dando certo e o que ainda pode melhorar, para quando os recursos chegarem já sabermos exatamente como investi-los da melhor forma”, explica o major.

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