Pesquisa de grupo da Faculdade de Direito constata que retorno ao crime é maior entre condenados a prisão
Marcus Lacerda - da Secretaria de Comunicação da UnB
Condenados pela Justiça a cumprirem penas alternativas voltam a praticar crimes com uma freqüência muito menor que aqueles sentenciados a permanecerem nas prisões. É o que revela pesquisa realizada pelo Grupo Candango de Criminologia, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
O estudo constata uma reincidência de 24,2% entre os condenados a penas alternativas, menos que o dobro do índice verificado entre réus que cumprem penas em regime penitenciário, 53,1%. Foram analisados os casos de 407 condenados por furto e roubo, durante os anos de 1997 a 1999. “A pesquisa reforça a noção popular da prisão como escola do crime”, constata a coordenadora da pesquisa, Fabiana Barreto.
Além da baixa reincidência entre os réus que cumpriram penas alternativas, a pesquisa constatou que menos de 25% deles responderam o processo em liberdade. “A espera pelo julgamento destes tipos de crime deveria ocorrer em liberdade, mas como, em geral, o suspeito é autuado em flagrante, acaba esperando na prisão a decisão da Justiça”, explica Fabiana.
E essa espera, segundo a própria pesquisa, pode demorar. Entre os condenados por furto, 25,23% ficaram encarcerados entre 31 a 81 dias. Nos casos de roubo, a espera na prisão pela decisão judicial foi ainda maior. Dos condenados, 44,02% passaram de 82 a 180 dias encarcerados. Esta realidade contraria o preceito legal de que a prisão preventiva só se aplica em casos específicos, quando há ameaça à vítima ou tentativa de obstrução das investigações. “O que era para ser uma exceção tornou-se uma inversão de valores”, comenta.
PENAS ALTERNATIVAS - A lei considera furto os casos em que não há uso de violência. Já o roubo implica em ameaça à vítima. Para esses dois tipos de crimes, o Código Penal prevê penas alternativas. As mais comuns são trabalhos comunitários, pagamento em dinheiro, geralmente em forma de cestas básicas, perda da carteira de habilitação e restrições de direitos e prisões domiciliares.
A autora do estudo acredita na hipótese de que a celeridade da justiça e a devida adequação das penas alternativas aos diferentes crimes sejam fatores para uma diminuição da reincidência. “Precisamos de um sistema mais eficiente, não em termos de severidade”, fala Fabiana. Para a coordenadora da pesquisa, professora Ela Wiecko, as penas alternativas facilitam a não reincidência. “Fora da prisão, o réu tem mais apoio. Lá dentro, fica exposto à violência e o incentivo ao crime”, explica. Ela defende a expansão das penas alternativas a outros tipos de crimes. “Hoje em dia, as penas alternativas não são aplicadas a crimes violentos, mas talvez com mais estudos possamos também incluir esta modalidade”, justifica.
A pesquisa mostra ainda que a maioria dos condenados por furto que voltaram a praticar crimes, 74,3%, são negros. Entre os sentenciados por roubo, o índice é de 74%. Para o professor Mário Ângelo Silva, do Departamento de Serviço Social, a situação majoritária de negros e pobres na população carcerária é um reflexo da exclusão social. Coordenador da ONG Catatau, que age na reinserção social de egressos do sistema penitenciário, ele aponta que a sobrecarga do sistema prisional e a mistura de indivíduos de diversas periculosidades colaboram para a falha deste sistema em seu objetivo de reabilitar e reeducar o condenado.
Além disso, ele aponta um fenômeno constatado em pesquisa de transgeração da criminalidade. “É comum famílias que ao longo de suas gerações vão tendo membros que caem no crime. Eu já pude ver na Papuda um pai, um filho e um avô, os três cumprindo pena”, conta Mário Ângelo, que acredita que as penas alternativas possam frear essa tendência na medida que sejam melhor coordenadas e acompanhadas. “O adolescente condenado precisa de um acompanhamento mais integral e o adulto necessita de uma atividade profissionalizante para que ele não volte para o crime”, argumenta Mário Ângelo.
VÍTIMAS – Além de estudar os réus por roubo e furto, a pesquisa do Grupo candango de Criminologia também analisou as vítimas dos respectivos processos. As pesquisadores constataram que a maioria delas é a favor das penas alternativas, mas, tratando-se de seus próprios casos, preferem a reparação”.
Na amostra da pesquisa, apenas 3,17% das penas eram constituídas pela reparação dos danos das vítimas. “Os mecanismos para reparação existem, mas não funcionam”, relata Fabiana que explica que o objetivo do processo penal não é a reparação do dano, mas a condenação do réu.
Dentre as vítimas, apenas 20,7% foram ouvidas no processo. Dentre as que serviram informantes na produção de provas, é comum reclamarem da forma com que foram tratados. “A vítima quando vai à delegacia, se depara com um funcionário ou oficial que já diz para ela que aquilo não vai dar em nada e assim vai até chegar a um juiz que se limita a mandá-la responder às perguntas e chamá-lo por excelência”, diz Fabiana apontando a necessidade de um tratamento mais humanizado da vítima.
Outro ponto reclamado pelas vítimas é a participação delas nos resultados do processo. “No processo penal, a vítima ocupa o lugar de uma testemunha. E isto acaba as frustrando, pois elas esperavam um tratamento especial dado o lugar que elas ocupam”, aponta Fabiana. Dentro da participação da vítima no processo está também o fato de que é comum o queixoso querer desistir do processo e arquivá-lo. No entanto, uma vez iniciado o processo penal, seu arquivamento não pode ser requerido.
O processo penal acaba gerando na vítima um trauma. “Elas revivem estes fatos que aconteceram anos atrás como se fossem recentes”, relata Fabiana, que aponta um sentimento de injustiça e um desejo de reparação das vítimas que se reflete na resposta delas às penas alternativas.
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