domingo, 17 de janeiro de 2010

Dados revelam caos em sistema penitenciário do RN


Roberta Trindade - Da Trubuna do Norte

Em Natal foram registrados até novembro de 2009, 369 homicídios, destes, 80% das vítimas (295,2) seriam de detentos que deveriam estar cumprindo o regime prisional. A constatação é do juiz da 12ª Vara de Execuções Penais, Henrique Baltazar. Ele garante que o não cumprimento da lei penal contribui para ao caos no sistema penitenciário do RN. O magistrado revelou que a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc) deixou de enviar a lista de quantos presos haviam em Natal e em quais unidades cumpriam pena por quase dois meses – o detalhe é que ssa lista deve ser encaminhada diariamente. “Em novembro de 2009 recebi a última listagem. Na quinta-feira (14), às 14h41, por e-mail, recebi uma nova lista”, diz o juiz.

De acordo com dados da Sejuc, no dia 14 passado, a população carcerária na capital era de 1.830 presos. Número que oscila, diariamente, devido prisões e solturas. Com cerca de 800 mil habitantes, a capital do RN não possui Penitenciária (local para abrigar presos condenados). Os presidiários permanecem no Presídio Provisório Raimundo Nonato, na zona Norte. Lá, estão condenados, aqueles que aguardam audiência e os que esperam julgamento. A população carcerária da unidade varia entre 380 e 410 homens. A capacidade é para pouco mais de 200. No CDP - Centro de Detenção Provisória (são oito na capital), muitos presidiários, encontram-se na mesma situação que os apenados detidos no Raimundo Nonato.

Um problema estrutural que reflete no dia a dia do cidadão potiguar, isso porque, segundo Henrique Baltazar, enquanto, o Estado deixa de investir na construção de novas cadeias públicas tem gasto muito mais para tentar coibir os crimes que ocorrem nas ruas. “Quando o sistema prisional não funciona repercute na segurança.

Baltazar lembra que após a greve da Polícia Civil (2 de dezembro de 2009), a Sejuc, sem servidores suficiente, assumiu todas as carceragens e estaria tentando colocar “ordem na casa”.

O juiz explica que o capitão José Deques (coordenador do Sistema Penitenciário) pretende mandar um funcionário, diariamente, nas unidades com um lista para verificar quem está preso e quem foi solto. “Todos os dias, a polícia prende pessoas e outras estão sendo soltas. O funcionário vai passar nas unidades com um papel na mão anotando quem está preso e quem foi liberado? Não existe atualização desta forma. Tem que informatizar”.

O juiz diz que o Tribunal de Justiça (TJ) se organizou e que o órgão é informatizado, mas que a ausência, nos presídios, de computadores conectados a internet dificulta o trabalho. “Para que a justiça possa funcionar com total eficiência depende de outros órgãos. Da Sejuc e da Sesed (Secretária de Segurança e Defesa Social). O trabalho precário deles prejudica o nosso” O magistrado enfatiza: “Como a listagem não estava sendo atualizada e não sei se vai ser todos os dias, acesso o site da Tribuna do Norte, para ver quem foi preso ou assassinado”.

Baltazar conta que de posse do nome, verifica no sistema online do TJ/RN. “Se era apenado e morreu, mando expedir a certidão de óbito. Assim faço o controle”

Prova disso, foi o que ocorreu na segunda-feira (11), onde foi executado com seis tiros Alisson dos Santos Queiroz, 20, na Vila de Ponta Negra. Ao acessar a TN, o juiz soube do homicídio e procurou pelo nome da vítima no sistema do TJ. “Ele estava foragido e ninguém sabia. Era para estar cumprindo o regime semi-aberto”.

Se a pena imposta ao preso deve estar fundada em três princípios básicos: estudo, trabalho e disciplina, Natal precisa evoluir muito para chegar até esse degrau. Alguns presos podem estar esquecidos nos estabelecimentos prisionais “Pode até ocorrer, porém, em julho passado realizamos do um trabalho de revisão em nas unidades”.

“Não existe regime semi-aberto em Natal”

De acordo com a lei brasileira existe no país três regimes: o fechado, o semi-aberto e o aberto. Para o juiz Henrique Baltazar, o regime semi-aberto não existe na capital.

No semi-aberto, o apenado deve cumprir pena em penitenciária agrícola ou industrial. “O semi-aberto em Natal, na verdade é o aberto. Os presos só vão à noite para dormir e isso nem acontece todos os dias. Não tem espaço físico para todos”

Henrique explica que conversou com Leonardo Arruda, várias vezes, e ele havia dito que providenciaria um galpão para colocar os presos. “Leonardo tem boa vontade, mas, as coisas não evoluem. O sistema penitenciário está falido”

No regime aberto, a lei determina que o preso saia durante o dia da instituição e volte para dormir. “A coisa está tão errada em Natal que o semi-aberto virou aberto e o aberto está escancarado. Ninguém cumpre”.

O juiz conta que a Coape (Coordenadoria de Administração Penitenciária) foi procurada por uma empresa que fabrica tornozeleira e pulseira, onde se fiscaliza o preso, por meio, de um sistema de monitoramento. Através de uma antena colocada na casa do detento é possível monitorá-lo. “Esse sistema pode ser muito bom se o Estado quiser assumir o custo”

Obras emperradas

Pra quem acredita que as obras da Cadeia Pública da cidade de Nova Cruz estará pronta rapidamente, o juiz Henrique Baltazar garante o contrário. Segundo ele, Leonardo Arruda (Secretário da Sejuc) afirma em entrevistas que a obra está quase pronta. “Ele diz isso há três anos. Boa parte da construção está sendo custeada pelo governo federal, mas em 2009, durante três meses a verba atrasou”

Sobre a Cadeia Pública de Parelhas, o juiz desabafa: “Fala-se tanto em Parelhas, mas a Sejuc não tem sequer o terreno. Como pode estar sendo divulgado a obra?”

De acordo com o juiz, em funcionamento, o Rio Grande do Norte tem Penitenciárias, nas seguintes localidades: Nísia Floresta, Parnamirim, Mossoró (atende a demanda da cidade), Caicó (atende a região do Seridó) e Pau Ferros (Alto Oeste).

Sistema informatizado pode ajudar

De acordo com Henrique Baltazar, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ/RN) possui um sistema informatizado eficiente. O Tribunal ofereceu, gratuitamente, ao governo o mesmo sistema. “Não utilizam porque não há internet em todos os estabelecimentos”, diz.

O magistrado afirma que se tivesse uma lista online, o diretor de cada presídio poderia alimentar a listagem, diariamente. “É simples, mas esbarramos em um problema: o Governo não quer fazer esse tipo de investimento”, afirma.

Henrique Baltazar cita, como exemplo, que na Delegacia Especializada em Capturas e Polinter (Decap), no bairro de Candelária, o titular da DP, Maurílio Pinto de Medeiros, tem milhares de mandados de prisão esperando para serem cumpridos. “Lá é tudo manual. São armários com várias gavetas onde estão fichas de foragidos. Muitos já devem estar mortos”, analisa.

Enquanto o sistema penitenciário em Natal não funciona, o Tribunal de Justiça se prepara para que os processos sejam feitos por meio eletrônico. “Rápido, prático e eficiente. Deveria ser desta forma nos outros órgãos”.

Famílias não pedem certidões de óbito

Outra denuncia feita pelo juiz se refere as certidões de óbito. Segundo ele, após o corpo ser liberado para sepultamento, no Itep (Instituto Técnico-Científico de Polícia) a família da vítima realiza o enterro, mas não tira a certidão que comprava o falecimento. “Para a justiça e para o INSS a pessoa está viva. Isso cria um problema na Execução Penal e também pode gerar fraude”, denuncia Henrique Baltazar.

Apesar do registro ser gratuito, o magistrado, cita como exemplo, a cidade de Caico, na região Seridó do Estado. “Lá, é comum pessoas mortas “continuarem vivas””

Bate-papo
Leonardo Arruda » Secretário da Sejuc

O secretário da Sejuc, Leonardo Arruda Câmara informou que até a quinta-feira (14) a população carcerária no RN era de 4.188 presos. Comparado com o ano de 2003 quando estavam detidos no sistema penitenciário 1.729 presidiários, houve aumento de cerca de 142%, ou seja, 2.459 presos a mais em em oito anos.

Como o senhor avalia as declarações do juiz Henrique Baltazar, onde ele diz que a secretária até o dia 14 passado não havia uma lista atualizada de presos?

Pode ter ocorrido um mal entendido. Temos todos os dados necessários, como gráficos e fotos. O problema é que recebemos as carceragens das Delegacias em dezembro e estamos nos estruturando. Vamos informatizar os estabelecimentos prisionais Nos 12 primeiros dias, deste ano, foram recebidos 72 presos nas antigas carceragens das Delegacias da cidade, hoje, Centros de Detenções Provisórias.

Secretário e o concurso de agentes penitenciários?

Este ano serão nomeados 490 novos agentes. Em 2003 eram 521. Hoje, o numero está reduzido em apenas 430 profissionais. Mas, o importante é que o curso de formação para os novos servidores começa dia primeiro de fevereiro.

E a construção das novas cadeias públicas? E as obras da Cadeia Pública de Nova Cruz como estão?

A Cadeia Pública de Nova Cruz está concluída. Falta a regularização da construção. A vistoria será realizada pela Caixa Econômica, pelo Ministério da Justiça e pela prefeitura. Será expedida a ordem de serviço para início das obras da Cadeia de Macau e a de Ceará-Mirim que já foi licitada. A obra da Cadeia de Lajes, está em análise.

Como será a unidade independente?

Será uma unidade pré-moldada, com 400 novas vagas, em terreno remanescentes da Penitenciária de Alcaçuz (Nísia Floresta). Esta construção, já foi autorizada pelo governo do Estado. Por causa do método de construção, será edificada, no prazo máximo de 120 dias. Os recursos são próprios. Além dessa construção, estamos ampliando a Cadeia Pública de Mossoró, com o aumento de 80 vagas. Teremos mais 15 vagas, em Natal, na ala feminina do Complexo João Chaves.

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