domingo, 10 de janeiro de 2010

Rádio é fiel companheiro de detentas em Natal


Roberta Trindade - da Tribuna do Norte

Se, quem canta os males espanta, no sistema prisional em Natal, os apenados utilizam o rádio como meio de esquecer o passado, aliviar a monotonia, lembrar dos momentos em liberdade, recordar de um amor e sonhar com o futuro distante das grades de ferro. Ver o “sol nascer quadrado” também traz experiências e mudanças de vida. Pelo menos é o que garante os presidiários.

No Complexo Penal João Chaves, na zona Norte, na ala feminina, estão detidas 83 mulheres, 90% delas, pelo crime de tráfico de drogas. Quem entra nesse mundo tem dinheiro fácil e rápido, porém, uma vez preso, caso seja condenado pode pegar até 15 anos de prisão.

Os cadeados das grades de cada uma das 14 celas são abertos, diariamente, às 7 horas e voltam a ser trancados às 16 horas. Durante o tempo de “liberdade”, as apenadas circulam pelo pátio, fazem artesanato, como tapetes e bolsas, lavam roupa, batem-papo, falam de amores, tristezas e para preencher o tempo que insiste em demorar a passar, ouvem rádio. Quase todas as presas são apaixonadas por forró. Noticiários não são preferência. Apenas uma das presidiárias gosta de ouvir o programa: A Voz do Brasil. “A gente está presa mas tem que estar informada”, diz Marcela Pereira, 21 anos, detida por tráfico há um ano “e pouquinho”, como ela mesmo diz. “Também não perco às 18 horas, a Ave Maria”.

Ler não é comum. A biblioteca da unidade prisional está desativada. Elas afirmam que não existe o hábito da leitura. “Dá sono”, justifica Marcela.

Sendo assim, por meio, das ondas do rádio que ultrapassam as grades da unidade prisional elas vêem passar as semanas, meses e anos.

Todos os dias, bem cedo, é Isis Mary de Oliveira, 24, presa há um ano e dois meses sob a acusação de associação ao tráfico que solta a voz. A moça baixinha e sorridente embala as colegas que entram no clima e cantam também. O hit do momento no presídio é “Esperando Aviões”, música cantada pela banda de forró Desejo de Menina.

Na letra, o retrato vivo de muitas apenadas: “Sou um presidiário cumprindo sentença. Sou um velho diário perdido na areia. Esperando que você me leia. Sou pista vazia esperando aviões”

Sheila Soares da Silva, 20, detida há um ano e seis meses por tráfico de drogas também é fã da banda. A presa sabe de cor a letra da música e canta um dos trechos. “Meus olhos te viram triste, olhando para o infinito”.

Além de Desejo de Menina, Sheila cita outro grupo musical. A banda potiguar Grafith também é uma das mais ouvidas, entre as presidiárias. “Gostamos do estilo deles. Deveriam vir cantar pra gente”, revela o sonho que espera um dia ser realizado.

Cada uma das presas, em algum momento da vida vão encontrar a liberdade, porém, a reincidência no Brasil ainda é preocupante. Segundo dados do Sistema de Informação Penitenciário (Infopen), em 2008, de cada dez presos colocados em liberdade, sete voltaram às grades por novos delitos.

Conforme determina a lei brasileira, as apenadas estão pagando pelos erros cometidos no passado. O regime é fechado e sem muitas regalias.

Para driblar a ausência quase insuportável da família, dos amigos, do mundo, o rádio tem sido, segundo as detentas, o companheiro indispensável.

“É o dia inteiro ligado”, afirma Marinalva Marinho, 36 anos. Ela foi presa na Vila de Ponta Negra. Há um ano e nove meses está trancafiada pelo crime de tráfico. Condenada há sete anos e dez meses passa o tempo fazendo artesanato dentro da cela emoldurada com papel de parede de cor rosa e ouvindo o rádio que possui toca CD. “Sou apaixonada pelo cantor Louro Santos. Sabe aquela música, Pense em mim? Eu viajo quando ouço".

Através da música, Marinalva viaja no pensamento que segue até a Penitenciária Estadual de Parnamirim (PEP) onde está preso o “amor da vida” da artesã. É com a letra da música que Marinalva recorda do homem amado: “Como num filme, no final tudo vai dar certo. Quem foi que disse que pra estar junto precisa estar perto?”

Ouvir uma musiquinha aqui, outra ali. O rádio tem o poder de relaxar. Com uma diversidade infinita, os ouvintes podem escolher os diferentes programas musicais. “Eu gosto de rádio pop. Ouço Coldplay (banda inglesa fundada em 1988)”, conta Gleycy Kely Bezerra Barbosa, 21 anos detida por assaltos. Condenada a 15 anos e sete meses de prisão, após ter recorrido da sentença, a justiça concedeu redução de pena para oito anos e nove meses, dos quais, cumpriu dois anos e 11 meses. Glaycy é a conhecida Kely Pit Bull. Menina jovem e bonita que, na época da prisão foi acusada de cometer quatro assaltos a casas lotéricas e de ser a líder de uma quadrilha composta por quatro rapazes.

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