Flávia Resende - da Comunidade Segura
Enquanto o país aguarda a criação um grupo nacional de policiais especializado na repressão ao crack, conforme anunciado pelo Secretário Nacional de Segurança Pública Ricardo Balestreri, Minas Gerais pesquisa, discute e propõe alternativas para o combate à droga no cenário nacional.
Pelo menos é o que pretende a pesquisa que está sendo realizada pelo coordenador do Centro de Pesquisa de Segurança Pública da PUC Minas (Cepesp) e secretário Executivo do Instituto Minas Pela Paz, Luis Flávio Sapori (foto).
A pesquisa, que já acontece há dois anos, é financiada pelo CNPq e já entrevistou cerca de 50 pessoas – dentre elas usuários, familiares, policiais, técnicos de saúde e comerciantes da droga –, vem construindo possíveis saídas para um problema que já é considerado de gravidade nacional. Segundo Sapori, que já foi secretário adjunto de Defesa Social de Minas Gerais, a idéia é aumentar o nível de preocupação das pessoas com o problema. “O crack é um problema público grave e a Segurança ainda está atônita, sem saber lidar com a questão”, afirma.
Isto porque, segundo o pesquisador, o crack é fator de risco para a violência urbana. “É um elemento que vem contribuindo para os homicídios e roubos nas cidades brasileiras”. Sapori enfatiza, no entanto, que não é somente o efeito químico da droga que a torna criminógena, mas o seu comércio, que é mais lucrativo que a cocaína e a maconha e atinge as classes pauperizadas. “No comércio ilegal, dívidas são pagas com a vida. Desta forma, os homicídios tendem a crescer mais”, explica.
Além do mais, segundo ele, o efeito farmacológico da droga cria um nível de dependência maior. “Na avidez de buscar recursos, o usuário acaba incorrendo em crimes contra o patrimônio”, diz. Ele aponta ainda que o comércio do crack é mais fragmentado que o das outras drogas. “Alguns revendedores acabam consumindo o produto, se tornando também endividados, o que fomenta ainda mais os homicídios”, aponta. O determinante, no entanto, não é o efeito bioquímico da droga. “Ela não cria indivíduos mais agressivos. Mas o endividamento sim, este é o elemento decisivo”, enfatiza.
Outra peculiaridade do crack, para o pesquisador, é que ele é também uma questão de saúde pública. “Os consumidores são mais intensos e frenéticos que os da cocaína”, compara. Segundo Sapori, não há uma política nacional de saúde pública para acolher o dependente químico que queira se tratar. Ao mesmo tempo, não há mecanismos para aqueles que necessitariam de uma internação involuntária.
No lado social, o pesquisador ressalta que a dependência da droga também é nociva. “Eles (os usuários) criam problemas com as famílias, destroem suas vidas, abandonam as suas atividades laborais e se abrigam nas cracolândias”, explica. O crack gera espaços degradados, criando problemas para o espaço urbano. “Os indivíduos tendem a procurar regiões sujas, mal iluminadas, imóveis abandonados”, diz.
Busca de soluções
Não há precedentes de ações efetivas de combate ao crack no mundo, o que torna a questão ainda mais difícil, segundo Sapori. Nos Estados Unidos, ele diz que a droga deixou de ser vendida por decisões mercadológicas dos traficantes que a consideravam pouco lucrativa. Mas no Brasil, o pesquisador aponta que é diferente pela lucratividade do comércio. “Os traficantes vão continuar vendendo”, diz.
Lidar com o crack, portanto, exige uma solução intersetorial. “Não é problema de polícia”, diz. Mas, segundo ele, de uma ação integrada entre a segurança, a saúde, políticas antidrogas, gestores municipais do espaço urbano, o Ministério Público e o poder Judiciário.
Um bom projeto nesta área para funcionar bem tem de ter possibilidade de encaminhamento para a internação, diz. Mas, ao mesmo tempo, Sapori defende que não é o caso de partir para a liberação do uso. “O crack é diferente da maconha, seus efeitos são distintos”, aponta. “Não se pode abrir mão da repressão”, enfatiza.
Neste caso, Sapori defende não somente a repressão à entrada da matéria-prima da droga no país. Mas principalmente, o desmanche dos laboratórios, uma vez que a droga é produzida localmente. Para ele, as políticas repressivas precisam atingir o comércio da droga. “Precisamos tirar a droga do mercado. Ela teria de ser mais cara e menos lucrativa”, acredita. “Não temos uma polícia qualificada para a repressão ao atacado do crack”, aponta.
O pesquisador, no entanto, ressalta que esta seria uma experiência inédita no mundo: tirar uma droga de circulação. Mas, segundo ele, apesar das dificuldades, é preciso tentar. “Aumentar o preço da droga, diminuir a lucratividade, atuar firme no tratamento do usuário e as campanhas de prevenção”, defende. “Precisamos atingir as escolas o mais rápido possível”, diz. “Pelo menos é o que está emergindo da pesquisa”, conclui.
A primeira tentativa de uma experiência de tratamento crack de maneira intersetorial começou na região da Pedreira Prado Lopes, em Belo Horizonte, em 2005. Nesta época, Sapori exercia o cargo de Secretário Adjunto de Defesa Social (Seds). Segundo ele, foi feita uma parceria entre a Secretaria de Defesa Social, a Subsecretaria de Política antidrogas, o Ministério Público, a prefeitura, entidades de tratamento da sociedade civil e os Juizados Especiais para intervir na área, que ficou conhecida como cracolândia.
Segundo o subsecretário de Políticas Antidrogas, Cloves Eduardo Benevides, a ação neste local é continuada. Desde o seu início, já foram encaminhados 117 usuários para o tratamento. A abordagem dos viciados é feita por um psicólogo e um assistente social. O objetivo é acolhê-los e levá-los para o tratamento em clínicas parceiras da sociedade civil. A ação também tem a participação da polícia: os usuários que resistem ao tratamento são levados para o Juizado Especial, podendo o juiz determinar uma internação forçada.
A Pedreira contou ainda com uma intervenção urbanística. A ideia, segundo Sapori, era evitar imóveis abandonados e deixar a região limpa e iluminada. Para o grupo mais resistente, eram realizadas abordagens policiais constantes no sentido de incomodá-los. Muitos usuários deixaram a região.
Para Benevides, no entanto, a situação é ainda grave. “O crack é uma substância poderosíssima, falsa, fugaz, que dá uma sensação de totalidade no momento em que é inalada. Ela atua na lógica dos vazios. O usuário se vincula de tal maneira aquele momento, que não consegue ficar mais sem”, explica. Além do mais, ele explica que a droga tem o mito de ser barata. Mas não é bem assim. Benevides ressalta que ela é uma droga de “experimentação barata”, mas que o seu uso contínuo é caro de manter. “Há usuários que gastam cerca de R$ 300,00 por dia para ter os 15 segundos de prazer que a droga proporciona”, conta.
Benevides conta que o crack chegou mudando todas as questões no que diz respeito às discussões antidrogas. “Trilhamos o caminho da despenalização. É o caminho correto. Mas este avanço histórico é ineficiente para o crack”, diz. “Ele mudou o perfil do usuário. O crack agrava as crises de violência. O sujeito não quer se tratar, rompe os vínculos sociais e não temos referência que os medicamentos sejam realmente capazes de romper este quadro”, questiona.
Para Benevides, é preciso uma discussão multissetorial e um pacto de enfrentamento para tratar a questão. “O crack é um problema de toda a sociedade”, enfatiza. “O usuário deve ser tratado. Se negarmos a assistência, o sujeito evolui para o crime, ele vai ser apenado, mas a motivação da sua conduta não foi atacada”, explica. No entanto, o subsecretário chama a atenção para o perigo de reinventarmos o manicômio com a lógica da internação de todos. “É preciso conciliar os discursos. Atuar junto à saúde, a assistência social e a segurança”, defende.
O estado de Minas Gerais gasta cerca de R$ 7 milhões por ano em políticas de enfrentamento às drogas. Programas como o Papo Legal, uma parceria do governo e a entidade civil Terra da Sobriedade, tem como objetivo mobilizar a rede social para a prevenção às drogas e colaborar na implantação de uma política estadual sobre drogas. O programa atua na região metropolitana de Belo Horizonte e aposta na organização da sociedade civil para a prevenção do uso.
O estado conta ainda com o SOS drogas, centro de referência que agrega 39 entidades parceiras da sociedade civil para o tratamento dos viciados. Segundo Benevides, esta foi uma alternativa pensada para se suprir a dificuldade do Sistema Único de Saúde (SUS) de lidar com a questão. “Conseguir uma internação num hospital público para o usuário em crise é uma questão nacional”, aponta. Para isto, Benevides acredita que o SUS precisa ter portas mais definidas para esta especificidade.
O subsecretário cita ainda o trabalho que vem sendo feito em programas de prevenção tais como a Central de Penas Alternativas (Ceapa), ligada à Seds, que já encaminhou mais de cinco mil usuários para participação em projetos temáticos que discutem a questão. Minas Gerais mantém ainda 240 Conselhos Municipais para a discussão do tema.
Para tratar uma questão como esta, Benevides propõe o que ele chama de “lógica de consertação”, trabalhando com o indivíduo do tráfico e o usuário. “Temos de escolher o caminho do meio. Nem a ausência total da sociedade e saúde e nem uma lógica repressiva somente. É preciso uma inteligência policial mais significativa e estratégia de acolhimento para quem sofre por falta da droga. Precisamos ter uma posição de estado, que vai além dos governos”, propõe.
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