DO UNODC
Novo relatório do UNODC mostra que, usando a violência e a corrupção, os mercados internacionais do crime se tornaram grandes centros de poder
"O crime organizado se globalizou e se transformou em uma das principais forças econômicas e armadas do mundo", disse Antonio Maria Costa, Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), no lançamento de um novo relatório do UNODC, intitulado A Globalização do Crime: uma Avaliação sobre a Ameaça do Crime Organizado Transnacional . O relatório, lançado nesta quinta-feira no Conselho de Relações Exteriores, em Nova York, traz um olhar sobre os grandes fluxos do mercado de tráfico de drogas (cocaína e heroína), de armas de fogo, de produtos falsificados, de recursos naturais roubados e de pessoas vítimas de tráfico para fins de exploração sexual ou de trabalho forçado, bem como de contrabando de migrantes, de pirataria marítima e de cibercrimes.
A elaboração do relatório foi iniciada a partir de preocupações expressas pelos países-membros da ONU, do Conselho de Segurança, do G8 e de outras organizações internacionais sobre a ameaça representada pelo crime organizado transnacional e a necessidade de neutralizá-la. Produzir o relatório foi um desafio devido ao fato de que as evidências sobre o tema, até o momento, são limitadas e heterogêneas. "Apesar da dificuldade intrínseca em relação à investigação sobre o crime, o UNODC foi capaz de documentar o enorme poder e o alcance global das máfias internacionais", disse Costa.
O relatório mostra a extensão dos fluxos ilícitos em todo o mundo. "Hoje, o mercado alcança a todo planeta: as mercadorias ilícitas são originárias de um continente, traficadas por meio de um outro e comercializadas em um terceiro", disse Costa. "O crime transnacional tem se tornado uma ameaça para a paz, para o desenvolvimento e até mesmo para a soberania das nações", advertiu o chefe do UNODC. "Os criminosos usam armas e violência, mas também dinheiro e suborno para comprar eleições, políticos e poder - até mesmo militares", disse Costa. A ameaça à governabilidade e à estabilidade é analisada em um capítulo do relatório que trata das "regiões sob tensão".
O relatório do UNODC sobre a globalização do crime apresenta mapas e gráficos que ilustram os fluxos ilícitos e seus mercados. "Negócios ilícitos envolvem as principais nações do mundo: o G8, os países BRIC e as potências regionais. Uma vez que as maiores economias do mundo são também os maiores mercados para o comércio ilícito, peço a seus líderes que ajudem as Nações Unidas a combater o crime organizado de uma forma mais eficaz. No momento, há uma negligência benigna para um problema que está prejudicando a todos, em especial aos países pobres que não são capazes de se defender", disse Costa.
As principais constatações do relatório são as seguintes:
• Há uma estimativa de 140 mil vítimas de tráfico humano para fins de exploração sexual apenas na Europa, gerando uma renda bruta anual de US$ 3 bilhões para os exploradores. "Em todo o mundo, existem milhões de escravos modernos negociados a um preço, em termos reais, não superior ao da escravidão dos séculos passados", disse Costa.
• Os dois fluxos mais importantes para o contrabando de migrantes são provenientes de África para a Europa e da América Latina para os Estados Unidos. Entre 2,5 e 3 milhões de migrantes são contrabandeados da América Latina para os Estados Unidos a cada ano, gerando uma receita de US$ 6,6 bilhões para os traficantes.
• O mercado regional de heroína na Europa é o mais valioso do mundo (US$ 20 bilhões), sendo a Rússia, hoje, o maior país consumidor de heroína no mundo (70 toneladas). "Os narcóticos matam entre 30 a 40 mil jovens russos por ano, o que equivale ao dobro do número de soldados do Exército Vermelho mortos durante a invasão do Afeganistão na década de 80", disse Costa.
• O mercado de cocaína da América do Norte está diminuindo, devido à menor procura e a uma maior aplicação da lei. Isso gerou uma guerra de territórios entre as gangues do tráfico, especialmente no México, e novas rotas de tráfico. "Ao longo de toda a costa atlântica da América Latina, a cocaína é traficada para a Europa via África", disse Costa. "Ameaçadas, algumas nações da África Ocidental correm o risco de fracassar".
• Os países que possuem as maiores plantações ilícitas no mundo, como Afeganistão (ópio) e Colômbia (coca), são os que mais chamam atenção e os alvos da maior parte das críticas. No entanto, a maior parte dos lucros é feita no destino - os países ricos. Por exemplo, no contexto de um mercado da heroína afegã, estimado em algo como 55 bilhões de dólares, apenas cerca de 5% (US$ 2,3 bilhões) são revertidos para os agricultores, comerciantes e insurgentes afegãos. Do mercado de US$ 72 bilhões da cocaína na América do Norte e na Europa, cerca de 70% dos lucros acabam nas mãos de traficantes intermediários dos países consumidores - e não na região dos Andes.
• O mercado mundial de armas de fogo ilícitas é estimado em US$ 170 a 320 milhões por ano - o que representa algo entre 10% a 20% do mercado legal. Embora o contrabando de armas tenda a ser episódico (isto é, relacionados a conflitos específicos), os montantes são tão grandes que podem matar tantas pessoas quanto algumas pandemias.
• A exploração ilegal de recursos naturais e o tráfico de animais selvagens da África e do Sudeste Asiático estão destruindo frágeis ecossistemas e levando várias espécies à extinção. O UNODC estima que os produtos de madeira ilegal importados da Ásia para a União Europeia e para China somaram aproximadamente US$ 2,5 bilhões em 2009.
• O número de produtos falsificados apreendidos nas fronteiras europeias aumentou dez vezes na última década, chegando a um valor anual de mais de US$ 10 bilhões. Pelo menos metade dos medicamentos testados na África e no Sudeste Asiático é falsificada ou adulterada - aumentando, ao invés de reduzir, os riscos de doenças.
• O número de ataques de piratas ao longo do Corno da África duplicou no ano passado (de 111, em 2008, para 217, em 2009) e ainda está crescendo. Piratas de um dos países mais pobres do mundo (Somália) estão mantendo reféns navios de alguns dos países mais ricos, apesar do patrulhamento feito pelas marinhas mais poderosas do mundo. Do total de mais de US$ 100 milhões da renda anual gerada pelos resgates, apenas um quarto vai para os piratas - o resto vai para o crime organizado.
• Mais de 1,5 milhão de pessoas por ano tem sua identidade roubada pela internet - gerando um prejuízo estimado em US$ 1 bilhão. O cibercrime está colocando em risco a segurança das nações, com invasões a redes de energia, de controle aéreo e a instalações nucleares.
Esses são apenas alguns exemplos da variedade das novas evidências incluídas no relatório do UNODC, que também faz uma série de sugestões sobre como lidar com as ameaças colocadas pela globalização do crime.
Primeiramente, Costa fez um chamado para "romper as forças de mercado" por detrás das operações ilícitas. "O desmantelamento das organizações criminosas por si só não funciona, pois os integrantes presos são imediatamente substituídos", disse ele. Ele advertiu que "a aplicação da lei contra os grupos do crime não irá interromper as atividades ilícitas se as bases dos mercados se mantiverem inalteradas, incluindo o exército de criminosos de colarinho branco - advogados, contadores, corretores e banqueiros - que encobrem e lavam as receitas dos criminosos. A ganância dos profissionais de colarinho branco está impulsionando os mercados negros, tanto quanto a dos profissionais do crime".
O relatório ressalta que, uma vez que o crime se tornou global, respostas nacionais isoladas são inadequadas - elas apenas deslocam o problema de um país para outro. É preciso haver respostas globais, com base na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), que foi aprovada em 2000. "O crime tem se internacionalizado mais rapidamente do que a aplicação da lei e a governança mundial", disse Costa. "A Convenção de Palermo foi criada justamente para gerar uma resposta internacional a essas ameaças trans-nacionais, mas ela é muitas vezes negligenciada", disse ele. "Os governos que têm uma postura séria em relação à luta contra a globalização do crime devem incentivar as nações que estão atrasadas na implementação da Convenção", disse o chefe do UNODC.
Costa também chamou a atenção para a diferença entre os países não têm interesse e os países que não têm condições de combater o crime organizado, fazendo um apelo por um maior esforço para oferecer desenvolvimento e assistência técnica a fim de reduzir a vulnerabilidade dos países pobres. "Quando os Estados não conseguem prover serviços públicos e de segurança, os criminosos preenchem esse vazio", disse Costa. "Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio seria um antídoto eficaz à criminalidade, que em si é um obstáculo ao desenvolvimento", acrescentou. Ele também pediu uma maior atenção à justiça criminal nas operações de paz: "uma vez que o crime cria instabilidade, a paz é a melhor maneira de conter a criminalidade", disse ele.
"Os criminosos são motivados pelo lucro, então, vamos atrás do dinheiro deles", disse Costa. "Devemos aumentar os riscos e reduzir os incentivos que permitem que a mão sangrenta do crime organizado manipule a mão invisível do mercado", disse Costa. Ele pediu ainda por uma aplicação mais contundente da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, medidas mais eficazes contra a lavagem de dinheiro e uma maior ação contra o sigilo bancário.
Texto integral do relatório: A Globalização do Crime: uma Avaliação sobre a Ameaça do Crime Organizado Transnacional (em inglês)
Sumário executivo (em inglês ou em espanhol)
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