sexta-feira, 15 de março de 2013

Penitenciárias femininas: o retrato do descaso


Ativista relata o abandono do poder público em relação às mulheres presas



Mulheres dão à luz algemadas em penitenciárias
femininas (Foto: Elza Fiuza/ABr)
Talita Melo é militante do Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas (GET), uma organização que se define como uma articulação feminina voltada ao enfrentamento político da violência penal do Estado, com foco na situação das presas brasileiras. Entre os anos 2000 e 2010, o aumento da população carcerária feminina foi de 261%, enquanto o número de presos homens cresceu 106%.


Em conversa com oSPressoSP, Talita fala sobre o trabalho do GET, a realidade dos presídios femininos e a recente campanha que arrecadou 26 mil absorventes, 200 calcinhas e mais de R$ 2 mil para serem doados às presas do Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário.


SPressoSP – Como surgiu a ideia para a campanha?
Talita Melo - A campanha não foi pensada com o intuito de ajudar as mulheres, pois o que vamos doar não dá nem para um mês. A campanha foi pensada como forma de estabelecer o diálogo tanto com a sociedade quanto com as mulheres presas para falar do encarceramento feminino e das condições do cárcere para as mulheres, bem como para criar uma pressão contra o Estado para o fornecimento desses produtos. A escolha por mobilizar as pessoas para a doação foi uma forma popular de fazer esse debate. Caso simplesmente falássemos disso em um texto, não conseguiríamos alcançar pessoas mais humildes para esse debate. Por outro lado, foi uma forma que encontramos de entrar nos cárceres femininos e conversar com as mulheres sobre esse assunto, no mês da Luta Internacional das Mulheres, pois a entrada no cárcere não é simples de se conseguir.


Nós já fizemos a entrega no Centro Hospitalar para as 87 mulheres que lá se encontravam, dando um pacote de absorvente e duas calcinhas. Faremos a entrega pessoal agora, nesse mês de março, no máximo de cadeias públicas femininas administradas pela Secretaria de Segurança Pública, o que for possível de acordo com as doações, dando uma calcinha e um pacote de absorventes para cada uma, com o intuito de abranger o máximo de mulheres possível para chamar a atenção para a situação de precariedade em que essas mulheres se encontram nessas unidades.


SPressoSP – Há, ainda, denúncias sobe maus tratos na gestação ou no momento do parto. É verdade?
Talita Melo - Sim, por exemplo a falta de pré-natal. Não há qualquer acompanhamento. O parto ainda não é humanizado, elas dão à luz algemadas e o Judiciário continua não deferindo os pedidos de prisão domiciliar para que elas passem o final da gravidez em casa e possam, depois, amamentar. Quando nasce o filho, ou a filha, elas são transferidas para o Centro Hospitalar para ficar amamentando, porém só ficam seis meses lá, que é o mínimo de tempo, deveria ser mais, mas a administração não permite. Na verdade, a lei nos diz que elas devem ficar dois anos em casa, mas isso não é respeitado.


SPressoSP – Como tem sido tratada a mulher no sistema prisional?Talita Melo – O que há é uma reprodução da lógica patriarcal. Isso acontece quando você reforça, por exemplo, os espaços de socialização da mulher a partir do estereótipo de gênero, como quando se retiram as quadras poliesportivas de unidades que eram masculinas e se tornaram femininas, até porque mulher não pratica esporte, não é mesmo? Ou, simplesmente se ignora a situação, ignora-se que é uma mulher e que ela tem necessidades diferentes das necessidades do homem.


SPressoSP – Os relatos de tortura são verdadeiros?

Talita Melo – Sim, existem. As mulheres são constrangidas por homens, por policiais masculinos, contrariando inclusive a legislação que determina que nas penitenciárias femininas trabalhem policiais femininas. Quando são homens, você disciplina mais e constrange a tal ponto que você reafirma a submissão da mulher e a lógica patriarcal.

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