sexta-feira, 15 de março de 2013

UPPs: partidos políticos disputam espaço nas comunidades pacificadas do Rio







 

Simone Duarte e Claudia Maria da Costa, do Andaraí,
são filiadas ao PMDB Foto: Thiago Lontra / Agência O Globo
Tão logo as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) se instalam, não são só os vendedores de planos de TV a cabo que correm às favelas: os partidos, especialmente o PMDB do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes, também têm se acotovelado com promessas de proximidade do poder numa mão e fichas de filiação na outra. Uma pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (Iser) revelou que, das 38 associações de moradores em favelas pacificadas, 21 têm presidentes filiados a partidos políticos. Desses, 11 são do PMDB.

O número tem aumentado a cada ano. Entre as seis favelas pacificadas no Andaraí, duas têm associações presididas por peemedebistas. Nas próximas semanas, o partido entrará em mais uma delas, já que Simone Duarte, presidente da Associação da Nova Divineia, deu entrada na papelada da filiação.

Marco Balão, presidente da associação de
moradores da Grota, no Complexo do Alemão,
é filiado ao PC do BFoto: Rafael Soares
- É muito mais fácil ser ouvida fazendo parte do partido do prefeito e do governador - afirma Simone, que foi convencida a entrar na política pela amiga Cláudia Maria da Costa, da associação da favela vizinha, o Parque João Paulo II.

Cláudia já é uma veterana na política. É filiada ao PMDB há oito anos, bem antes de a pacificação mergulhar nas vielas do Andaraí, em 2010. Como previsto, é só elogios às iniciativas do governo.




Recebida pelo governador

- A UPP Social (braço municipal responsável pela integração social e urbana das favelas pacificadas) ajuda a associação a realizar suas atividades - conta Cláudia, que diz ter sido recebida por Sérgio Cabral "várias vezes".

Marco Balão, presidente da Associação da Grota, no Complexo do Alemão, não comunga da mesma opinião. Filiado ao PCdoB, partido governista, é ácido ao avaliar os efeitos da pacificação.

- A UPP Social não chegou aqui. No Complexo, a associação faz o que o governo não faz - afirma Marco, que está há quatro meses à frente da associação e diz perceber que o PMDB tenta cooptar lideranças locais: - Eles vivem me ligando. Querem montar uma base na Grota.

‘Poder que é bom, né?’

Jorge Picciani, presidente do PMDB
do Rio. Foto: Luis Alvarenga
A grande penetração do PMDB nas comunidades tem explicação: ao perceber o filão que poderia abocanhar, o presidente estadual do partido, Jorge Picciani, criou um braço da sigla voltada apenas para a política nas favelas - o PMDB Comunitário. No Rio, o partido já tem base em 60 favelas, a maioria ainda não pacificada. Mas Picciani admite que as UPPs abriram uma porta para o partido:

- Quando vamos filiar, percebemos que alguns querem militar, mas grande parte quer mesmo é ficar perto do poder, porque o poder que é bom, né?

Animado, o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio planeja até lançar alguns desses nomes como candidatos a deputado em 2014. A estratégia tem tido o apoio da Fundação Ulysses Guimarães, a escola do partido, que forma a chamada militância.

- Nós já temos vereadores com esse perfil, agora queremos um deputado estadual - adianta o presidente estadual do PMDB.

PMDB nega tentativa de controle

Para representantes do PMDB, o motivo para o predomínio da sigla nas comunidades pacificadas não é a cooptação. O objetivo também não seria o controle dos líderes comunitários, aproveitando-se da chegada das UPPs. Peemedebistas defendem que o partido é pioneiro na entrada nas favelas e são as lideranças que têm interesse em se aproximar.

- Após a pacificação, as pessoas perceberam que não precisam queimar pneus para ter voz. A tendência é que as lideranças se politizem cada vez mais - afirma a secretária-geral do PMDB Comunitário, Arícia Vale.

Mas, algumas vezes, os interesses da vida partidária e as reivindicações das lideranças acabam andando lado a lado. A presidente e a vice-presidente do PMDB Comunitário são, respectivamente, Roberta Ferreira e Cláudia da Costa, das associações do Borel e do Andaraí.

A pesquisa do Iser preocupou-se em fazer um retrato das associações de moradores das favelas com UPPs, sem se aprofundar nos motivos da filiação partidária. A pesquisadora Raíza Siqueira explica que o levantamento trouxe mais dúvidas do que respostas ao instituto, principalmente sobre as mudanças que a pacificação provocou.

- Não tiramos uma conclusão - disse Raíza.




Em números

Na época em que a pesquisa foi feita, existiam 22 UPPs, instaladas em 38 comunidades - por vezes, uma unidade abrange mais de uma comunidade. Hoje, já são 30 UPPs instaladas no estado.

Outra pesquisa

O Iser não concluiu se associações perderam ou não poder com as UPPs. Embora seja uma avaliação recorrente entre os presidentes, só nove disseram que perderam espaço. Os questionamentos deram origem a outro estudo, nos morros da Formiga e dos Macacos.

História

As associações de moradores em favelas surgiram na década de 1940, incentivadas por setores da esquerda, da Igreja e do Estado, este último interessado em ter um braço na área. Com o tempo, tornaram-se representantes da favela. A ditadura interrompeu esse movimento, contendo, por exemplo, protestos contra a política de remoções de favelas do governador Carlos Lacerda e das administrações seguintes.

Redemocratização

Com a abertura política e os programas de urbanização dos anos 90, aumentou o diálogo entre governo e associações, mas práticas clientelistas também voltaram. "O atendimento das demandas locais dependeria mais dos vínculos políticos de seus dirigentes do que do poder de pressão e organização", descrevem pesquisadores do Iser. A presença de traficantes e a interferência deles nas associações, a partir dos anos 80, também auxiliaram no processo de enfraquecimento das associações.

Altos e baixos

A relação dos policiais das UPPs com as associações é marcada por idas e vindas. No Pavão-Pavãozinho, por exemplo, até invadida a associação foi, quando suspeito fugia de soldado da UPP. Na Rocinha, o ex-presidente da associação, William da Rocinha, está preso, acusado de ter vendido um fuzil ao ex-chefe do tráfico no morro, Nem.

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