sábado, 15 de dezembro de 2012

Redução da maioridade penal: para a proteção de quê ou de quem?



Por Cecília Olliveira


Assunto vai, assunto vem. Assim é a vida, assim são nossas timelines em redes sociais, assim é a política, com projetos que tramitam “ad eternum” pela Câmara e Congresso. Há um tempo a questão da redução da maioridade é um destes assuntos, que brotam em nossas telas como que em ciclos de campanhas: se pode votar, pode pagar pelo erro. Mas quem disse que não pagam?

Desde 1999, a redução da idade penal vem sendo discutida pelo Congresso Brasileiro, em diferentes Propostas de Emenda à Constituição Federal (PECs). A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) votou relatório favorável à PEC 33/2012 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na prática de lesão corporal grave e roubo qualificado.

Pois bem, a questão está de volta a pauta (ou seria palco?), exatamente por uma comissão que tem cidadania no nome, embora a decisão não seja unanime entre seus membros. Integrantes da comissão que elaborou para o Senado o anteprojeto de novo Código Penal também divergem sobre o tema.

O “se pode votar, pode pagar pelo erro” é um dos ~ argumentos ~ mais usados por quem defende a ideia da redução da maioridade penal com base no senso comum. O “imagina se fosse com sua mãe” também é muito usado, bem como o “você não trabalha com esse tipo de gente, não sabe do que está falando”.

E é este senso comum que muitas pesquisas revelam. Pesquisa “Retratos da Sociedade Brasileira: Segurança Pública” (em pdf) feita pelo Ibope e divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 75% dos entrevistados são totalmente a favor da medida; 11%, parcialmente. Os que são contrários total e parcialmente somam 9%. A mesma pesquisa questionou sobre a legalização da maconha e seu impacto na criminalidade. Três pequenos parêntesis: Por que a CNI perguntaria sobre redução da maioridade penal? Por que esta pergunta vem acoplada ao uso de drogas e impacto na criminalidade? Uma pergunta influencia na resposta da outra?

Política eficaz é feita com base em números

Num país cuja lei de acesso a informação foi aprovada ano passado, não é raro que as pessoas desconheçam que a função dos dados é essencial para compreendermos com precisão os problemas que precisamos enfrentar. Sem dados não temos política pública efetiva e eficaz. Ignorando essa base — que fundamenta TODAS as políticas públicas do planeta — muitos se sentem a vontade para querer arbitrar sobre a vida de nada mais, nada menos, que 64 milhões jovens, que é o total da população com idade entre 0 e 18 anos, de acordo com o Censo 2010.

Falando ainda mais de números, em 2005, esta parcela da população era aproximadamente do mesmo tamanho. Em número exato, eram um milhão, 276 mil, novecentos e cinco jovens a menos que em 2010 (64.939.320). Mas por que eu cito 2005? Para se ter uma noção média do crescimento da população neste período e permitir a comparação dos dados que mostrarei a seguir.

Levantamento feito pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) em 2010, revela que o número de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas — com restrição de liberdade (internação, internação provisória e semiliberdade) — cresceu 4,5% em comparação com 2009. Segundo o órgão, o percentual interrompe uma redução que vinha ocorrendo desde 2007. No ano passado, de um total de 58.764 de adolescentes, 18.107 cumpriam medida com restrição de liberdade e 40.657 em meio aberto. Um dos motivos que justifica esta mudança nos índices é o incremento da internação provisória, em especial no estado de São Paulo, que concentra aproximadamente 1/3 do total de internos no país.
Fonte: Levantamento Nacional – Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei 2010

De 60 milhões de crianças e adolescentes, 60 mil cometem algum tipo de delito, que pode ser desde um furto de um vidro de xampu a um homicídio. Ou seja: 0,1%! O maior número de crimes cometidos é em relação ao patrimônio. No país há NO TOTAL, 1600 homicidas.

Redução da maioridade penal não faz nenhum sentido. É apenas mais uma vertente do “vamos tirar o sofá da sala”. Em média, para cada dez mil adolescentes, entre 12 e 17 anos, há 8,8 cumprindo medida de privação e restrição de liberdade, o que representa 0,09% deste universo. Ou seja, 0,9% do total de adolescentes do país comete delitos e as pessoas querem alterar a vida de 99,1% deles.

Muito da lógica das pessoas que não param pra refletir nos números e nas políticas vigentes vem do ciclo, geralmente mostrado na TV: 1) há um crime; 2) isto é veiculado exaustivamente na TV aos gritos de pequenos Datenas bradando “cadeia nele!” ou “tem que mandar pro colo do capeta”; 3) Nestas matérias, geralmente faltam informações que o façam refletir ou que tenham ligação com a política pública que tange o assunto; 4) necessidade política dos envolvidos na questão (corporação policial, secretaria de segurança, governo do estado) de se dar uma “satisfação” a esta sociedade sedenta por vingança.


Fonte: Slide de apresentação do SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo.



Vingança. Esta é a palavra que tem regido o direito penal no Brasil. Muitas vezes se vê uma pena descabida e muitas vezes até inconstitucional, mas que cale a boca da imprensa e por conseguinte, da sociedade. Quantas pessoas estão há anos cumprindo pena sem terem sido, sequer, julgados? Eles são 44% do sistema carcerário. Mas e os efeitos disso? Não interessa. São os outros.

Para além da lógica, ( 99,9% > 0,1%), vamos aos impactos reais políticos e sociais. De acordo com a SDH, em geral, a maioria dos adolescentes internos é composta por negros, grande parte tem descendência nordestina e são de origem pobre, embora não quantifique isso em números. O número de adolescentes brancos tem aumentado, mas ainda é muito inferior aos demais. Além disso, a baixa escolaridade é quase unânime. São poucos os que freqüentam a escola e há aqueles que sequer têm o registro de haver estudado em algum momento da vida. Por outro lado, é fácil saber o número de mortos. De acordo com o Mapa da Violência 2012: A cor dos Homicídios no Brasil, 159.543 jovens negros foram vítimas de homicídio no Brasil entre os anos de 2002 e 2010, um número muito superior aos 70.725 jovens brancos que morreram no mesmo período.

A Unicef publicou o relatório: Porque dizer não à redução da idade penal. No qual fica claro que as crianças e adolescentes são responsáveis por 10% dos homicídios praticados, mas ao mesmo tempo elas são vítimas de mais de 40% dos casos de homicídio. Segundo a Unicef também divulgou, a redução da maioridade penal não resultou em diminuição da violência entre crianças e adolescentes em 54 países pesquisados no ano de 2007 que, a exemplo dos Estados Unidos, adotaram a medida. Crianças saem muito piores do que entraram no sistema prisional.

A juventude negra é a mais encarcerada e a que mais morre no país. O problema é outro: racismo em todas as esferas, traduzido em sonegação de oportunidades e findado em vitimização e violência letal. O problema é muito mais complexo do que baixar 2 anos para que os já punidos, com a sonegação de direitos e acessos, sejam mais uma vez castigados.

Cena do documentário Juízo (2007) de Maria Augusta Ramos. Juízo acompanha a trajetória de jovens 
com menos de 18 anos de idade diante da lei. Meninas e meninos entre o instante da prisão e o 
do julgamento por roubo, tráfico, homicídio.

É muito mais que isso. E podemos colocar em alguns tópicos, defendidos pela sociedade civil contra a aprovação da PEC:


  • É incompatível com a doutrina da proteção integral;
  • É incompatível com o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo);
  • É inconstitucional;
  • É violação de cláusula pétrea;
  • Afronta compromissos internacionais assumidos pelo Brasil;
  • Está na contramão do que se discute na comunidade internacional;
  • Tratar adolescentes como adultos agrava a violência;
  • A prática de crimes hediondos por adolescentes não justifica a alteração da lei (o país tem AO TODO 1600 adolescentes homicidas);
  • A fixação de maioridade penal é critério de política criminal;
  • O ECA, quando aplicado adequadamente, apresenta bons resultados.

Você pode ver os detalhes de cada tópico deste no relatório da Unicef.

No fim, são as políticas sociais que tem o real potencial para diminuir o envolvimento de crianças e adolescentes com o crime. Em hipótese alguma se justifica alterar uma lei com impacto em todo o pais — e também na comunidade internacional, envolvendo os acordos de que o Brasil é signatário — por causa de um número ínfimo de adolescentes. 1600 adolescentes não podem mudar o destino de um país.

9 comentários:

  1. FALACIA,o que falta nesse pais de merda e cultura,o que nunca teve. Hoje e moda ser mala e os sanguesugas da politica e as cadeias sao universidades do crime ,e esses advogadinhos sabidos que enfiem no cu essas leis. GATTOPARDO...

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  2. Esqueceram de quantificar os menores da Fundação Casa (Febem)?

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  3. Vocês querem defender os direitos dos adolescentes praticar homicídios, estupros e tantos outros crimes, crime não é direito de ninguem, não importa a idade, defendam pessoas, jovens e crianças de bem, que precisam ter garantidos seus direitos a saude, educação, dignidade de vida, que não escolheram o crime para destruir a vida de pessoas que trabalham e lutam para sobreviver, é uma total inversão de valores. O que voces criam são teorias e ideologias que não funcionam na prática, o país está um caos, bandidos tem mais direitos que os trabalhadores brasileiros, essas falácias já caíram em decreditos, já percebemos que, depois de tanto tempo seguindo essas teorias, só aumentou a violencia, e nos estamos refens de bandidos que dominam nossos bairros e cidades.

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    1. Crime qualquer um pode cometer mas se vc está desempregado sem condição de propiciar o mínimo para sua familia seu filho anda largado por qq canto se envolvendo com o trafico e etc a probabilidade dele cometer um crime é maior! Agora se eu tenho condiçãod e dar uma boa educação para meu filho, claro que ele pode vir a cometer um crime mas a probabilidade é bem menor, a questão ai é social e não penal! Tem que resolver na raiz, antes que os delitos se consumem!!

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  4. Anônimo que fala sobre direitos sem entender nada de direitos comete a falácia da autoridade.

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  5. Falácia é demonstrar saber o que são direitos sem ter qualquer formação ou estudo para isso, pois se fosse alguma pessoa incólume, mostraria quem é.

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  6. Não podemos colocar no gráfico que crimes contra o patrimônio está incluso o latrocínio!!!! Matar para Roubar

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    1. Não está, Anônimo. O crime de latrocínio é outro tipo de crime.

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  7. Crime é crime. Um menor que estupra, assalta, rouba, usa uma arma, não sabe o que faz? Virou criminoso por não ter oportunidades? Todos seríamos bandidos. Jogar no mesmo nível criminosos e vítimas, racismo, pobreza. Tudo firula. Esse discurso para justificar a incompetência e/ou má fé das autoridades e dos ditos "cientistas sociais", defensores de direitos humanos... só querem manter os privilégios de trabalharem para organismos oficiais, de gabinete em gabinete. Se fizessem seu serviço direito, não precisariam gastar tanta lábia e textos para se justificarem.

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