terça-feira, 22 de junho de 2010

Crianças no Tráfico

Por Cecília Olliveira

Um morador da cidade de São Manuel, a 272 quilômetros da capital paulista, gravou imagens do esquema de trafico local e encaminhou a Polícia Militar. As gravações resultaram na Operação Fraldário, que culminou na prisão de um homem e na detenção de um adolescente.

Operação Fraldário: Polícia paulista procura por Poderozinho, suspeito de gerenciar tráfico de drogas no interior do Estado




Foram apreendidas munições, bicarbonato de sódio e pedras de crack. A operação parece não ser diferente de muitas outras desencadeadas cotidianamente pelas polícias Brasil afora, não fosse por um detalhe: as denúncias indicam que o ponto era gerenciado por uma criança que aparenta ter entre 10 e 13 anos, cujo apelido é “Poderozinho”. Nas imagens, a criança aparece entregando drogas para usuários e coordenando a distribuição dos “olheiros. O apelido de Poderosinho é conseqüência do codinome da mãe e irmãs, as “poderosas”, que já estiveram presas.

De acordo com o último levantamento feito pelo governo de São Paulo (2006) – quando a Fundação Casa ainda era Febem – a idade média dos internos em São Paulo era de 16,7 anos. Apenas 1% deles tem 13 anos. Deste universo, 69% eram primários no sistema e 29% reincidentes. Mais da metade (51%) mora só com a mãe, que na grande maioria dos casos (38%) chefia a família, que dentre 43% dos jovens, já houve ou há alguém cumprindo pena. 62% dos internos usam maconha frequentemente, 33% álcool, 19% cocaína e 5% crack.

Penas muito duras

Entrando para o sistema socioeducativo, Poderozinho comporá a parcela de 19% de internos em unidades paulistas que cometeram delitos de média gravidade, dentre os quais está o porte e tráfico de drogas. Isto, apesar de o ECA (art.122, I ECA) não indicar internação para este tipo de delito. Em Minas Gerais, o levantamento de dados criminais referente ao ano de 2009 registrou que 14% dos jovens cumprindo medida tinham envolvimento com crimes de mesmo porte.
A presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, confirmou em entrevista a Folha de S.Paulo, que cerca de 40% dos jovens e adolescentes em cumprimento de medida na Instituição não deveriam estar internados. “Essa informação se baseia na porcentagem de adolescentes que praticaram atos infracionais sem violência ou grave ameaça à pessoa (como tráfico de drogas e furto, por exemplo), e que não correspondem, portanto, à hipótese prevista pelo ECA para aplicar a internação”, explica a coordenadora de Projetos do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente), Aline Yamamoto.

Para o assessor de medidas em meio aberto da Fundação Casa e conselheiro do Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente - SP), Adilson Fernandes de Souza, “de fato existe um rigor muito grande no trato dado a adolescência envolvida com atos infracionais, o qual pode estar mais gravoso que o trato com adultos. No caso de São Paulo gestões estão sendo feitas com as defensorias públicas para intevir nestes casos, além de maior sensibilização do poder judiciário pelas equipes técnicas da Fundação”. Adilson disse ainda que muitos casos são encaminhados ao sistema socioeducativo como uma tentativa de suprir a falta de ações protetivas nos municípios.

Redução da maioridade não é a solução


Apenas 0,16% do total de adolescentes do país se envolveram em delitos, conforme dados do IBGE e da Subsecretaria da Promoção dos direitos da Criança e do Adolescente (2004). Outro levantamento, feito pelo Ilanud em 2007, mostrou que o tráfico de drogas representava 8,3% do total de delitos cometidos por adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em todo o Brasil.

O cenário demonstra que o jovem não é o principal agente da violência no Brasil, pelo contrário, representa muito pouco do universo analisado. São os adultos, maiores de 18 anos de idade, que praticam o maior número de crimes e os crimes mais graves no país. “A redução da maioridade penal não é, de longe, a solução para a redução da criminalidade no Brasil, por inúmeros motivos”, explica Aline Yamamoto, que frisa: “a prisão é uma instituição que nasceu falida, de alto custo para o Estado, e que não serve para recuperar ninguém. Pelo contrário, apenas empurra as pessoas para a criminalidade”. Para a coordenadora, iniciativas bem sucedidas em diversos países e também no Brasil mostram que a redução da violência e criminalidade passam por políticas de prevenção e não de repressão. “Sendo múltiplas as causas da violência - na qual interferem fatores sociais, econômicos, urbanos, etc - compreendê-las localmente e desenvolver políticas que incidem sobre tais causas geram efeitos positivos a longo prazo, que fortalecem os laços sociais e geram mais segurança para todos, e não só para aqueles que ilusoriamente podem pagar por ela”, reitera.

Adilson Fernandes concorda que a redução da maioridade não resolve o problema. Para ele “esta discussão não vai ao real problema da questão que é a desigualdade social. Situações de vulnerabilidade social existem e não são opção do público que vive esta situação. Novamente a intersetorialidade de políticas públicas de direito e proteção devem ser implementadas”.

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