quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Milícias e território


Por Talitha Ferraz - do Observatório de Favelas

Um estudo do Núcleo de Pesquisa das Violências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Nupevi-Uerj), em parceria com o Laboratório de Estatística Aplicada da mesma instituição, divulgado no mês passado, apontou que 41,1% das favelas da cidade do Rio de Janeiro estavam sob o controle de grupo milicianos em 2008. As contas da pesquisa ainda sugerem que entre 2004 e 2008 a escalada das milícias nas favelas saiu de 108 para 400 territórios dominados. O documento reforça o debate sobre a atuação das milícias no Rio, assunto que já foi investigado em uma Comissão Parlamentar de Inquérito exclusiva sobre o tema. Presidida pelo deputado Marcelo Freixo, a CPI das Milícias, instaurada em 2008, revelou que apenas no município do Rio de Janeiro 118 áreas territoriais estariam sob o comando de milicianos, que, entre outras ações, cobravam dos moradores e comerciantes de algumas regiões do estado taxas de segurança e pelos serviços de TV a cabo, gás e transporte alternativo.

Ao contrário das estatísticas divulgadas pelo Nupevi-Uerj, que trabalham com quantidades específicas de favelas sob o cerco das milícias ou traficantes, os números apresentados no relatório da CPI não têm a intenção de aferir com precisão um montante de comunidades onde os milicianos articulam seu poder. O texto do relatório desta CPI evidencia que as milícias atuam tanto em favelas e morros, quanto em sub-bairros, bairros, condomínios, ruas e pequenos municípios, o que dificultaria precisar um número específico vinculado a comunidades.

A pesquisadora e diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré, Eliana Sousa, defendeu recentemente a tese de doutorado “O contexto das práticas policiais nas favelas da Maré: a busca de novos caminhos a partir de seus protagonistas”, na qual aborda a ação da Polícia Militar em favelas, especificamente no conjunto de favelas da Maré. Na entrevista que se segue, a pesquisadora analisa as representações e práticas dos profissionais da segurança pública nessas favelas e a forma diferenciada como eles atuam numa mesma cidade, passando também por questões relacionadas à ocupação de milicianos ocorrida em algumas comunidades da Maré, como em Roquete Pinto e Ramos.

Como analisa o resultado da pesquisa que apontou que 41,1% das favelas do Rio de Janeiro estão sob controle das milícias?
Houve um acompanhamento pela Assembléia Legislativa sobre a atuação da milícia no estado. Na ocasião da CPI das milícias, foi feito um relatório que aponta exatamente o contrário: parece ter havido algumas baixas de quem controlava as milícias e não aumento. De acordo com o acompanhamento da Alerj, se formos analisar bem, isso indica que esse percentual não procede. Para que quase metade das favelas tenha controle de milícias hoje, esse controle teria que estar num crescente, e isso aparece em desacordo com o que aconteceu do ponto de vista da própria investigação que foi feita na CPI, das constatações, dos depoimentos das pessoas que foram presas, identificadas como quem estava exercendo este controle.

Como vê a atuação das milícias no Rio de Janeiro?
Essa outra forma de se exercer controle no território que a gente está vivenciando hoje no Rio de Janeiro, além do tráfico que já existia há muito tempo, tem que ser percebida, entendida, investigada e enfrentada da mesma forma como o tráfico. Acho que as motivações desses grupos que controlam esses territórios, em algum sentido, podem ser diferenciadas, mas a causa desse controle, a maneira como isso é exercido, todos os dois – tanto o controle do tráfico, quanto das milícias – são atividades ilícitas. Entendo que essas atividades têm que ser enfrentadas.

Quais os caminhos a serem percorridos?
Soluções para isso devem ser buscadas pela via do estado, pela via legal, da legalidade. Agora, as estratégias desses enfrentamentos de um grupo para o outro grupo – se é tráfico, se é milícia –,serão diferentes do ponto de vista de como o estado vai enfrentar isso, de como a polícia está enfrentando isso e buscando resolver. Agora, do ponto de vista do mal que isso causa para a vida, para a garantia de uma soberania, de um ordenamento urbano pelo estado, acho que o efeito negativo é evidente. E o efeito negativo do controle do tráfico ou da milícia é o mesmo, apesar de você identificar que, com a milícia, você não tem o varejo da droga ostensivo. Isso de alguma maneira pode, aparentemente, apresentar uma outra forma de como o morador se relaciona com isso. Mas, do ponto de vista de um ordenamento público, os dois tipos de controle podem ser maléficos e devem ser enfrentados com o mesmo rigor e seriedade. Não importa que as motivações sejam distintas, pois os efeitos maléficos são equivalentes.

Como é a dinâmica dos grupos milicianos na Maré?
Na minha tese o que fiz foi entender qual é a percepção do morador e qual é a percepção de quem está atuando na milícia ou no tráfico em relação à polícia. Eu trabalhei o aspecto da ação da polícia. Meu foco é a percepção de como é a polícia. Como é que esses grupos, como é que um morador que reside numa área controlada pela milícia ou como um morador que reside numa área controlada pelo tráfico entende a ação da polícia.

Pesquisei como os moradores vêm a polícia, como os grupos de controle vêm a polícia e como a polícia se vê também. O que eu percebo é que o morador de Roquete Pinto e Ramos, por exemplo, áreas de milicianos, tem a mesma percepção sobre a polícia, de quanto violenta ela é, de como ela age de uma maneira arbitrária. Podem estar numa área ocupada pelo tráfico ou pela milícia, mas esses moradores terão geralmente mesma percepção. Talvez se eu fizesse a mesma pergunta em relação ao tráfico, à atuação do tráfico, aí sim poderíamos ter algum diferencial. Também acho que o morador da favela não enxerga a ação da milícia de forma igual como vê a ação da polícia, apesar das proximidades que existem, em alguns casos, entre os seus membros.

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