Por Vitor Abdala - Especial para o blog Repórter de Crime
2009 ficou marcado por ser apenas mais um ano “perdido”. Mais um ano que as autoridades de segurança pública do Rio de Janeiro e do Brasil deixaram de aproveitar para avançar na redução da criminalidade violenta no estado e no país.
Há pessoas que dizem que os governos avançaram na segurança pública. No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, costuma-se citar como conquistas a “Unidade de Polícia Pacificadora (UPP)” e o combate às milícias no estado.
É preciso, no entanto, ter cuidado ao avaliar tais medidas como “avanços” e “conquistas” para o Rio de Janeiro. Em relação às UPP, por exemplo, sua existência ainda é muito curta e sua experiência é muito restrita para se avaliar ou não seu êxito como política pública.
A UPP do Dona Marta, a mais antiga completou apenas um ano. As demais têm ainda meses. A do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, apesar de toda a fanfarra da imprensa, têm apenas dias de existência.
Ainda não houve tempo e nem houve qualquer estudo independente aprofundado para se avaliar essa experiência de policiamento comunitário no Rio de Janeiro. Lembremos que, recentemente, tivemos uma política semelhante, bastante alardeada pelo governo estadual na época (governo Garotinho), que fracassou de forma absoluta no Rio: os GPAE (Grupamentos de Policiamento em Áreas Especiais).
Claro que UPP e GPAE são abordagens diferentes de um mesmo conceito (policiamento comunitário), mas o que quero dizer é que precisamos ter cautela antes de dizer que a Polícia Pacificadora é a salvação para o Rio e que ela mudou o paradigma de segurança no estado.
Aliás, longe disso. A UPP só foi implantada até agora em sete favelas. A maioria delas são favelas pequenas ou médias da Zona Sul, que não possuem grandes favelas vizinhas que podem atrapalhar o processo de pacificação (Dona Marta, Babilônia/Chapéu Mangueira e Pavão-Pavãozinho/Cantagalo).
As exceções são o Batam e Cidade de Deus. O Batam é um caso a parte, porque a comunidade já era dominada por policiais. Só que era uma ocupação policial à margem do Estado, já que a favela há algum tempo era dominada por uma milícia, formada por policiais.
Cidade de Deus foi a única comunidade de grande porte ocupada pela Secretaria de Segurança. Mas ainda assim é uma área com uma característica específica. Todas as favelas vizinhas são dominadas por milícias, que não se oporiam a uma ocupação policial da favela.
Para além disso, a Cidade de Deus parece ser a comunidade em que a UPP está tendo mais dificuldades de impor a lei, uma vez que a quadrilha que vende drogas lá insiste em permanecer na favela, comercializando seus produtos ilegais.
A UPP ainda não chegou em favelas desafiadoras, como os Complexos do Alemão, Manguinhos, Maré ou Coreia/Taquaral (em Bangu). É nessas áreas da cidade em que a criminalidade é mais visível. É nessas regiões e nos seus entornos onde os índices de homicídios, roubos e agressões são mais altos.
Portanto, implantar UPP na Zona Sul, onde os índices de criminalidade não são “exatamente” alarmantes, não é o que se pode chamar de “mudança de paradigma na segurança”.
Principalmente porque em 2009, enquanto a polícia tratava de “pacificar” a zona sul a mesma polícia (será que é a mesma?) continuava matando a dezenas no restante do estado do Rio de Janeiro e colocando em risco a população civil com suas incontáveis “operações policiais”.
Operações de rotina como essas, “de combate ao tráfico de drogas e de armas”, que foram as responsáveis por grande parte das 898 mortes provocadas pela polícia, entre janeiro e outubro deste ano. Mortes de criminosos? Ninguém sabe, simplesmente porque as autoridades de segurança do Rio continuaram sem investigar os “autos de resistência” no estado em 2009.
Portanto, apesar da tímida implantação das UPP (que serão usadas eleitoralmente, com toda certeza), continua-se fazendo “mais do mesmo” no Rio de Janeiro. O ano de 2009 (assim como 2008 e 2007) foi marcado mais pela “política de enfrentamento” do governo Sérgio Cabral, do que pelas UPP.
Política de enfrentamento que o governo do Rio insiste em dizer que foi criada por ele, mas que não é nada diferente do que fizeram, por exemplo, Moreira Franco, Marcello Alencar, Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho. Não cito Benedita porque seu governo foi muito curto (oito meses apenas).
Por isso, 2009 foi como muitos anos desperdiçados pelas autoridades de segurança. Muita truculência policial, muito tiro disparado, muitas balas perdidas, muitas operações despropositadas, muitas vidas de civis colocadas em risco por uma política nada original dos gestores fluminenses.
Não me apóio apenas em minhas convicções (que são apartidárias). Me apóio nos próprios números oficiais para dizer que 2009 foi um ano perdido. Comparando os dez primeiros meses deste ano com o mesmo período de 2008, os homicídios aumentaram 4%, alcançando a marca de 4.880 entre janeiro e outubro.
As tentativas de homicídio cresceram 17%, atingindo 3.793 casos em 2009. As agressões aumentaram 7% (64 mil casos em 2009), assim como os roubos a transeunte, o roubo mais comum (60.483 casos em 2009).
Claro, tivemos redução em crimes como latrocínio (roubo seguido de morte), roubos em coletivos, roubos de veículos e roubos de cargas. Mas enquanto tivermos crimes violentos crescendo, não teremos sucesso.
Sobre as milícias, sabemos que houve muitas investigações e operações, principalmente contra a chamada “Liga da Justiça”, mas também sabemos que elas continuam se expandindo no Rio de Janeiro, como mostrou um estudo da antropóloga Alba Zaluar, recentemente. Então o que foi feito contra as milícias, ainda foi pouco.
Sobre o governo federal, ainda aguardo para ver quando (ou se) o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) vai deslanchar de vez e quando haverá uma política eficaz de fiscalização de portos, rodovias e fronteiras.
Continuo aguardando as investigações da Polícia Federal e do Exército contra a venda indiscriminada de armas no país. Continuo esperando para ver uma reformulação da política penitenciária nacional. E, por fim, continuo esperando para ver quando os criminosos de “colarinho branco” do país serão processados, julgados, condenados e presos no Brasil.
Infelizmente, 2009 não trouxe nada disso para a segurança do Rio de Janeiro e do nosso país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário