quarta-feira, 3 de março de 2010

O que se passa na cabeça de um maníaco?


Psiquiatra e especialista em perfil psicológico dão pistas para entender como funciona a mente de assassino de mulheres em série

Clarissa Passos, iG São Paulo


Marcos Antunes Trigueiro, 32 anos, casado e pai de cinco filhos, foi identificado na semana passada como o suposto "Maníaco de Contagem", cidade na região de Belo Horizonte, em Minas Gerais. A ele foram atribuídos cinco estupros, seguidos de assassinato por estrangulamento. Teria sido possível reconhecer o perigo? O que passa pela cabeça de um criminoso em série que persegue mulheres?

Ilana Casoy, pós-graduanda em Criminologia pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e autora de livros sobre o tema, como "Serial Killer - Louco ou Cruel?" e "O Quinto Mandamento: Caso de Polícia" (ambos da Editora Ediouro), explica que as razões para um comportamento extremo, como o dos criminosos em série como Marcos, variam muito. "É impossível reduzir a uma só causa”, diz.

Para Frederico Abelha, delegado responsável pela investigação do caso de Marcos Trigueiro, o criminoso em série é alguém que sofreu, ao longo da vida, algum desvio. “Pode ser uma predisposição psiquiátrica, que é agravada por um evento traumático ou alguma frustração”, acredita ele.

O próprio termo usado pela imprensa ao noticiar casos deste tipo não é totalmente correto. "Maníaco não é um termo médico. É uma definição leiga para descrever alguém que comete crimes em série. Ele pode ser psicopata, ou apresentar algum tipo de parafilia, que é um transtorno da preferência sexual, como o sadismo", explica Daniel de Barros, psiquiatra e médico coordenador do NUFOR, Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica do Hospital das Clínicas de São Paulo. O termo foi o que restou de uma teoria do médico francês Jean-Étienne Esquirol, que no século 19 classificava como "monomanias" certas formas de loucura que levavam ao crime.

A terrível tríade

O criminoso em série apresenta algumas características comuns, como o que a escritora e especialista em perfis chama de "terrível tríade": piromania, enurese noturna até idade avançada e crueldade com animais ou crianças. Mas Ilana alerta: "Isso não é um diagnóstico, é uma estatística. Não quer dizer que toda criança com os três sintomas vai se tornar um assassino”.

É comum que criminosos em série tenham infâncias marcadas por trauma e abuso, porém, isso não é um sinal definitivo de que o adulto terá problemas. Há pessoas com histórias de infância violentas que, ao crescer, conseguem superar o trauma e até se tornam, por exemplo, coordenadoras de ONGs que lutam contra o tipo de violência que sofreram. "Não há um fator de definição", assinala.

Tampouco há exclusões. "Estudos do FBI (Federal Bureau of Investigation) demonstram que não é possível determinar um perfil básico do criminoso em série. Ele surge em qualquer classe social, de qualquer nível intelectual", diz o psiquiatra Daniel de Barros. E, na maioria das vezes, os problemas não começam no crime, especialmente para quem tem uma disfuncionalidade psicológica. "Fantasias, rituais e elementos violentos já estão presentes no indivíduo antes do início no crime", esclarece.

Diante de um evento estressor, o frágil equilíbro mantido até então se esvai. E o comportamento criminoso começa a se manifestar.

Fantasias criminosas

O criminoso em série é incapaz de controlar as fantasias. Do ponto de vista médico, ele pode ser diagnosticado como portador de diferentes doenças. Se é um psicopata, é incapaz de sentir empatia; portanto, não tem compaixão pelas vítimas. Se é um sádico, sente prazer no sofrimento alheio. O delegado Frederico Abelha conta que Marcos Trigueiro, mesmo confessando os crimes, não mostrava qualquer traço de arrependimento. “A brutalidade com que os atos foram cometidos foi o mais chocante”, diz, acrescentando que o fato de Marcos ser casado não o surpreendeu. “É muito comum que os criminosos em série tenham uma vida social aparentemente normal”.

Uma vez que a fantasia foge de seu controle, ele comete o crime e não é incomum guardar um "troféu" da vítima - um objeto que o ajude a rememorar o momento. Quando esta memória se torna esparsa, a tendência é que o criminoso sinta a urgência de agir novamente.

Há controvérsias sobre a possibilidade de que a coleção de troféus ou a "assinatura" do criminoso (o padrão de comportamento repetido em todos os crimes) sejam um indício de culpa, um desejo de ser pego. "Muitas vezes, são só elementos do mundo mental da pessoa", diz Daniel.

Destes elementos mentais vem também a escolha da vítima, feita a partir das fantasias do criminoso. Isso geralmente se traduz em um perfil de características comuns percebidas pelo público - no caso do acusado Marcos Trigueiro, todas as mulheres eram magras, morenas e altas. Mas nem sempre é assim tão claro. "Muitas vezes, o que estabelece o perfil da vítima é algo sutil, como um sapato, ou um trejeito", diz Ilana.

As raras vítimas que escaparam de um criminoso em série o fizeram através de uma manobra que exige oportunidade e presença de espírito - uma combinação rara de acontecer em uma situação do tipo. "Elas conseguiram porque, de alguma forma, se 'personificaram' para o criminoso. Assim, deixaram de ser aquele 'símbolo', saíram da fantasia dele", explica Ilana.

A popular impressão de que criminosos em série são uma especialidade norte-americana, e de que casos assim acontecem com pouca frequência no Brasil, é descartada pelos especialistas. "Os Estados Unidos têm os melhores sistemas e a melhor estrutura de investigação, por isso conseguem conectar os crimes entre si", explica Ilana. Daniel não descarta que exista um aspecto cultural na questão, mas concorda que a polícia de lá tem melhores condições de investigar.

Prevenção

O delegado Frederico Abelha explica que, para estes casos, os cuidados preventivos são os mesmos que uma mulher deve tomar contra estupros comuns. Ele recomenda andar com os vidros do carro sempre fechados, especialmente à noite. Também é importante deixar sempre alguém informado do seu paradeiro; assim, no caso de desaparecimento, a polícia pode agir rápido – e até evitar a consumação do crime.

O velho conselho de não conversar com estranhos é reforçado pelo delegado. “O crime não tem rosto”, ele alerta. Portanto, independentemente da aparência de quem se aproxima, tenha cuidado. E, se sofreu uma abordagem, reporte à polícia. Pode ser um criminoso serial tentando entrar em ação.

Casos de crimes em série

Século 19 – Jack, o Estripador
O mais clássico caso de um criminoso em série que atacava mulheres, foi o primeiro a ser amplamente coberto pelos jornais. Até hoje, tanto a identidade do assassino como o número de vítimas feitas por ele são uma incógnita – 11 corpos de mulheres foram encontrados mutilados na região de Londres onde ele agia, e onde elas trabalhavam como prostitutas.

Anos 60 - Chico Picadinho
Francisco Costa Rocha foi condenado pelo assassinato e esquartejamento de duas mulheres. Ele disse ter agido sob influência do romance "Crime e Castigo", de Dostoiévski. Ele continua preso.

Anos 60 - Albert DeSalvo
Acusado de ser o Estrangulador de Boston, responsável pela morte de 13 mulheres. Casado, ele foi criado em um lar violento, com um pai abusivo. Apesar de passar à história como um maníaco, ele nunca foi formalmente acusado, nem julgado pela série de crimes.

Anos 70 - Ted Bundy
O norte-americano Theodore Robert Cowell, atuou entre 1973 e 1978. São atribuídos a ele 35 assassinatos de mulheres, atraídas por sua educação e boa aparência – Ted costumava usar um gesso falso e pedia que as potenciais vítimas o ajudassem a carregar uma pilha de livros.

1998 - Maníaco do Parque
Francisco de Assis Pereira, motoboy, foi condenado pelo assassinato de 8 mulheres. Os corpos das vítimas apresentavam sinais de violência sexual e foram encontrado no Parque do Estado, divisa de munícipio entre São Paulo e Diadema.

2008 - Maníaco da Cruz
O adolescente matou três pessoas - duas mulheres e um homem - na cidade de Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul. Os corpos foram encontrados nus, com as pernas fechadas e braços abertos em posição de cruz. Condenado em 2009, ele disse que matava para "purificar".

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