segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Rocinha e Alemão já estão na mira do comandante da PM do Rio


Por Manuela Andreoni, Jornal do Brasil

Na sala de espera do gabinete do comandante-geral da Polícia Militar do Rio, Mário Sérgio de Brito Duarte, um senhor, PM reformado, e um homem de mais ou menos 30 anos de idade esperam uma audiência há cerca de quatro horas. A espera, no entanto, não os impede de tecerem os maiores elogios ao coronel, de quem se declaravam amigos pessoais e grandes admiradores. Duarte completa agora seis meses muito elogiados pelas autoridades no cargo mais alto da Polícia Militar do Rio.

Bacharel em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o coronel Duarte já comandou o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e conta aqui, em entrevista ao Jornal do Brasil, que, por mais que tenha sido bem aceito, o atual cargo veio como surpresa. Ele prevê um 2010 mais de consolidações do que de novidades, e garante sua presença como comandante-geral até o fim do próximo ano, quando “a reeleição do governador” pode trazer “ótimos” nomes ao cargo. Estes são os trechos da entrevista.

Qual é o balanço que o senhor faz desses seus seis meses como comandante geral?

Desde que assumimos, passamos a trabalhar com um conceito de que o crime não é tão aleatório quanto pensávamos no passado. No passado, usávamos nossas informações apenas, que, transformadas em grandes estatísticas, em regra não aplicávamos. Hoje, trabalhamos com os dados do Observatório de Análise Criminal do Instituto de Segurança Pública, com as informações da Polícia Civil e essas informações todas nos georeferenciamos e aí, observando as manchas criminais, aplicamos o policiamento. Resultado: redução de índice de criminalidade.

E o narcotráfico?

Hoje, sabemos que não queremos uma cruzada contra as drogas, mas retirar do narcotráfico seu poder de morte, de dominação, de escravização da população. Hoje estamos desterritorializando o traficante, desconstruindo a sua ideologia de facção. Se uma grande comunidade tiver um grande consumo de drogas e vendas, mas não tiver armas de guerra ou homicídios, a nossa participação não vai ser armada, mas com projetos de prevenção ao uso de drogas.

No passado, tivemos uma experiência mal sucedida de policiamento comunitário, que foram os GPAEs. O que acontecerá com eles?

Todos vão virar UPPs.

O que impede que o desgaste que eles sofreram seja enfrentado também pelas UPPs?

Nós estamos fazendo um trabalho para que a UPP não seja uma política de governo e sim se transforme em uma política de estado. E a população que está sendo beneficiada vai exigir que essa política continue. O grande problema é que era preciso admitir a existência de um quadro com semelhanças a um conflito armado de pequena intensidade e isso os governantes não quiseram fazer durante 20 anos. Eles sabiam que havia fuzis de guerra, condutas de guerra, ethos (valor de identidade social) de guerra, feridos de guerra, mortos de guerra, mas não queriam assumir que havia um conflito armado de baixa intensidade. A gente admite usar o termo “pacificação”, admitimos que aquela população perdeu seus direitos civis, ou parte considerável deles, que estava subjugados à ideologia de determinada facção.

A UPP, diferentemente do GPAE, não permite a exibição dentro daquele território dos valores do narcotráfico. Por exemplo, você entra em uma área do GPAE, você encontra símbolos do narcotráfico em tudo quanto é lugar. Em uma área de UPP, nós vamos atrás de quem fez.

Mas o GPAE do Pavão-Pavãozinho permitiu quase três anos de paz ao morro?

Teve? Ou o GPAE trabalhou como uma agência reguladora do narcotráfico? Paz é uma coisa, paz sem voz é outra. Havia de um lado o GPAE e do outro o tráfico. Havia certo romantismo de que bastava o GPAE estar presente. A UPP é muito mais do que GPAE: tem serviços de inteligência, criação de uma rede social de proteção, uma interface constante, a implantação de conselhos comunitários dentro da área. O GPAE não previa nada disso. No conceito do GPAE, havia certa tolerância.

Como a PM estuda o cerco ao Vidigal e à Rocinha?

Fazem parte dos nossos estudos. A opção não foi de chegar lá ainda. Temos tido menos problemas de morte, confrontos e guerras internas na Rocinha.

Vocês parecem estar eliminando o Comando Vermelho da Zona Sul. Não temem que a facção talvez vá parar lá?

Nós não temos uma cruzada contra as drogas. Elas são um problema de polícia, mas um objeto de prevenção e repressão, também pela educação. Então, é claro que toda a nossa atenção vai estar mais para as áreas onde há mais mortes, fuzis, tiros, dominação...

Mas, se o senhor está falando de territorialidade, e está tirando o território dessa facção na Zona Sul, que é a região mais rica da cidade...

Observe que os territórios são menores. A Rocinha é um mega complexo. Mas, não há lugar nenhum descartado a rigor.

Houve um assalto a um restaurante em Copacabana, uma mulher foi encontrada morta no Leme... Alguns setores da sociedade temem que essas sejam ações dos criminosos em represália às ocupações. A PM não está tirando gente do asfalto para pôr nas UPPs, então?

Não, de forma alguma. Estamos colocando os novos. É uma coisa que não faz sentido. O criminoso que vivia no morro está praticando roubo. Então, ele vai ter que levar a respectiva pro morro e vai continuar sendo alvo. São elucubrações esperadas, porque ainda há uma descrença. A classe média tem certo preconceito com as pessoas que vivem nas favelas.

E os empregados pelo tráfico?

As pessoas que podem estar lá ainda são pessoas que eram empregadas pelo tráfico mas não estão armadas. Então, elas podem estar procurando um emprego formal. Há criminosos que têm gozo no crime. Então, não é porque nós ocupamos que vão deixar de ser criminosos. Vai haver criminosos que vão abandonar o crime. Não vamos acreditar nessa ingenuidade de que basta haver emprego pra todo mundo que não vai haver mais criminoso. Se fosse assim, não encontrávamos o criminoso sofisticado.

Vamos encontrar esse criminoso em armas, porque ele tem 50 ou 60 palavras no seu vocabulário, tem gozo no crime, mas não consegue ter um sistema sofisticado de crime. Então, o crime dele é o crime das armas, dos fuzis. Se esse que tem gozo no crime fosse mais sofisticado, ele daria um golpe e mandaria dinheiro para um paraíso fiscal. É que nós acabamos naturalizando esse discurso das desigualdades sociais. Por exemplo, as ONGs que querem dizer que o estado é uma superestrutura perversa. A Human Rights Watch veio aqui para dizer, de uma forma subliminar, que o estado é perverso. Então, eles dizem que a polícia criminaliza a pobreza. Não! O crime está definido pelo código penal.

Quando o representante do Estado mata...

Essa é uma escolha, na esmagadora maioria das vezes, do criminoso. É o criminoso escolhendo seu próprio destino. Na mesma semana em que a Human Rights apresentou o relatório, nós tivemos dois policiais do 22º batalhão baleados e um morto, atacados enquanto a patrulha estava parada. Essas coisas não são ditas. Onde você tem um criminoso com essa vontade de guerra?

O senhor está dizendo que a polícia do Rio mata mais porque os criminosos matam mais?

O criminoso do Rio de Janeiro tem um ethos de guerra. O que o policial deve fazer quando ele é atacado a tiros? Quais as ferramentas que ele tem que utilizar?

Mas os relatórios apresentados, tanto esse quanto outros, falavam que muitas das pessoas que eram tidas como mortas em tiroteios, não eram, mas levavam tiros a queima-roupa.

Eles provaram isso? O Ministério Público diz que não. Os peritos dizem que não. Eu afirmo para você que são relatórios ideologizados. Mas eles são tão sutis que você não consegue entender.

Mas o número continua sendo revoltante.

O número continua sendo revoltante... Você já viu algum estado apreender 320 fuzis em um ano? Três mil granadas em um ano? Permitiu-se isso no Rio de Janeiro. O relatório não diz isso porque não interessa a eles dizer isso. Ele não se preocupa com as condições socioeconômicas do policial. Eles até colocam no meio do relatório, mas na hora de falar com a mídia eles tiram o tópico que não interessa. Mas não coloca quantos fuzis são apreendidos, as metralhadoras, lançadores de granada, RPG, mina antipessoal, granadas.... E aí, Human Rights?

Em São Paulo, foi criado o método Giraldi para diminuir as mortes em confronto. O senhor pensa em implantar algo do tipo no Rio?

Método Giraldi é para armas curtas. Aqui, você vê que, em cada dois, um leva um fuzil. Temos que inventar um Giraldi para fuzil. Aquilo se aplica bem lá. Em São Paulo, o policial ainda anda fardado e desarmado no ônibus. Aqui, só nesta semana um policial levou um tiro quando estava fazendo abordagem a um ônibus. Isso nós estamos desconstruindo. Esperamos ver no futuro o policial indo para casa fardado desarmado. Cada coisa no seu lugar. Quando chegar o momento do método Giraldi no Rio de Janeiro, a gente aplica.

São Paulo, então, é menos violenta que o Rio?

Não, São Paulo é mais violenta. O problema de São Paulo é o crime no asfalto. Não há a ideologia da facção. Tem o PCC, que é uma facção única, que não espalha isso para as favelas. Quando eu falo de ideologia de facção, é a identidade que a população acaba tendo. As facções lá não têm penetração tão grande quanto aqui. Eles estão mais dedicados aos roubos, seqüestros. Aqui, todo o forte funciona de acordo com o narcotráfico e com o grupo. Se for o Comando Vermelho, o que é importante é o grupo – toda a sua estrutura é para fortalecer o grupo: drogas, para comprar armas, para fortalecer o grupo e fazer guerra. Já no ADA, eles têm o negócio, a firma e as armas servem para dar sustentação ao negócio se for preciso. As armas não são a prioridade deles. São representações simbólicas diferentes.

Agora, com o fim do ano, completamos mais de um ano e meio que a polícia não realiza uma grande operação no Complexo do Alemão. Como o senhor vê aquela falta de combate ali?

Aquelas operações foram integradas entre PM e Polícia Civil, com todas as informações. Foi uma decisão à época. E elas foram a primeira fase, digamos, da política de segurança pública, mais marcadamente repressiva. Hoje, estamos em uma fase de retomada. O que não estava claro naquele momento, que é necessária a retomada daqueles territórios e a ocupação dele, hoje está muito claro. Então, o Complexo do Alemão ainda é uma área quente, muito quente, talvez a mais. Mas o Complexo está sendo estudado para quando chegar o seu momento de pacificação.

Por que policiais jovens?

O policial jovem ainda não sofreu as dores de perda de seus companheiros, não criou nenhum estereótipo contra ninguém. Ele não viu o companheiro dele tombar na favela. Ele não tem ainda nenhum ressentimento.

Mas eles vão envelhecer...

Claro, mas dentro de uma nova realidade. O antigo já vem de uma batida dessa guerra que se fez ao longo desses anos.

Os policiais novos vão sempre para as UPPs?

Não, nem todos. Vamos precisar de um número que eu não tenho ainda, porque ainda não terminamos esses estudos, e vamos dentro dos planos que a secretaria de segurança traçar, focando nas áreas. Por exemplo, o governador já sinalizou que nós vamos depois para a Tijuca. Esses efetivos que nós estamos formando, vamos para a Tijuca com eles. Ou seja, se as pessoas observarem, vamos fazer um movimento daqui onde estamos para a Zona Norte.

E as perspectivas para ano que vem?

Cada vez mais consolidação, mais UPPs. Serão mais 220 mil pessoas libertas do jugo do tráfico, já que a nossa conta é um policial para cada 65 habitantes nessas comunidades, em média.

O senhor acha que ser comandante mudou a sua visão como policial?

A minha visão ficou mais extensa. Descobri, por exemplo, que o comandante geral tem menos poder, que temos que negociar muito mais. Eu tenho tão menos poder do que eu imaginei que eu pudesse ter! Na verdade, ser comandante geral nunca passou pela minha cabeça.

Gostou?

Gostei. Estou gostando muito. Já passei por algumas dores. É muito duro ter que ir ao cemitério sepultar as pessoas e domingo passado eu tiver que ir. É muito duro encarar nossos erros, como foi o caso da ação diante do rapaz do Afro reggae que agonizava. É muito duro ter que admitir policiais muito mais identificados com o banditismo, como foi o caso daqueles dois que pegaram uma menina e levaram para o morro e deram um tiro nela. Eu já conhecia essa realidade, mas antes isso era problema do comandante geral. E, agora, eu sou o comandante geral.

Tem expectativas em relação à sua permanência?

Expectativas até dezembro do ano que vem. Com a reeleição do governador, acho que ele tem ótimos nomes para escolher. Se ele achar que eu tenho que continuar, eu sirvo à PM, sirvo ao povo do Rio de Janeiro e, claro, aos poderes do estado.

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