Por Lélio Braga Calhau*
Adentramos ao século XXI investigando e processando (regra geral) os acusados da mesma maneira como há mais de cinqüenta anos. Avanços ocorreram de forma significativa na defesa dos direitos fundamentais dos acusados e na forma como os crimes são perpetrados (buscando, em suma, dificultar a descoberta da autoria e a formação da prova para uma condenação). Todavia, as técnicas de investigação policial e de processamento dos acusados em crimes de homicídios não evoluíram com a mesma velocidade no Brasil.
O resultado disso já é de nosso conhecimento. Níveis elevados de impunidade e descrédito da população com a falta de efetividade do Sistema da Justiça Criminal (Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias e Administração Penitenciária). A ação solitária e com foco apenas nos inquéritos/processos de sua atribuição transforma delegados de polícia e promotores de justiça em burocratas da Justiça Criminal. Não pensam, não refletem, apenas reproduzem cegamente os procedimentos desse sistema.
A atuação unicamente reagente desses profissionais nos impede de perceber padrões de ação criminal (ou assinaturas em homicídios), que podem nos levar a detectar a atuação de um tipo de delinqüente psicopata muito danoso: os assassinos seriais (serial killers). Nosso sistema criminal praticamente finge desconhecer a ação dos psicopatas. Esses passam tranqüilamente pelo sistema, entram e saem, e nada é feito no sentido de detectá-los. Só são identificados, como tais, quando já causaram um mal maior. Coibir a ação dos psicopatas assassinos seriais é um grande desafio para o Sistema da Justiça Criminal.
Para Hilda Morana, Michael Stone e Elias Abdalla-Filho, os transtornos de personalidade, sobretudo o tipo anti-social, representam verdadeiros desafios para a psiquiatria forense. Não tanto pela dificuldade em identificá-los, mas, sim, para auxiliar a Justiça sobre o lugar mais adequado desses pacientes e como tratá-los. Os pacientes que revelam comportamento psicopático e cometem homicídios seriados necessitam de atenção especial, devido à elevada probabilidade de reincidência criminal, sendo ainda necessário sensibilizar os órgãos governamentais a construir estabelecimentos apropriados para a custódia destes sujeitos. O que se vê é que não há política de saúde pública e nem judicial para intervenção nesses casos.
Agravando essa nossa incapacidade de detectar precocemente a atuação desses delinqüentes específicos, o que expõe á risco concreto de forma desnecessária a sociedade, há diversos mitos sobre o tema que ainda devam ser esclarecidos. Primeiro, serial killers não existem apenas nos Estados Unidos, mas em vários países do mundo. Segundo, existem poucos trabalhos científicos em nosso país sobre serial killers. Terceiro, não existem equipes especializadas em rastrear a ação desses criminosos no Brasil. Quarto, em grande número de casos os assassinos seriais matam vítimas como prostitutas e andarilhos, dificultando a descoberta do nome da vítima e a dinâmica do delito. Quinto, o assassino serial foge completamente dos padrões criminais (ainda lombrosianos) que policiais e promotores ainda insistem em utilizar (mesmo que isso seja negado no discurso formal), o que dificulta ainda mais a sua detecção. Sexto, não há somente serial killers do sexo masculino. Já foram detectadas serial killers do sexo feminino, embora em número bem menor de ocorrências.
O estágio da prova pericial em homicídios no Brasil, ainda pré-histórica em alguns rincões e totalmente ultrapassada na maior parte do Brasil, salvo algumas ilhas de excelência sobre o assunto, facilita, ainda mais, as ações criminosas dos assassinos seriais. Regra geral, os homicídios no Brasil ainda são apurados unicamente com provas testemunhais e com exames periciais ainda muito básicos. O exame de DNA deve ser regra geral nesses crimes, e não apenas exceção. Deve, ainda, ser dado um caráter mais seguro de preservação do local do crime e de suas evidências. Investimentos maiores estruturais por parte dos governos estaduais são necessários.
O assassino serial é, regra geral, um delinqüente inteligente e que, aproveitando-se disso, tenta manipular a ação das pessoas para obter a sua impunidade. É um psicopata, não tem sentimento de compaixão por ninguém, pois lhe interessa unicamente os seus objetivos. Para esse assassino, chega a ser um desafio prazeroso cometer o crime e ludibriar a ação do Estado, com vistas a obter a total impunidade.
Nesse contexto, é chegado o momento de repensarmos a qualidade da produção da prova criminal, notadamente em crimes de homicídios, com o intuito de garantir, não apenas o apontamento da autoria com provas testemunhais, mas com um conjunto probatório sólido e que possibilite a detecção, inclusive, de possíveis padrões de comportamento nos crimes de homicídio perpetrados por assassinos seriais. No entanto, procurar compreender o fenômeno com a ajuda da psiquiatria, psicologia, psicanálise, ainda o é, nosso primeiro passo.
Veja mais detalhes sobre o assunto no site do Procurador, o Nova Criminologia.
*Promotor de Justiça criminal do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). 2º Diretor-secretário do ICP – Instituto de Ciências Penais do Estado de Minas Gerais. Autor do livro Resumo de Criminologia, 4ª ed, Rio de Janeiro, Impetus, 2009.
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