quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Direitos Humanos para os policiais: "É preciso reformar regulamentos das polícias estaduais e mudar o modelo da formação"

Por Cecília Olliveira

A poucos dias do fim de 2010, já em meio ao clima de festas e dispersão, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e Ministério da Justiça (MJ) estabeleceram, por meio de portaria interministerial, as diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública.

A portaria constitui mecanismos para estimular e monitorar iniciativas que visem à implementação de ações para efetivação destas diretrizes em todos os estados, respeitada a repartição de competências prevista no artigo 144 da Constituição, que versa sobre as res
ponsabilidades de cada estado em relação à segurança pública. A portaria entrou em vigor no dia 16 de dezembro.

“É um marco par
a Segurança Pública do país”, frisa o policial militar de Goiás Niedson Martins, que ministra oficinas de mídias sociais na Academia da PM. Para ele, a portaria “adequa, valoriza, assegura, garante, proporciona, zela , considera, adota, fortalece e implementa direitos que até então não existiam”.

O oficial da Polícia Militar da Bahia, autor do blog Abordagem Policial, Danillo Ferreira também concorda com a importância da Portaria, mas pondera: “Primeiro é preciso dizer que as diretrizes publicadas pelo MJ e pela SEDH não obrigam as polícias a aderirem ao que elas dispõem, mas servirão como orientações para as políticas de segurança pública desenvolvidas pela União, inclusive quando da liberação de recursos para estados e municípios, que sofrerão retaliações caso não apliquem o disposto na Portaria”, aponta.

No entanto, Ferreira diz que a iniciativa se trata “de uma medida pioneira, que há tempos deveria ter sido executada, pois muito se fala e se reclama sobre os direitos humanos
dos policiais no âmbito das polícias (quem nunca ouviu o chavão ‘direitos humanos são só para bandido?’), mas nunca houve uma compilação tão precisa e legítima de quais são os pontos a serem observados quando se fala nisso”.

Ainda de acordo com Ferreira, para que a Portaria seja cumprida efetivamente, é imprescindível reformar os regulamentos das polícias estaduais e mudar o modelo da formação, que ainda está muito ligada, principalmente no caso das Polícias Militares, a aspectos dispensáveis do militarismo das Forças Armadas. “É preciso atingir em cheio a cultura em que os comandos e as chefias dispõem dos direitos fundamentais dos policiais”, diz.

Liberdade de Expressão

O terceiro tópico da portari
a é controverso e até polêmico, embora trate de algo elementar aos demais cidadãos brasileiros: “Assegurar o exercício do direito de opinião e a liberdade de expressão dos profissionais de segurança pública, especialmente por meio da internet, blogs, sites e fóruns de discussão, à luz da Constituição Federal de 1988”.

De acordo com Niedson, em Goiás o uso de redes sociais é incentivado pelo comando da corporação, que é participativo e até oferece cursos para os policiais através de uma parceria entre a Assessoria de Comunicação e a Gerência de Ensino. “Todos os policiais têm acesso livre para conversar com o comandan
te e levar sua sugestão de melhoria para a instituição. Aqui há blogs que criticam diariamente o governo e a instituição. No entanto, são vistos como aliados por abrir os olhos para a melhoria e evolução. Como existe esta liberdade de acesso, e não há punições às críticas, mas sim incentivos, não existem blogs anônimos”, afirma.

Mas nem em todo estado é assim. Niedson, criador da Blogosfera Policial – Blog que agrega vários Blogs de temática policial do país – lembra que há cerca de dois anos, “blogueiros policiais estavam sendo punidos com a suspensão de seus blogs e até sendo presos só por emitir sua opinião, não importando qual fosse o seu teor”. Ele deu o exemplo do Coronel Menezes que foi preso por comentar no blog do Major Alexandre, ambos militares do Rio de Janeiro. “Ele apenas hav
ia comentado que policiais do estado fazem bico porque ganham pouco. A sua opinião custou sete dias de prisão, repercussão internacional e o surgimento de dezenas de outras manifestações, além de contas no twitter e facebook”, explicou.

Major Alexandre, à época ainda Capitão, também virou manchete em outubro passado. Ele foi punido com 20 dias de prisão administrativa por ter comentado a sua nomeação para determinado cargo na corporação no Twitter. Para o soldado, “a maioria dos agentes públicos da área de segurança tem medo de expressar seus conhecimentos e opiniões devido aos resquícios que ficaram da ditadura”.

Como as diretrizes não têm força legal suficiente para obrigar os estados a cumprirem a portaria, é possível que algumas coisas continuem como estão. “Creio que ainda teremos muitas medidas repressivas aos policiais que se aventuram a expor sua opi
nião, a depender da chefia ou comando a que ele está submetido. Os regulamentos são permissivos à punição. A cultura do superior hierárquico intocável ainda prevalece na consciência de muitos”, avalia Danillo Ferreira. De acordo com o oficial, “a liberdade de expressão não é vista por muitos como direito humano, pois ignoram o quanto a comunicação e a opinião são indispensáveis à sociabilização, algo inerente à natureza humana. Outros defendem a censura perversamente, visando a ocultar práticas negativas e geralmente tentando se sustentar numa posição política. Com a internet, essa postura se tornou ridícula, e o choque de culturas é inevitável.

Nesse sentido, as Diretrizes são um primeiro passo na defesa de algo revolucionário em favor daqueles que vivem calados e intimidado
s com uma estrutura de censura nas polícias”.








4 comentários:

  1. Prezada Cecília, muito interessante essa matéria e, revela uma questão que me parece praticamente desconhecida para a maioria da população. Estou fazendo anotações em meu blog "Filosomídia", a respeito de meus estudos sobre telejornalismo e crianças, e reproduzi seu texto lá. Creio que os telejornais ressaltam, muitas daz vezes, um aspecto sobre as corporações no que trata de corrupção, uso excessivo da força etc. Anos atrás atuei no campo geral dos direitos humanos, inclusive participando como facilitador de conteúdos em cursos de formação de policiais e, percebo que esse assunto do texto mereceria ser mais divulgado no país. Força para vocês.

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  2. “Aqui no estado a Associação dos Policiais Militares do Rio Grande do Norte está iniciando um trabalho bastante inovador, pois busca promover, garantir e defender os direitos humanos para os policiais militares do nosso estado. Alguns ofícios já foram enviados a outros órgãos de direitos humanos, par haver uma integração, e futuramente a nossa participação dentro desta área trará bons resultados”, declara o presidente da APM/RN, Cabo Heronides.

    http://caboheronides.blogspot.com/
    http://apmrn.blogspot.com/

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  3. Obrigada pelo elogio Filosomídia. Direitos Humanos é um tema novo e ainda delicado no Brasil. Exige muito trabalho.

    Cabo Heronildes, que bom que no RN a visão é inovadora e não pautada em pensamentos retrógrados. Isso é realmente, essencial para a construção de uma segurança pública eficaz.

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  4. O SENASP através dos cursos de formação à distância tem dado muita ênfase à promoção dos direitos humanos por parte dos operadores de segurança pública para com a sociedade e vejo que como se pode exigir que tais profissionais ponham em prática tais ensinamentos se eles próprios não tem esses mesmos direitos garantidos, é como se dizer "faça o que mando mas não faça o que faço", principalmente no que se diz respeito a muitos regulamentos disciplinares das polícias militares em que seus integrantes podem ser punidos por faltar a verdade, mesmo respondendo a processo disciplinar, não sendo amparado por direito constitucional, esta o regulamento acima da constituição?. Espero que esta portaria realmente seja aplicada e se faça rever conceitos que ferem os direitos humanos de quem tem o dever legal de aplica-los.

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