domingo, 22 de julho de 2012

Pesquisa de coronel mostra o que faz policiais militares virarem assassinos


Dissertação defendida em junho na USP considera quadro atual 'grave'; morte de publicitário fez corporação discutir abordagens


BRUNO PAES MANSO - O Estado de S.Paulo

Um dos policiais sonhava em proteger a sociedade e trabalhava dobrado para prender suspeitos. Mas nada adiantava - levados à delegacia, eles eram soltos após pagar propina. O outro se sentia superpoderoso com a arma na mão e achava que seria admirado pela tropa depois de praticar assassinatos. Os dois se tornaram policiais assassinos e cumpriram pena no Presídio Romão Gomes, em São Paulo.

Identificados pelos pseudônimos Steve e Mike, contaram suas histórias e motivações ao tenente-coronel Adílson Paes de Souza, que foi para a reserva em janeiro. As entrevistas estão na dissertação de mestrado A Educação em Direitos Humanos na Polícia Militar, defendida no mês passado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco.

A discussão sobre o que leva um agente público a atirar e matar ganhou força na semana passada, quando uma abordagem equivocada da Polícia Militar causou a morte do publicitário Ricardo Prudente de Aquino, de 39 anos, no Alto de Pinheiros, zona oeste. O erro fez a polícia rever anteontem seu treinamento de como abordar veículos suspeitos de forma correta.

Na entrevista, Steve explicou ao coronel sua rotina de visitar velórios de policiais mortos. Inúmeras frustrações o levaram a assumir o papel de "juiz, promotor e advogado". Já o policial que se identificou como Mike relatou que imaginava que, ao praticar homicídios, seria mais respeitado por colegas de tropa.

"Como meu trabalho mostra, existe razão na preocupação de entidades nacionais e internacionais com a violência na sociedade brasileira", diz Souza. "O quadro é considerado grave. Fiz o estudo e ouvi os policiais por acreditar que a mudança da situação passa por melhorias na educação do policial."

Formado em Direito, o tenente-coronel também integra a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo desde 2007. Foi orientado pelo professor Celso Lafer e participaram de sua banca o filósofo Roberto Romano e o professor André de Carvalho Ramos. O trabalho cita dados da Ouvidoria de São Paulo sobre violência policial: com população quase oito vezes menor que a dos Estados Unidos, o Estado de São Paulo registrou 6,3% mais mortes por policiais militares em um período de cinco anos.

Direitos humanos. A educação de baixa qualidade em direitos humanos é apontada pelo coronel como uma das causas da violência policial. A dissertação mostra que, no ano 2000, eram dadas 144 horas/aula de direitos humanos. Dezoito anos depois, os currículos com matérias de direitos humanos diminuíram no Estado. Atualmente, o tema corresponde a 90 horas/aula, o que significa 1,47% do total da carga horária do curso.

Souza ainda sugere em seu trabalho maior participação da sociedade civil para ajudar a criar um tipo de educação de perfil crítico, com debates mais transparentes e participação popular.

VEJA O DEPOIMENTO DE PMS OUVIDOS PELO CORONEL

'Matar alguém se tornou um vício'
Policial diz que 'levava a vítima para um matagal, concedia-lhe um minuto para oração e a sentenciava à morte'


Como era o serviço?

Movido pela revolta com a situação com que me deparei (favelas, meninas estupradas, pessoas pobres vítimas de roubo). Comecei a trabalhar além do horário normal, muito além das oito horas diárias. Comecei a prender todo mundo. Daí percebi uma outra realidade que também não conhecia. Muitas pessoas presas por mim e conduzidas ao distrito policial eram soltas. Numa ocasião, prendi duas pessoas em flagrante delito, por terem praticado roubo a um supermercado. Isso aconteceu pela manhã. A ocorrência foi apresentada no distrito policial, mas na mesma data, à noite, me deparei com essas duas pessoas livres, andando normalmente pelas ruas de um bairro. Estranhando a situação, realizei a abordagem em ambos, quando um deles disse que tudo estava certo e que a quantia em dinheiro destinada a mim estava com o delegado de polícia na respectiva delegacia, uma vez que houve um acordo para liberação deles. Nesse momento, percebi que a corrupção existente nos distritos policiais da área onde eu trabalhava gerava a impunidade dos delinquentes.

O que aconteceu em seguida?

Passei a frequentar velórios de policiais militares mortos em serviço. Certa vez, uma situação ocorrida num velório me causou revolta. Foi quando houve a condecoração e a promoção, por ato de bravura, de um cabo morto em serviço. Para mim, não havia sentido algum em prestar homenagens e honrarias a alguém morto, isso deveria ser feito em vida. A partir desse exato momento, tomei o lugar de Deus. O que significava que avoquei a condição de juiz supremo para mim. Eu é que decidiria quem deveria morrer. Eu era juiz, promotor e advogado. Levava a vítima para um matagal, concedia-lhe um minuto para oração e o sentenciava à morte.

Por que matava?

Em primeiro lugar, porque eu me sentia investido de autoridade para tal, no sentido de que podia fazer de tudo. Segundo, por causa da impunidade. Eu prendia as pessoas que, uma vez conduzidas ao distrito policial, eram soltas. Muitas vezes mediante pagamento de propinas aos membros da Polícia Civil. Terceiro, a revolta e o ódio que sentia pela situação com a qual me deparava no dia a dia do meu serviço e que não conhecia até então - extrema pobreza, violência de todo tipo, miséria. Quarto, a revolta com a morte de policiais militares, como se fosse alguém da minha família. Revolta até com a própria instituição, que dava valor ao policial somente naquele momento (depois da morte).

O que aconteceu então?

Matar alguém se tornou um vício. Contudo, não percebi que, com o tempo, o que enxergava de errado no outro não enxergava em mim mesmo. Não enxergava a impunidade em mim mesmo diante dos atos que praticava. Acabei sendo preso pela prática de homicídio.

Como foi isso?

Fui preso, acusado e condenado pela prática de homicídio a tiros e facadas. O fato ocorreu em um matagal e os corpos foram lá deixados sem serem enterrados, para serem localizados. No auge da prática do ato, senti que estava cheio de ódio e acabei descarregando tudo sobre o corpo da vítima. Tinha um sentimento de ódio generalizado, de tudo.

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'Na verdade, me sentia com superpoderes'
PM afirma que colegas da corporação perguntavam e cobravam se ele havia matado alguém; 'fui buscar prestígio'


Por que foi condenado?

Fui condenado pela prática dos crimes de sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. Cometi o delito em companhia de dois policiais civis. Abordamos um jovem, numa noite chuvosa, na região central de São Paulo, perto de onde ele morava. Levamos para um matagal distante. Cada civil efetuou um disparo de arma de fogo, eu efetuei dois, um na cabeça e outro nas costas. Morava na área central de São Paulo e no bairro havia um grupo de jovens que praticava roubos. A situação era revoltante. Os vizinhos não tinham mais tranquilidade. Em três ou quatro ocasiões, abordei, com um amigo civil, os jovens. Nessas ocasiões recuperamos os produtos do roubo e restituímos aos donos, repreendemos todos eles e liberamos. Na verdade, me sentia com superpoderes. Raciocinava da seguinte maneira: "Sou policial, tenho arma de fogo, tenho poder e, como eles continuaram a praticar os delitos na vizinhança, só restava tomar a decisão de limpar o bairro, porque daí eles não iam perturbar mais".

O que aconteceu em seguida?

Após efetuar os disparos e com a certeza de que ele havia morrido, entramos no veículo e retornamos para nossas residências. No dia seguinte, as preocupações começaram. Havia uma testemunha que avistou a abordagem e conversou com a mãe do jovem, que foi ao distrito policial registrar a ocorrência. Fui conduzido para a sede da Corregedoria da Polícia Militar e depois para o Presídio Romão Gomes. Fui condenado a 15 anos de reclusão.

Por que achava que tinha superpoder?

Primeiro, pelo fato de andar armado. Segundo, pelo fato de ser detentor do poder de polícia. Achava que, por causa disso, poderia fazer o que bem quisesse. Fazia blitz policial nas horas de folga. Terceiro, porque entendia que devia matar alguém para ser aprovado no meio policial. Algumas vezes, colegas de farda perguntavam se já havia matado alguém. Me sentia cobrado e, para ser respeitado pelo grupo, achei que deveria agir dessa maneira. Praticar homicídio seria uma maneira de sobressair no grupo, de ter prestígio e de ter fama. Fui buscar esse prestígio. Pratiquei o primeiro homicídio, fui preso. Caso contrário, teria continuado e teria praticado outros.

Como foi a sua formação?

Fiz o Curso de Formação de Soldados. Nele foi mostrada uma realidade bem diferente da que nos deparamos quando vamos trabalhar numa unidade operacional. Lá nenhum instrutor fez menção aos problemas que íamos ver após a formatura, sobre qual seria a realidade do cotidiano policial.

Pela sua percepção, o que deve mudar na formação?

O curso de formação deve focar na realidade da atividade policial. Naquilo que realmente acontece. Nunca nenhum instrutor citou casos que ocorreram na vida real e poderiam servir de exemplo, como um alerta. Deve-se também trabalhar com a experiência depois de formado, nos batalhões, mencionando exemplos de fatos que ocorreram em outras unidades. Isso comigo nunca aconteceu. Na verdade, o que ocorre é o seguinte: o Estado te recruta, te dá formação, te dá uma arma, te dá superpoderes, te solta na rua e pronto!

6 comentários:

  1. O QUE EXISTE É UMA INVERSÃO DE VALORES, ONDE O BOM CIDADÃO ESTÁ PERDENDO SEUS DIREITOS CONSTITUCIONAIS EM FAVOR DOS FARTOS DIREITOS DOS CRIMINOSOS, A SOCIEDADE PRECISA REVER SEUS CONCEITOS, POIS NUM PAIS ONDE OS CRIMES INCLUSIVES AS DE COLARINHO BRANCO DEIXAM DE SER PUNIDOS E O SISTEMA POLICIAL SE SENTE IMPOTENTE E DESPROTEGIDO, DAÍ SAEM ESSAS SITUAÇÕES ONDE OS AGENTES DE SEGURANÇA TOMAM PRA SÍ O PODER ABSOLUTO, CAINDO EM DESGRAÇA PERANTE UM GOVERNO FRACO E TEMEROSO DE PUNIR OS VERDADEIROS CRIMINOSOS.
    ESTA NA HORA DA VERDADE, QUE AS MASCARAS DOS INCOMPETENTES CAIAM NESTAS ELEIÇÕES.

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  2. DEPOIS QUE A POLICIA FICOU A CARGO DO GOVERNO DO ESTADO, A POLITICA TOMOU CONTA E OS POLICIAIS SUJEITOS A MAZELAS DE SEUS GOVERNANTES.

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  3. vejo que a maior culpa de tudo isso está no modelo de policia que é instituido a PM, pois ela não ve seu servidor, especialmente a praça como ser humano dotado de direitos e deveres, mas algo que deve obedecer o oficial, mesmo que isso custe sua vida. Sendo mal pago, desrespeitado a todo momento pelos oficiais e pela a sociedade, trabalhando além da sua capacidade e sem o devido apoio o que a sociedade quer que tal ser humano faça? Mude o modelo de policia. extingua a PM, dê direitos e deveres a todos os policiais, especialemte as praças que vivem a margem de tudo que é social. Paguem bem, promova as praças da mesma forma e no mesmo tempo que são promovidos os oficais, ou extingua a PM e crie uma nova policia, onde os policias são cidadãos.

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  4. BOM...ISTO TUDO É PURA BALELA...PRIMEIRAMENTE O POLICIAL TEM QUE SER BEM PAGO, TEM QUE TER UMA VIDA SEGURA DENTRO DE SEU LAR PARA QUE POSSA EXERCER A FUNÇÃO DE POLICIAL....NÃO ADIANTA FALAR EM TREINAMENTO DE POLICIAIS MORRENDO DE FOME !!!!!!!

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  5. só quem já sofreu nas mãos dos bandidos é que sabe a satisfação de ler nos jornais, ver na tv ou na internet que um marginal foi mandado pro inferno. Infelizmente eu já passai por essa situação, onde fui sequestrado (sequestro relampago) com minha esposa e meu filho de um aninho... Os marginais nos ameaçavam o tempo todo e me humilhavam...
    Já que a justiça não faz nada, o negócio é mandar pra vala mesmo

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