quinta-feira, 22 de abril de 2010

UPP pra inglês ver e para ninguém entender


Por Cecília Olliveira

Ano eleitoral. Seguindo a onda da web o Governo do Rio de Janeiro criou o Núcleo de Comunicação Digital do Governo do Estado e caiu na rede com perfis no Twitter, Orkut, Facebook, YouTube e Flickr.

Apesar do objetivo ser o relacionamento do governo com a população que está presente nestas redes, nem sempre funciona desta maneira. Outro dia eu tentei contato no twitter com os perfis @GovRJ e @segurancarj no twitter perguntando sobre a taxa de elucidação de crimes e não obtive resposta. Quando uma amiga perguntou sobre o endereço no Facebbok, o retorno foi imeditado, o que me leva a crer numa seleção de assuntos a serem debatidos on line.

As iniciativas de se aproximar da população fluminense vão além. O Núcleo de Comunicação Digital também tem organizado encontros com blogueiros e internautas a fim de apresentar projetos e conversar sobre assuntos pertinentes. Um dos encontros foi com a secretaria de habitação e o outro não me recordo agora. O terceiro, para o qual fui convidada, tinha como tema a implantação da UPP Tijuca.

Recebi o convite para participar deste encontro na semana passada, e desde então, não cessaram as surpresas. A primeira delas foi que nenhum dos blogueiros que conheço e que pautam segurança pública foram convidados. Logo, deduzi que eu havia sido chamada por engano. Tive certeza disso quando cheguei ao prédio da SESEG (Secretaria de Segurança) e percebi que todos os demais convidados possuíam um perfil bem diferente do meu: uns tinham blogs relacionados com o bairro da Tijuca (de forma abrangente, pautando assuntos diversos do bairro), outros eram mediadores de comunidades no Orkut que também se referiam ao bairro. Desta forma, os amigos que não foram, me mandaram dezenas de perguntas, afinal, não é todo dia que o Secretário de Segurança está disponível.

O encontro começou com uma pequena introdução do secretário de segurança, Mariano Beltrame, que enalteceu a capacidade do bairro de se organizar e demandar atuação governamental. O pecado inicial ficou por conta da afirmação de que houve registro de apenas um homicídio desde a implantação da UPP na Cidade de Deus, quando na verdade, entre 2008 e 2009, houve 6, como mais tarde mostraria o delegado e Superintendente de Planejamento Operacional Roberto Alzir Dias Chaves. O delegado deu sequencia no encontro e apresentou os estudos técnicos que sustentam o projeto das UPPs, dados relativizados sobre antes e depois de sua implantação, e expôs informações sobre o projeto da Tijuca.

Uma UPP por mês

Uma das afirmações que mais me chamou a atenção, dentre varias feitas por Alzir, é de que o governo vai inaugurar uma UPP por mês até dezembro. A Tijuca vai ganhar unidades de policia pacificadora nas comunidades de Mangueira, Borel, Turano, Salgueiro, Formiga, Andaraí e Macacos. Todos estes morros, bem como os demais que já receberam UPP até hoje, são dominados pelo Comando Vermelho, como exceção do morro de Macacos, onde foi abatido um helicóptero da PM e que está sob o comando da ADA (Amigos dos Amigos). Questionados sobre o porquê das escolha de morros dominados por uma única facção, Beltrame é enfático ao afirmar que isso não tem nada a ver.

Coisas interessantes sobre os planos da SESEG

Uma das metas da Secretaria é a criação de um órgão, vinculado ao ISP, para medir o efeito das UPPs e avaliar a política, mensurando desde números de criminalidade à qualidade das instalações da Unidade, para que não recorra no erro das GPAEs, que, de acordo com o Alzir, não tinha metodologia nem consistência. Vale lembrar que hoje há instalações de UPP em contêineres.

Um ponto bastante interessante é a afirmação do delegado de que os dados referentes a estas áreas, levantados pelo próprio ISP, não são muito confiáveis. Um governista, afirmando que os dados referentes à criminalidade levantados por um órgão governamental não são muito confiáveis, exatamente num dia em que foram divulgados dados referentes ao mês de fevereiro de 2010, onde, em comparação com janeiro, desapareceram da contagem 6 homicídios. De acordo com a SESEG, eles foram corrigidos por terem sido compilados em duplicidade.

Elucidação de crimes

Quando questionei se a taxa de elucidação de crimes estava nas metas estabelecidas pela SESEG para redução da criminalidade, a resposta de Alzir foi desmoralizante: “A secretaria se ateve a percepção da sociedade sobre a criminalidade. Pra um cidadão comum, o que ele quer? Ter menos crimes. Não importa quantas armas são apreendidas, quantas pessoas foram presas, quantos inquéritos são relatados. Importa quantas pessoas morrem, quantas são roubadas. A Secretaria se ateve a redução de indicadores de criminalidade. Internamente na policia civil existem metas de relatoria de inquérito, por causa de uma metodologia buscada pela própria policia civil. A Secretaria não se importa com estas metas, muito embora as estimule”.

No Rio de Janeiro, a cada 100 crimes cometidos, aproximadamente 5 são de fato solucionados. Uma taxa de elucidação que beira 5% demonstra, no mínimo, a ineficácia do trabalho exercido. Se a secretaria de segurança acha que isso não é importante, observemos isso em cadeia: Se acontece um crime, por que o cidadão fará um boletim de ocorrência? Para contar número ou para ver o delito elucidado? Se uma pessoa morre, fazer um BO por quê? Com que finalidade? Se a pessoa deixa de registrar o delito, tecnicamente este crime não existiu, e se não existiu, as taxas de criminalidade vão cair.

Beltrame tentou consertar o estrago das declarações de Roberto Alzir ao explicar que uma grande delegacia está pra ser inaugurada na Barra da Tijuca, completamente equipada e que desde então, poderão ser cobrados pelo trabalho, que o Chefe de Polícia “deve ter estes índices pra lá” e que o Ministério Público aumentou o numero de denuncias em 42%.

Mas pensemos: O crime acontece, não é registrado, e a criminalidade diminui. Boa política esta, não?

Escola de UPP

“O Bope terá uma escola de UPP”, disse Beltrame. De tempos em tempos policiais que trabalham no policiamento das Unidades ficarão quinze dias em reciclagem na unidade do Bope. Outra ação anunciada, com a mesma visão de reciclagem, é o rodízio de policiais, que devem ser trocados de unidade em unidade pacificadora para evitar vícios (corrupção e envolvimento com a marginalidade local). Curiosamente, em reportagem publicada no GLOBO, Antonio Werneck descreveu uma reunião de bandidos de pelo menos 45 grandes favelas da Região Metropolitana do Rio, na qual as duas maiores facções do tráfico, rivais, selaram um acordo de paz para resistir à ação da política de pacificação das favelas. Nesta reunião os próprios bandidos disseram que a única saída para a UPP dar certo é fazer rodízio dos policiais. (leia mais aqui)

Para garantir a qualidade e continuidade da ação, como disse Alzir, metade dos policiais formados a cada turma dos cursos de formação de policiais, a partir de 2010, serão destinados às UPPs.

Corrupção na PM

Beltrame citou o caso Colômbia, que demitiu 15 mil policiais e disse algo bem interessante: “nós não podemos tirar todo mundo das ruas e ficar sem polícia”. Bom, isso no mínimo me da margem pra pensar que pouca coisa se salva da PMERJ.

Em certa oportunidade o Comandante Geral da PM, Mario Sergio, disse que os GPAEs eram coniventes com o tráfico. Não me lembro de ver ninguém ser punido por tal conivência. Aqui entra outra reclamação de policiais: só praças são punidos, oficiais sempre saem ilesos.

Beltrame citou o caso em que o soldado da PM Leonardo da Cruz Cortez, de 27 anos, lotado na UPP Pavão Pavãozinho, foi expulso após tentar arrombar caixas eletrônicos. Mas oficiais acusados de conivência com trafico, máfias de caça níqueis e do jogo do bicho, não tem problemas.

Muitas pendências

Uma das primeiras perguntas que fiz foi: Por que não foram convidados blogueiros que pautam a segurança pública? A resposta vinda do assessor de imprensa da SESEG foi surpreendente: Porque isso não é um encontro sobre segurança pública.

Muitas das perguntas que eu tinha preparado, obviamente ficaram sem resposta. Por exemplo:

• Porque não foram convidados twitteiros e blogueiros policiais? Porque militares que expressam sua opinião (divergente) nas redes sociais respondem sindicância? São chamados a Ouvidoria?

• Em 2007, quando PMs fizeram passeata pedindo aumento e melhores condições de trabalho. Beltrame ameaçou os militares de prisão, porque militar não deve fazer passeata. Disse que usaria o código penal militar. Este ano conclamou a todos para participar da passeata em prol dos royalties. Então, militar pode ou não pode fazer passeata? Depende da razão?

• Porque a taxa de elucidação de crimes não é divulgada?

• Porque a vista grossa em relação ao jogo do bicho, que organiza o carnaval carioca através da Liesa, em cujo camarote as autoridades do governo carioca desfilaram, inclusive Beltrame?

• Porque as visitas são feitas só no Santa Marta? Não podem levar visitar internacionais na Cidade de Deus por quê?

6 comentários:

  1. Vo por pontos.
    Sobre os encontro, o segundo foi relacionado a Transporte Publico com Julio Lopes.
    Acho que há muito espaço para melhorar esses encontros. Falta apresentar uma pauta de antemao mais detalhada aos convidados. Falta uma moderação mais efetiva dos encontros e falta uma capacidade de estabelecer comunicação nas duas vias.

    UPP predomindantemente no CV? Sinceramente acho que sequer deveria ser um ponto que a Secretaria deva se preocupar. Afinal de contas sao criminosos ums como os outros. Entao o planejamento nao deve levar em conta um "tratamento" igual as facçoes. Há a meu ver um claro padrao nas UPPs. Primeiro começaram pela Zona Sul pela questao de ser area nobre (elitismo mesmo) e porque é limitada pelo mar. Um ponto de começo. Tirando Batan e CDD, a expançao esta seguindo um padrao de ocupaçao adjacente aquelas ja ocupadas. Ou seja, expandindo um circulo de segurança do nucleo da cidade para as periferias. Se seriam melhor o contrario? Nao sei, mas essa é a percepçao minha.

    Monitoramento e elucidaçao de crimes. Há claras falhas como voce apontou, mas é sensivel que estao tentando chegar a um sistema de monitoramento transparente. Quanto ao segundo ponto, entendo como administrador a postura da SESEG. Temos atualmente uma taxa de criminalidade tao alta, conjugada com uma defasagem de pessoal e qualificaçao, que é naturalmente esperado quea taxa de elucidadação seja baixissima. Isso nao quer dizer que não é importante, mas que neste momento é mais importante baixar os niveis de criminalidade, e aumentar as capacidades da policia, para a partir dai ter a possibilidade de monitorar de maneira séria a elucidaçao de crimes. Ate la vai caber a PC esse monitoramento, internamente.

    Corrupçao: Beltrame citou tambem que nosso sistema judiciario é todo cagado, a imensa quantidade de recursos disponiveis é um entrave para que a policia possa limpar de maneira mais rapida seu efetivo.

    Espero que voce consiga seu encontro especificamente sobre Segurança Publica. Abraço Jan.

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  2. Acabo de fazer a leitura de um dos textos não apenas mais lúcidos, mas, sobretudo, reveladores que já tive a oportunidade de observar na blogosfera.
    Lamento, mas creio que a nobre e corajosa jornalista não será convidada para um novo encontro com o delegado Beltrame e seus asseclas.
    Receba minha continência.

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  3. Parabéns!
    Excelente texto e que revela o caos da segurança no Rio.
    Juntos Somos Fortes!

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  4. Nada do que foi dito me surpreende, pois se trata de um governo que investe muito mais em propaganda que em segurança, educação e saúde.
    Onde tem UPP tem tráfico, e segurança 24h da PM prevenindo invasão.
    Não acredito muito em carta de união de facção, para mim é mais um factóide.
    É muito mais barato para o tráfico fazer sua venda sem ameaça de invasão do adversário. Acreditaria se as UPP realmente combatessem o crime naslocalidades onde estão. Para onde foram as armas da marginalidade agora ocupadas pelas UPP? Os traficantes, radinhos, seguranças, mudaram de ramo? Se engane quem quiser!

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  5. Achei interessante a matéria, e deixo aqui minha pergunta: Se eu me sentir lesado em função de um direito que me foi usurpado, tenho direito de fazer um registro de ocorrência ou o B.O. só é feito em casos de crime previsto no código penal civil? Essa foi a justificativa que recebi de um policial na Região dos Lagos quando solicitei a abertura de ocorrência de preconceito por parte de um dos funcionários de uma empresa de ônibus.
    Até hoje me pergunto se eu teria sido vítima de descado ou omissão naquele evento.

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  6. Vc é PM? Não, pq com esse tipo de analise tão lúcida, objetiva e pragmática, eu vi poucas vezes fora da PM. Mostra o que é cidadania de fato, e como seria bom se pudéssemos afetar a administração com nossas ideias. Eu um dia pensei em bloggar também sobre os problemas da minha corporação, buscando melhorias, mas ja desisti. Nao vale a pena o sofrimento e a retalhação, vide o que eles fazem com os oficias que pensam fora desse sistema de coisas. Parabens, de coracao, e que sua visao seja expandida a outros setores da sociedade.

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