Por Cecília Olliveira
Relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), lançado recentemente alerta: “Temos que impedir a venda de drogas para crianças por meio das mídias sociais”. Tal aviso se dá justamente à época do centenário da adoção da Convenção de 1912. A divulgação do relatório pode ajudar a impulsionar a discussão sobre as políticas para o enfrentamento da questão no Brasil.
Ao assinar a Convenção, os Governos dividiram drogas entre mais danosas e menos danosas. O Brasil é signatário das três Convenções da ONU: Convenção Única sobre Entorpecentes, 1961 (emendada em 1972); Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, 1971; e Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, 1988. Todas elas corroboram numa combinação de criminalização das substâncias e combate militarizado ao tráfico. Especialistas questionam este modelo de enfrentamento ao uso de entorpecentes e também a importação de modelos para tal.
“Poucos países hoje têm uma política de drogas voltada para sua realidade, a realidade da América Latina, no caso do Brasil. As convenções internacionais não produzem bons resultados há 50 anos. O modelo repressivo esgotou”, ressalta o advogado e ex-Secretário Nacional de Justiça, Pedro Abramovay.
Para além da criminalização das substâncias e combate militarizado ao tráfico, o que se tem verificado com o passar do tempo é seu recorte social e a criminalização da pobreza.
“Quem morre nessa guerra no Rio e no Brasil é, na imensa maioria das vezes, negro, jovem, pobre e morador das favelas e das periferias. Nessa visão de uma luta do bem contra o mal, o tráfico deixou de ser uma atividade ilícita e virou uma espécie de inferno, onde os traficantes são demônios, monstros que precisam ser eliminados. Houve uma desumanização do traficante e do usuário, que precisa ser revertida”, disse Jailson Sousa, diretor do Observatório de Favelas durante sua apresentação no seminário “Segurança e vida cotidiana nas grandes cidades da América Latina”.
O tempo passou e novas drogas e formas de comercialização mudam a cara do comércio, que alcança novos públicos e exige novos debates e ações. O Relatório da Jife pontua que o problema do tráfico internacional de drogas tem ganhado muita importância na atualidade e ressalta que, com novas tecnologias, incluindo a Internet, este mercado tem encontrado novos meios para aumentar sua influência e rentabilidade.
Aspectos-chave das atividades dessas farmácias on-line incluem o contrabando de seus produtos aos consumidores e a tentativa de convencer o consumidor de que eles são, de fato, legítimos - Foto: Stock
O presidente da JIFE, Hamid Ghodse, observou, na oportunidade do lançamento do Relatório da Jife, que “as farmácias ilegais na Internet começaram a usar as mídias sociais para anunciar seus sites, o que pode expor um grande público aos riscos que substâncias perigosas representam, especialmente considerando que a Organização Mundial da Saúde levantou que mais da metade dos medicamentos vendidos por farmácias ilegais na Internet é falsificada”.
Quando lançou a edição 2006 do relatório, a ONU já demonstrou sua preocupação com a da venda de drogas e medicamentos sem receita pela internet. De acordo com tal levantamento, as drogas mais vendidas on-line são as tradicionais e as sintéticas, especialmente o ectstasy e o ácido gama-hidroxibutírico (GHB), droga sintetizada há 40 anos como um anestésico e mais perigosa que o ecstasy.
Dois anos depois, em 2008, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária de São Paulo informou que estava investigando denúncia de funcionários do Centro de Ressocialização de Presidente Prudente (SP) de que detentos teriam utilizado a internet para comercializar entorpecentes. No ano passado foram presos só na China 12 mil pessoas que atuavam num esquema de venda de drogas pela internet, usando salas de bate-papo.
De olho nos jovens consumidores jovens, traficantes de drogas investiram em sites de relacionamento e mídias sociais para ampliar seu mercado. No Brasil, embora os relatórios oficiais não pontuem especificamente este recorte do problema, a venda de substâncias ilícitas pela internet não é novidade. Em 2005 o jornal baiano A Tarde denunciou à Polícia Federal uma rede de 29 mil usuários do Orkut que negociavam maconha, ecstasy e lança-perfume. O esquema denunciado funcionava na Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. Horas depois da publicação da matéria seus administradores tiraram as páginas do ar.
De acordo com o IBGE, 90% dos internautas brasileiros estão cadastrados ao menos em uma rede social (Ibope, nov/2010). Estudo sobre Perfil de Usuários de Mídia Social no Brasil, realizado pela eCMetrics, revelou que mulheres com idade entre 14 e 18 anos são as que mais produzem conteúdo nas redes sociais. Segundo pesquisa da E.life (2010), usuários de 19 a 25 anos representam 47,5% dos entrevistados, enquanto 20,2% têm entre 36 e 45 anos, 17,4% têm de 26 a 35 anos e 9,7% têm até 18 anos.
Os mercadores deste novo ramo investem na propaganda da idoneidade de seus produtos, mas a ONU ressalvou que de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) mais da metade dos medicamentos de farmácias ilegais na internet são falsos. O documento da Jife diz que “aspectos-chave das atividades dessas farmácias incluem o contrabando de seus produtos aos consumidores e a tentativa de convencer o consumidor de que eles são, de fato, legítimos”. De acordo com o Relatório, em 2010, houve mais de 12 mil apreensões de substâncias controladas internacionalmente e enviadas pelo correio. A Índia foi identificada como o principal país de origem dessas substâncias, representando 58% das apreensões. Estados Unidos, China e Polônia também foram identificados como países de origem das drogas vendidas pela internet.
Embora detectado o problema a Jife frisa que a falta de tecnologia e de pessoal qualificado são entraves para o combate ao tráfico on-line. “Os governos que identificam as farmácias ilegais na internet, que operam dentro de outros territórios, devem notificar o governo pertinente e a cooperação técnica deve ser reforçada”.
De acordo com o Relatório, “em comunidades do mundo inteiro, o uso indevido e o tráfico de drogas têm alcançado índices quase endêmicos, inserindo-se num ciclo-vicioso que engloba uma série de problemas sociais relacionados com a violência, o crime organizado, a corrupção, o desemprego, saúde precária e baixos níveis de educação. No entanto, os jovens são particularmente afetados”. Segundo o presidente da Junta, “a juventude dessas comunidades deve ter as mesmas oportunidades brindadas a jovens da sociedade em geral e tem direito a ser protegida do uso indevido de drogas e da dependência química”.
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